A progressividade do IPTU é inconstitucional?

Ives Gandra da Silva Martins

A Emenda Constitucional n. 29/2000 introduziu a progressividade como técnica de determinação do valor do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana tendo em vista o valor dos imóveis segundo seu uso, localização, e custo, considerados esses dados como aptos a denotar a capacidade contributiva dos pagadores de tributos e definir as alíquotas ideais em face dessa aferição.

Anteriormente, o artigo 156 § 1º da lei suprema apenas permitia a progressividade à luz da função social do imóvel, valendo exclusivamente para punir o proprietário, detentor ou possuidor do bem que não cumprisse essa função.

Os artigos 156 § 1º e 182, § 4º, inciso II estavam vinculados em seu contexto, ostentando a seguinte dicção:

“Art. 156 – § 1º O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”;

“Art. 182 – § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: … II. imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo”.

Assim, apenas como sanção pelo fato de o imóvel não cumprir sua função social era a progressividade admitida.

A E.C. n. 29/2000 introduziu os seguintes incisos ao artigo 156:

“Art. 156 – § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I. ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II. ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”,

passando a progressividade a servir não só como punição pelo imóvel socialmente não utilizado, mas para exigir dos proprietários, detentores ou possuidores de imóveis de maior valor, melhor localizados ou utilizados, alíquota superior àquela aplicada aos imóveis de menor valor ou situados na periferia.

Ocorre que a Suprema Corte já decidira no RE 153.771-MG (RTJ 169/667 e seguintes) que os impostos reais não comportam a técnica progressiva própria para aferir a capacidade contributiva nos impostos pessoais. A progressividade -–embora seja de prestígio decadende no mundo moderno por afetar investimentos e poupança— pode ser utilizada para aferir capacidade contributiva, por exemplo, no imposto sobre a renda, que é um imposto pessoal. É difícil que o faça nos tributos indiretos ou reais, com PIS, COFINS, CPMF. Para tais tributos, existe a técnica seletiva, ou seja, a circulação de produtos de maior valor, são tributados com alíquota maior do que seus similares de menor valor. Um colecionador pobre, todavia, pode gastar o que tem para possuir um produto altamente gravado e um milionário avarento apenas adquirir produtos vulgares, para usufruir o “prazer” de guardar dinheiro.

A Suprema Corte decidiu, no referido RE, que os tributos reais ou indiretos, que incidem sobre a coisa ou sua circulação, e não sobre a pessoa ou sua capacidade econômica, não comportam a técnica progressiva de tributação.

Ora, o IPTU, na percepção do STF, é um tributo real, pois é cobrado independentemente da capacidade econômica de seu detentor. O locador, por exemplo, paga-o, nada obstante não ter, o mais das vezes, como adquirir seu próprio imóvel. Uma viúva aposentada, residindo, há muito tempo, em seu único imóvel, localizado em bairro que, no passado, era considerado de periferia, e hoje tornou-se valorizado, embora proprietária, não ostentará capacidade contributiva suficiente para ser considerada abastada.

Nesta linha, decidiu a Suprema Corte que a progressividade do IPTU não compõe sua natureza, na medida em que é tributo real e não pessoal.

Ora, se o regime legal do tributo é que lhe dá o perfil, tendo o contribuinte o direito de só recolhê-lo se o imposto for compatível com esse perfil, não feriria cláusula pétrea da Constituição adotar técnica incongruente com seu arquétipo, maculando, portanto, o direito do contribuinte de pagar o tributo conforme a natureza jurídica que lhe pertine?

A Constituição deve ser interpretada conforme o espírito do constituinte e sempre que uma norma ferir cláusula imodificável –e o são os direitos fundamentais do contribuinte— à evidência, estar-se-á perante norma constitucional “inconstitucional”, visto que o art. 60 § 4º, inciso IV, não comporta transigências.

Todo o problema, portanto, reside em saber se se trata de garantia individual do contribuinte pagar tributo fixado de forma coerente com a natureza de sua materialidade, à luz da doutrina mundial e da jurisprudência da Suprema Corte, como no direito pretérito ou se tem o constituinte o poder de alterar essa natureza, sem agredir direitos do pagador de tributos.

A favor da primeira tese, é de se lembrar que o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal faz clara menção a que os direitos individuais não são apenas aqueles do art. 5º, e o art. 150 mostra que não somente aqueles explicitamente nomeados, em seus incisos, constituem direitos individuais do contribuinte. A favor da segunda, a lembrança de que no direito pretérito as contribuições sociais perderam natureza jurídica de tributo por emenda constitucional.

Enfim, a polêmica está posta, cabendo a Suprema Corte reiterar a sua interpretação, à luz do que já decidiu e dos direitos fundamentais do contribuinte ou, em face do novo texto, reformulá-la.

Vamos aguardar para ver o desenrolar do debate.

SP., 28/03/2001.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS é Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.

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