Equilíbrio do crescimento demográfico como princípio constitucional urbanístico

Marco Antônio Marcondes Pereira

1 . A relevância da demografia no tema urbano.

As recentes exigências da sociedade contemporânea e os avanços tecnológicos propiciados pelas mais variadas ciências estão trazendo à baila uma série de questões e discussões de conteúdos moral e jurídico, marcando sobretudo o conflito entre estes dois aspectos da convivência humana no seio das cidades.
Tenhamos como cidades até as mais pequenas, pois se não têm no seu cotidiano a polêmica direta dos conflitos dos grandes centros urbanos, com certeza padecem os reflexos dos embates travados nas metrópoles de uma forma ou de outra: submetem-se ao fácil acesso, e constante, de pessoas com costumes diferentes que podem abalar suas formas de convivência; são alvos da mídia desenfreada e, muitas vezes, sem critério na seleção da programação; têm seus rios e riachos contaminados por resíduos químicos tóxicos enviados pelas indústrias mais próximas etc.
Há décadas vem sendo notada a necessidade de uma adequação mais eficaz da forma de vida nas cidades, fruto da crescente ocupação dos espaços habitáveis, os quais tornam-se bem mais limitados para os menos favorecidos, facultando-nos exemplos de sobrevivência de maneira bem distante do conceito de dignidade e respeito à pessoa humana. Das favelas aos habitantes debaixo das pontes, destes aos moradores de rua, inclusive crianças, e a mendicância acaba compondo o quadro marcante das ruas e avenidas freneticamente ocupadas por veículos automotores congestionados. Ou seja, assim vamos na detecção de problemas ligados ao uso adequado da propriedade imóvel, ao meio ambiente, à circulação de pessoas e transporte de bens, à geração de infra-estrutura básica de saneamento (água e esgoto), ao acúmulo de lixo e seu tratamento etc.
A ocupação exacerbada dos limites territoriais urbanos é uma das causas geradoras dessas desigualdades extravagantes, atentatórias contra a própria Constituição Federal, mas não podemos esquecer que isso ocorre por ausência do enfrentamento direto do crescimento demográfico e da adoção de medidas capazes de fixação dos pessoas no campo, ou em cidades mais próxima às origens e que devem ser desenvolvidas paulatinamente.
Essas facetas da concentração de seres humanos, se bem que não antiga, avolumam-se em proporções jamais vistas na história, tanto que ninguém ignora a formação de toda uma estrutura jurídica de proteção a esses interesses generalizados, catalogados como “interesses metaindividuais” (difusos, coletivos e individuais homogêneos) 1 . E dentre estes inserem-se os decorrentes das relações urbanas, pontuados pelos variados efeitos em massa, diversos daqueles limitados à relação privada entre pessoas, v.g., o direito de vizinhança restrito aos proprietários de um certo imóvel.
Parece-nos que a análise da demografia pela ciência do direito reclama uma visão mais ampla e afastada da idéia de funcionalidade limitada para o cientista do direito, que a vê apenas como técnicas da planificação urbanística e das construções, sem conseqüências maiores, ou graves, para os poderes estatais e toda a aplicação de outras manifestações jurídicas.
Demografia é conceituada como o “estudo estatístico da população no que se refere a nascimento, falecimento, emigração etc”. 2
É também designada como geografia da população, “primeira aproximação dos fenômenos urbanos, econômicos, etc., constituindo, nesse sentido, o primeiro capítulo dos tratados de geografia humana” 3, não podendo ser desprezados os fenômenos histórico e ideológico das teorias sobre a população no século XX, de Malthus e Marx, como dados que ofertam o traço social desta parte da ciência geográfica (a demografia).
Objetivamos no presente texto, contudo, identificar o “crescimento demográfico controlado” como um dos princípios informadores da política urbana na Carta Constitucional de 1988, merecendo este, pela posição que ocupa na lei maior, o acurado cuidado dos operadores do direito para facilitar a melhora da aplicação de outros princípios e regras que norteiam o direito urbanístico.

2. O conceito de Direito Urbanístico.

Dentre os muitos autores que conceituam o direito urbanístico, podemos citar José Afonso da Silva, que preleciona ser “conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público destinada a ordenar os espaços habitáveis, o que significa dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística” 4.
Verifica-se aí, no conceito, a existência da ingerência estatal na vida privada, em especial sobre a propriedade imóvel que se sujeita aos planos urbanísticos previamente traçados pela Administração. Em outras palavras, o direito urbanístico parece ter escora na apreciação exclusiva dos limites impostos à propriedade por força do direito administrativo. E este, por sua vez, busca seus fundamentos e limites na constituição federal, ou na lei, para não agredir a garantia constitucional conferida ao direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, CF).
O conteúdo conceitual não espanca a matéria na mediada em que a limitação do quase absoluto direito de usar, gozar e dispor dos bens (art.524 do C.C.B) é tão somente um elemento imediato da necessidade ordenadora do bem comum, ou seja, alvo primeiro do Estado para conseguirmos alcançar uma sociedade justa e solidária, voltada à “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, incisos I e III). Constata-se a realidade da assertiva, como anota Pedro de Milanelo Piovezane, na existência de trabalhos que evidenciam a estreiteza entre urbanismo e ecologia, citando este autor, também, a opinião de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem o Direito Urbanístico é “o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços habitáveis” 5.
Outra não é a razão da construção de variados conceitos de Direito Urbanístico ligados à interligação de conceitos próprios de outros ramos do direito, v.g., a sociologia, a economia, antropologia, geografia, demografia, história etc.
É preciso, por isso, distinguir a urbanística 6, ou o urbanismo, do direito urbanístico. O primeiro consiste na ciência e na técnica de ordenar os espaços habitáveis, visando o bem estar geral, como aponta Louis Jacquignon, citado por Regina Helena Costa 7, enquanto o segundo está ligado ao conjunto de normas jurídicas endereçadas aos operadores da urbanística.
O reconhecimento da existência de interesses metaindividuais, por sua vez, não pode deixar de influenciar na formatação do conceito de direito urbanístico, já que a finalidade da regulamentação jurídica urbana está contextuada no “bem-estar” coletivo, ou social 8. O juízo do que venha a ser este traz uma grande elasticidade e, embora reconhecido pela constituição federal de 1988, não é limitado senão pelas garantias individuais do artigo 5º, dentre as quais o direito de propriedade exercido nos termos das exigências da comunidade.
Como bem apontou Victor Carvalho Pinto, o Direito Urbanístico é um fator influenciador do meio ambiente e “define os responsáveis pela criação do ambiente construído e as condições em que poderão operar” 9.
Em termos de correlação entre a vida na cidade e o meio ambiente, até como curiosidade, lembramos o surgimento da problemática do lixo urbano no final dos anos 80, geradora da “arqueologia do lixo urbano”, também conhecida como “lixologia”. A ocupação quase completa dos aterros sanitários nos Estados Unidos exigiu de suas autoridades a aplicação de um projeto de identificação dos materiais de menor decomposição, responsáveis pela acumulação. A tal ponto foi galgado esse exame que, a partir de 1987, foi permitido aos arqueólogos relacionar o peso do lixo total (diversificado) e lixo plástico colhido em determinado território para efetuar recenseamentos. Foram identificados como vilões os restos de materiais de construção e papéis, reclamando das indústrias a adoção inicial de processos de reciclagem de materiais e a “redução na fonte” (mecanismos de industrialização de embalagens mais leves e criação de bens sujeitos ao uso do refil). Da população cobrou-se maior participação na organização e seleção do lixo pois, quão grande o avanço tecnológico, maior o consumo desenfreado e, em seguida, os detritos urbanos. Nesse contexto, imaginemos, o que não é muito difícil, a situação gerada pelo acúmulo de lixo nas cidades (o mais variado possível), entupindo bueiros, contaminado rios, córregos, o ar, obstruindo os acessos e vias etc…Os danos de ordem ambiental e à saúde seriam notados sem muita dificuldade, sendo certo que uma das causa é a existência de áreas com alta densidade demográfica 10.
Em nossa opinião, portanto, o Direito Urbanístico é o conjunto de princípios e regras constitucionais e legais voltado ao equilíbrio e ordenação do território urbano pela limitação de certos direitos dos particulares pela Administração, dentre os quais o de propriedade e implantação de medidas estruturais para o controle demográfico e ambiental, com o objetivo de atender ao bem-social e aos interesses metaindividuais, desenhados pelo ordenamento jurídico contemporâneo.

3. Princípio da Função Social da Propriedade.

Distante da noção etimológica, “Princípio jurídico é o enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”11.
O Direito Urbanístico apresenta, na opinião de Regina Helena Costa, quatro princípios constitucionais básicos, assim enumerados 12:
a) a função social da propriedade (ponto de partida do direito urbanístico) – arts. 5º, XXII, XXIII, XXVI; 170, III; 182, “caput” e § 2º; 184, “caput”, 185, parágrafo único e 186);
b) princípio da subsidiariedade (art.173, CF), “pelo qual confere preferência aos particulares na implementação do planejamento urbanístico, desde que estes possam fazê-lo de maneira adequada e suficiente;
c) princípio de que o urbanismo é função pública (implícito no texto constitucional – arts. 21, IX, XX, XXI; 23, IV; 25, §3º; 30, VIII; 43; 216, “caput” e §§ 1º e 5º)
d) princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanificação (art.5º, XXIV e 145, inciso III, CF e art.4º do Dec-lei n. 3.365/41). Exemplo: desapropriação por zona (necessária para a execução de uma obra) ou para revenda (em virtude de uma previsível valorização de área contígua à expropriação ocorrida de outra área).
O princípio mais importante, que acaba refletindo na enumeração dos demais, é o da função social da propriedade.
Na ordem liberal a propriedade era considerada um bem cuja destinação ficava ao alvedrio do seu detentor, sem maiores ingerências do Estado na sua destinação, fato que acabou constituindo-se em notável facilitação aos latifúndios e desigualdades sociais, primeiro no campo e, mais adiante, nas cidades. Um leve olhar na imprensa escrita e televisiva atuais não faz a mente deixar de refletir sobre a criação de enormes massas de pessoas e trabalhadores do campo, organizados sob o emblema do “Grupo dos Sem Terra”, invadindo fazendas e terras, quando não tomando de assalto prédios públicos e outros bens de uso comum (praças, avenidas, logradouros etc).
A função social da propriedade é uma forma de compreender a utilização dos bens em razão dos reclamos e necessidades das pessoas inseridas no contexto da sociedade, além de representar uma maneira de organizar e adequar o capitalismo para frutificar em benefício de todos. Poderíamos atestar que traduz a socialização do capital, cujo maior representante é a propriedade privada, contrapondo-se à plena autonomia da vontade do direito civil clássico.
Como já referido anteriormente, a propriedade privada é regra no nosso ordenamento jurídico e jamais poderá vir a sofrer seu total aprisionamento, ainda que para atendimento do bem social. Contudo, já não é de agora, que a propriedade vai cedendo espaço à satisfação de interesses outros que representam geração de riquezas no regime capitalista, equilíbrio social pela preservação de trabalhos, v.g., o direito de renovação conferido ao locatário de imóvel destinado à exploração de fundo de comércio, a desapropriação, regras específicas para loteamentos urbanos, edificações, etc.
A Constituição Federal de 1988, entretanto, gizou tratamento especial para a questão urbana (Capítulo II do Título VII) e fincou de maneira dispersa muitos outros dispositivos que informa a necessidade dos legisladores Federal, Estadual e Municipal ordenarem a vida nos centros urbanos para garantir o bem-estar de seus habitantes, mediante políticas sociais e econômicas de proteção à saúde e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para todos (art.182 c.c. os arts. 193, 196 e 225).
Salta do ordenamento jurídico constitucional a possibilidade da União baixar normas gerais e de diretrizes para o desenvolvimento urbano no território brasileiro, o que está de acordo com a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais.
Assim é o texto da Carta Magna:
Art. 21. Compete à União:
IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
XX- instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
(sem grifos no original)
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
(sem grifos no original)
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
(sem grifos no original)
O plano nacional e regional de ordenação do território não é fixo e pode, como até deve, exteriorizar a possibilidade de alternâncias diante do contexto social, pois, como ensina Alaôr Caffé Alves, “envolve a necessidade de contínua escolha e coordenação das atividades e dos elementos que formam seu próprio conteúdo”13 e isso em face da flutuação operada pelos avanços tecnológicos, históricos e especialmente demográficos, que marcam a vida dos centros urbanos. E nada modelaria melhor o plano diretor urbano do que as considerações demográficas do território nacional, incluindo-se mecanismos de controle da imigração, migração e natalidade, emergindo textualmente na norma jurídica infraconstitucional, desde que respeitadas garantias individuais outras previstas na constituição, para contribuir eficazmente com o direito urbanístico.
Essa atividade reclamada da União que talvez nunca tenha sido tão emergente, reporta-se às expressões de significado amplo: “planos nacionais e regionais de ordenação do território” e “desenvolvimento econômico e social”, os quais, em nossa opinião, não traduzem outra coisa senão a existência de um outro princípio urbano, de natureza implícita na Magna Carta, que preferimos identificar como princípio do crescimento demográfico controlado.
Na interpretação da constituição, quer nos parecer, seria despropositado deixar de considerar o fator demográfico dentre os vetores para o adequado desenvolvimento nacional e regional, inclusive, sob o aspecto de preservação do próprio princípio da função social da propriedade.

4. A Pressão do Crescimento Demográfico na Ordem Jurídica.

Apagar da memória as conseqüências históricas colhidas pela superpopulação de muitos países é refugiar-se no risco desmedido da ignorância científica de civilizações passadas, um contra-senso comportamental contra os avanços de nossa sociedade, porquanto estaríamos diante dos problemas nascidos de nossa própria ciência sem que pudéssemos solucioná-los com muitos dos aprendizados de outras gerações.
Jérôme Carcopino, historiador e arqueólogo, ao descrever com ricos detalhes a estrutura da cidade de Roma, na era de Trajano, indica como mola propulsora das grandes obras do Imperador a enorme aglomeração de gente. E descreve a existência, já no século II, de uma população que oscilava entre 1.165.050 e 1.167.672 de habitantes, alojados em 46.602 imóveis, causando malefícios à estrutura urbana e culminando no seu total desmoronamento 14
Jacques Le Goff aponta a explosão demográfica como uma das causadoras do sistema feudal, no século XIV 15 e, ainda, Marc Ferro arremata dizendo : “O boom demográfico também desempenhou um papel, uma vez que o crescimento da população castelhana nos séculos XV e XVI ajudou o movimento de emigração, tal qual ocorreu na Mazúria e na Rússia. Ademais, sabe-se que a vitória fácil dos holandeses contra os portugueses, no século XVII, explica-se parcialmente pelo fato de que dispunham de um excedente de população, pois podiam mobilizar não só seus concidadãos, como também parte da população alemã” 16.
Verifica-se que o excedente de população acaba gerando um estado insustentável da vida equilibrada nas cidades, levando a população local à submissão de condições de vida subumanas, sob diversos aspectos (moradia, ambiente, saúde, segurança etc), ou fazendo com que ocorra o fenômeno da emigração. Olhando, inversamente, a população sob o aspecto do respeito à dignidade humana, não é aceitável compartilhar da idéia de fazê-la subordinada a esse regime de vida para servir de material estratégico bélico.
Alerta, por sua vez, Yves Lacoste sobre as contradições do crescimento urbano como fato característico dos países subdesenvolvidos 17.
Feito o presente apanhado das conseqüências do crescimento demográfico desenfreado, ou sem obedecer uma adequação por parte do Estado, direta ou indireta, ganha relevo a inserção de regras jurídicas específicas e explícitas no plano geral de metas e diretrizes para o desenvolvimento urbano, pois a Constituição Federal traz no seu bojo e sistematização essa possibilidade. Do contrário, não teria regulado a política urbana de forma disseminada em títulos e capítulos diferentes.
Nada valerá o arcabouço constitucional explícito acerca da “função social da propriedade” diante da inobservância do “crescimento demográfico controlado” pelo Estado porque, na proporção que cresce a população nos centros urbanos, maiores são os reclamos pela aplicação da propriedade privada em benefício da coletividade. E assim vai-se num crescendo que, diretamente, a Administração acaba por reprimir a existência da garantia constitucional declinada no artigo 5º, inciso XX, ou, via oblíqua, insufla as massas para o desrespeito ao sistema jurídico de proteção do trabalho e da propriedade, deixando de prestar as adequações territoriais pertinentes, como habitação às populações carentes, saneamento básico adequado, transportes urbanos, vida ambiental satisfatória e segurança.
Noutras palavras, o crescimento demográfico nas cidades implica em maior exigência da função social da propriedade pelo Estado e, inversamente, na limitação acentuada do próprio direito dela.

5. Conclusão.

Em que pese a visualização, por nós, do “princípio do controle demográfico controlado” em sede do direito urbanístico, bem é verdade que podemos detectar nos artigos 150, inciso V (vedação de instituição de tributo de passagem), e 226, § 7º (planejamento familiar estritamente privado), da Constituição Federal, aparentes problemas para a aplicação efetiva de alguns dos seus mecanismos mais eficazes. Contudo, nada impede a União de incentivar a fixação de habitantes em determinadas regiões e territórios nacionais, ou de propiciar recursos educacionais e científicos para a coletividade no planejamento familiar (atendendo aqui o princípio da subsidiariedade das regras jurídicas em matéria urbana).
Acatada, por fim, a existência do princípio aventado, caberá ao cientista do direito laborar cuidadosamente na construção das normas jurídicas de contenção do crescimento demográfico, tarefa não fácil mas, certamente, proveitosa para atender o escopo constitucional da erradicação da pobreza e integração social dos setores desfavorecidos, deixando salvaguardada, inclusive, a função social da propriedade.

NOTAS

1. Marco Antônio Marcondes Pereira, “Transação no Curso da Ação Civil Pública”, Revista de Direito do Consumidor, nº 16, Ed. RT, SP, 1995, p.116/118 : “Os interesses coletivos cada vez mais afloram e se apresentam em contraste com os interesses individuais, crescendo no seio dos grupos sociais a vontade, cada vez maior, de abandonar o liberalismo exagerado que preserva o egoísmo e escraviza o futuro, mas não deixando de lado o cuidado de não sufocar a livre iniciativa em detrimento de um Estado totalmente poderoso e absolutista. Pode-se dizer que a sociedade busca um meio termo, se é que assim podemos designar, um “Estado-Moderado”, ou seja, aquele que preserve a livre iniciativa, valorize o desenvolvimento econômico e que, ao mesmo tempo, atue eficazmente em defesa dos “novos direitos da pessoa humana”, tidos estes como o direito ao meio ambiente sadio, o direito ao trabalho, os direitos do consumidor, o direito de participação e o direito ao desenvolvimento . Importante anotar que a expressão “novos direitos da pessoa humana” mais reflete uma nova forma de observar o mundo do que a idéia de que seja algo novo e nunca antes existente. Na realidade, o que se quer realçar é a preocupação da sociedade com determinados fatos que antes não inspiravam muita atenção, pois sobretudo o direito ao ambiente sadio sempre foi algo intuitivo do próprio ser humano mas, só agora tarde, é alvo de meditação. Esse o espírito da moderna sociedade, tanto que a Constituição Federal de 1988 estampa no art.1º que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político; no art.170 declara como princípios gerais da atividade econômica a defesa do consumidor e do meio ambiente; e no Título VIII regulamenta a ordem social, dedicando especial tratamento à saúde, educação e meio ambiente. E para a contínua luta em benefício desses “novos direitos”, alçados à esfera constitucional, o Estado tem o dever de legislar de forma a ir de encontro a eles, mas acima de tudo é primordial que as mentes dos aplicadores do direito se abram à nova realidade e investiguem novas formas de aplicar conceitos jurídicos já existentes diante os novos contornos do mundo moderno. Se preciso, reformulando-os ou alargando-os e dando-lhes novos limites para não distoarem da defesa dos interesses coletivos e nova ordem jurídica, posto que a esta compete prevenir e dirimir conflitos de interesses dos integrantes da sociedade . Com a identificação de necessidades até então despercebidas, a ordem jurídica atual não se volta mais apenas à composição dos atritamentos individuais, oriundos das relações entre pessoas singularmente consideradas e um objeto para satisfação das necessidades de cada um deles. A pretensão de alguém, ou seja, a exigência da subordinação de um interesse de outrem ao próprio, e a conseqüente resistência por parte daquele, caracterizando a lide individual, não deixou de ter a atenção da sociedade e do Estado, todavia, ganhou terreno a proteção dos interesses da coletividade como um todo, o que segue de encontro à rápida distribuição da justiça, como já apontado por VITTORIO DENTI: ‘a solução dos conflitos na dimensão molecular, como demandas coletivas, além de permitir o acesso mais fácil à Justiça, pelo seu barateamento, e quebra de barreiras sócio-culturais, evitará a banalização pela técnica da fragmentação e conferirá peso político mais adequado às ações destinadas à solução desses conflitos coletivos’ .”
2. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Editora Britânica do Brasil.
3. Amélia Damiani, População e Geografia, SP, Editora Contexto, 1996, p. 10.
4. Direito Urbanístico Brasileiro, RT, SP, 1981, p.21.
5. Elementos de Direito Urbanístico, RT, SP, 1981, p. 54.
6. Márcia Walquíria Batista dos Santos, Direito de Propriedade e do Direito de Construir. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política nº 8, SP, p. 93/100 : “A Urbanística, por seu turno, não é, de fato, somente a soma dos monumentos e das casas (produto arquitetônico), mas é a visão bisonha da vida da comunidade, que não é feita somente de construções, mas também, de implantação de espaços úteis, de conceitos organicamente harmônicos, coadunando-se com as exigências dos particulares, em concordância com a comunidade inteira” .
7. Princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988, Revista de Direito – FMU, SP, 1990, p.66.
8. Antônio Bezerra Baltar, Introdução ao Planejamento Urbano, Recife, 1947, p.136.
9. Victor Carvalho Pinto, Direito Urbanístico e Ordenamento Territorial, artigo colocado à disposição no Curso de Especialização em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Paulista do Ministério Público, em 09/06/98.
10. W.L. Rathje, Livro Ciência e Futuro – Enciclopédia Britânica do Brasil, 1997, p. 158/175.
11. Roque Carraza, Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária, RT, SP, 1991, p.25.
12. Princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988, Revista de Direito – FMU, SP, 1990, p.66.
13. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal, Ed. José Buhastsky, SP, 1981, p.60.
14. A Vida Cotidiana em Roma, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, p. 15/35.
15. O Apogeu da Cidade Medieval, Ed. Martins Fontes, SP, 1992, p. 232/235.
16. História das Colonizações, Ed. Swarcz, SP., 1996, p.25/26.
17. Geografia do Desenvolvimento

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MARCO ANTÔNIO MARCONDES PEREIRA É PROMOTOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO

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