Se alguém chegasse de outro planeta e visse os pais dando palmadas nos filhos, assim como professores usando a palmatória, aquela “peneira” de madeira de cinco furos feita para castigar crianças nas escolas do passado, certamente consideraria isso como agressões físicas. No entanto, certa maneira de ver a educação julga que os pais têm o direito de decidir onde a criança vai morar e estudar, o que ela vai comer e quando vai brincar, trabalhar ou dormir, e de impor essas decisões até mesmo pela força. E já que eles são os responsáveis pelo bem estar físico e psicológico dos filhos, têm o dever de decidir corretamente. Como parte-se da suposição de que eles sabem o que deve ser feito, as crianças acabam sendo vistas como uma espécie de extensão dos pais.
Dificilmente a maioria dos pais estaria perfeita no desempenho dos papéis exigidos por este figurino. Muitas vezes os pais não têm condições, não sabem como, ou simplesmente não querem se responsabilizar pelo bem estar físico e mental dos filhos. Mas, já que estão investidos desta autoridade de tudo saber a respeito do que é bom para os filhos, quando batem neles, podem muito bem dizer, e até acreditar, que não os estão agredindo, mas os estão “educando”… E aí, a relação pais e filhos pode virar um inferno.
Pais e mães aparecem em uma pesquisa feitas no Serviços de Advocacia das Crianças (atualmente CERCA) como sendo os principais agressores dentro de casa. Eles foram os perpetradores de 68% dos casos de violências contra meninas e de 66% dos casos contra meninos. As violências mais comuns são espancamentos e penetração de instrumentos, como facas, com ou sem imobilização da vítima. Grande parte dessas violências, 75%, ocorre simultaneamente com as negligências, que representam a segunda maior incidência de violências cometidas contra crianças e adolescentes dentro de casa *.
Temos os seguintes dados sobre este tipo de violência:
– Contra meninas, a mãe é a principal agressora em 35% dos casos e o pai em 29%.
– Contra meninos, o pai é o principal em 32% dos casos e a mãe em 29%.
– 57% das meninas e 60% dos meninos que sofreram violência doméstica tinham entre zero e 12 anos.
Cada vez mais, a pedagogia e a psicologia se esforçam para encontrar meios que ajudem a transformar a convivência dos pais com as crianças em algo mais positivo e enriquecedor, além de agradável, sem esquecer que a função dos pais é também mostrar à criança como viver em sociedade e impor limites. Se a pedagogia moderna inclina-se a uma posição contrária ao castigo físico, seja ele uma palmada ou o espancamento, isso não quer dizer que os pais ou os responsáveis pela criança deverão deixá-la absolutamente livre para fazer tudo o que quiser.
O problema é que o emprego de outros meios educacionais exige que os pais vejam a criança como um ser humano integral, com vontades e opiniões que merecem ser respeitadas, mas também com inseguranças, medos, preguiças e maus-humores. E que aprendam a lidar também com suas próprias inseguranças. Quando a criança ou o adolescente vêem negadas as oportunidades de “negociar” a aceitação de seus gostos e suas vontades através de uma forma brutal de imposição da vontade dos pais, estabelece-se uma relação familiar que impede o desenvolvimento dessa capacidade essencial para a vida social, gerando posteriormente a submissão intensa ou a rebeldia. Você daria a alguém o “direito” de bater nos seus filhos? Você acha que possui esse “direito”? Você pode analisar melhor este assunto lendo sobre como educar uma criança que não quer obedecer sem uns safanões.
*Dados retirados do livro: Violentados, crianças, adolescentes e justiça de Edson Passetti. Ed. Imaginágio, 1995, São Paulo. Os dados foram recolhidos em pesquisa nos arquivos do Serviço de Advocacia da Criança em 1988 e 1992. O autor ressalta que, apesar da promulgação do ECA em 1990, a incidência de violências manteve-se a mesma nos dois anos pesquisados.