Autor: Dr. Marcus Vinícius Guimarães de Souza*
INTRODUÇÃO
Ocupa-se a presente monografia sobre o Direito Constitucional, porto que, vazada em linguagem expositiva, procura desenvolver um texto dissertativo a respeito de cinco assuntos da mais alta importância acadêmica, quais sejam, a Constituição e as Normas Constitucionais; o controle de Constitucionalidade dos Atos Normativos; os Direitos Constitucionais Fundamentais; os Instrumentos de Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais; e, finalmente, a Organização dos Poderes.
A estrutura formal da obra obedece rigorosamente aos comandos normativo das questões impostas pelo regente didático da disciplina, em nível seqüencial, a partir dos quais se desenvolvem os pensamentos e doutrinas vinculados aos diversos temas em análise.
É certo que não se cogita de esgotar o assunto, mas, dentro das limitações do discente-autor, propor uma exposição do problema através de um código lingüístico o mais distenso possível e, dessa forma, mais acessível à clientela acadêmica.
1. Disserte sobre a Constituição e as Normas Constitucionais
A Constituição moderna pode ser definida como “… a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político”. A partir da ótica moderna, a Constituição, passou a significar a construção pelo homem de um projeto racional de organização social, ou melhor, a condensação das idéias básicas deste projeto racional em um pacto fundador. Neste pacto, enquanto ordenação sistemática e racional da comunidade, se garantiram os direitos fundamentais e se organizou, de acordo com o princípio da divisão dos poderes, o poder político.
Estabelecido que o próprio homem poderia e deveria pensar e estabelecer as condições de sua existência, a organização social não poderia mais ser fundamentada no Poder Divino. Desta forma, em um contexto de secularização do poder político, surgiram as teorias do poder constituinte, poder este que substitui Deus pela Nação na justificativa dos fundamentos (legitimação) da Constituição. Como base fundamental desta nova concepção de Constituição, estava a necessidade de limitar a autoridade governante, o que se deu de duas formas básicas: pela separação dos poderes e pela declaração de direitos fundamentais.
A Constituição seria “a própria estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem necessária que deriva da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem”.
A noção de Constituição como corpo de leis reunidas em um documento escrito, com autoridade superior às leis ordinárias apenas se deu a partir do final do século XVIII, como resultado do movimento constitucionalista. O Estado moderno apenas se consolidou através das lutas dos monarcas contra a autoridade do Papa e da aristocracia feudal, no período em que o poder absoluto tinha justificação divina. “O constitucionalismo veio a ser, então, o movimento ideológico e político para destruir o absolutismo monárquico e estabelecer normas jurídicas racionais, obrigatórias para governantes e governados”. O direito, assim, passou a encontrar a sua força legitimadora na Razão humana, esta encamada na forma semântica da lei pública geral e abstrata, da qual a constituição constitui o núcleo legitimador fundante.
Com base nas informações até aqui apresentadas, podemos caracterizar o constitucionalismo moderno. Como já vimos, o desenvolvimento deste está ligado ao surgimento de um documento (Constituição) voltado para a racionalização do Estado e para a despersonalização do poder. Nessa perspectiva, o constitucionalismo supõe:
a) uma Constituição normalmente escrita, de forma a ser certa, definitiva e acessível, de modo que todos possam exercer seus direitos e sua dignidade humana;
b) uma Constituição rígida, protegida contra as arbitrariedades do poder, ou seja, cujos procedimentos de reforma sejam especiais e dificultados;
c) uma parte da Constituição dedicada a transcrição de direitos fundamentais básicos de qualquer cidadão contra o arbítrio do Estado;
Com respeito às normas constitucionais é importante definir-mos a sua importância dentro do ordenamento jurídico, principalmente a sua superioridade em relação às demais normas. A supremacia da norma se faz para que tenhamos segurança e estabilidade no seio da sociedade, mediante esta superioridade e imutabilidade.
Assim torna-se necessário o chamado controle de constitucionalidade, que é a principal função dos órgãos jurisdicionais. O controle da constitucionalidade surge para impedir a subsistência da eficácia da norma contrária à Constituição, pressupondo, necessariamente, a idéia de supremacia constitucional, pois na existência de uma seqüência normativa, onde é a Constituição a norma-origem, encontra o legislador seu limite, devendo obedecer à forma prevista e ao conteúdo anteposto. Por isso, ato normativo contrário ao texto constitucional será considerado presumidamente constitucional até que por meio de mecanismos previstos constitucionalmente se declare sua inconstitucionalidade e, conseqüentemente, a retirada de sua eficácia, ou executoriedade.
Diante dessa superioridade da norma constitucional, ou ainda, da sua rigidez, surge a problemática de reforma emenda ou revisão, porque a norma precisa atender aos anseios da sociedade, acompanhar os desenvolvimentos sociais, pois do contrário perderia sua essência. Entretanto tais modificações devem seguir certas formalidades que a própria constituição prevê.
Dai decorrem do princípio da supremacia constitucional a reforma e o controle da constitucionalidade. É possível deduzir que a norma constitucional será eficaz, semanticamente, se tiver condição de fato de atuar, por ser adequada à realidade social e aos valores positivos, sendo por isso obedecida. Observa-se aqui a íntima ligação com a obediência. A incidência da norma constitucional sobre a realidade fático-social e os valores objetivos, ou positivos, está relacionada com sua aplicabilidade, isto com sua aptidão para reger determinadas situações previstas no discurso normativo, tão logo elas ocorram.
É possível dizer sem haver repetição que a eficácia consiste no fato real da aplicação da norma, sendo de caráter experimental. Uma vez que depende do cumprimento por parte de uma sociedade.
Ainda de acordo com a semântica, a norma constitucional eficaz seria a de fato obedecida, por ser aplicada concretamente, visto ser adequada à realidade social e aos valores positivos. Por outras palavras considerar-se-á eficaz o preceito constitucional que encontrar na vida-social e nos valores objetivos as condições de sua obediência sendo efetivamente aplicada, ou observada, pelos órgãos com competência normativa. Requisito essencial da eficácia social seria, portanto, a efetividade da aplicação jurídica, pois somente se verificaria na hipótese da norma, com potencialidade para regular cenas relações, ser de fato aplicada a casos concretos.
2. Controle de Constitucionalidade dos Atos Normativos
Serão ressaltados aqui alguns aspectos do sistema de controle da constitucionalidade das leis brasileiras.
Após o estudo pormenorizado do sistema de controle de constitucionalidade dos atos normativos vigentes no Brasil, conclui-se que ele não é perfeito, mas possuem algumas características que o diferenciam de todos os demais sistemas adotados no mundo ocidental. E, sem dúvida, um sistema híbrido, que combina, com relativa eficiência, as características do “judicial review” norte-americano e do controle concentrado europeu.
Destaca-se também, a ampliação da legitimação ativa para a proposição da ação direta de inconstitucionalidade, que embora tímida, representa nítida opção no caminho da democratização do procedimento.
Deve ser ressaltado também o controle preventivo, que em nosso país, concilia com excelência os interesses governamentais (opção pelo veto ao projeto), com as necessidades da população (possibilidade de derrubada do veto pela maioria absoluta do Congresso). Dizemos isso porque dificilmente o Chefe do Executivo conseguirá barrar, com veto desarrazoado, um projeto de relevante interesse para a sociedade, a não ser que conte com um Parlamento submisso. E isso, quando ocorre, não é por permissividade do sistema legal, mas pela falta de cultura e educação de nosso povo, que continua elegendo mal seus representantes.
Não se toma por base os argumentos daqueles que pretendem dosar os efeitos das declarações de inconstitucionalidades (conferindo, em certos casos, efeitos “ex nunc” a decisão), a fim de assegurar maior segurança jurídica à sociedade, pois, repita-se, não há maior insegurança jurídica do que a simples cogitação de que a Carta possa ser descumprida. Se não podemos confiar na sua supremacia, em que confiaremos afinal?! Assim, segue-se na convicção de que o efeito “ex tunc” da declaração de inconstitucionalidade espelha melhor os anseios da sociedade, assegurando a intocabilidade dos direitos e liberdades individuais.
É importante expor o pensamento de Konrad Hesse, que disse que sejam quais forem os objetivos conjunturais, ainda na hipótese de que efetivamente possam ser alcançados, são incapazes de compensar o ganho incalculável que acarretaria o respeito à Constituição, mesmo quando esse respeito custe incômodo. E continua o jurista alemão, asseverando que deve ser respeitada a vontade da Constituição, mesmo quando vantagens lícitas tenham de ser sacrificadas.
As críticas restringem-se a apenas dois aspectos. O primeiro diz respeito à posição cautelosa do constituinte em não autorizar o STF a funcionar como legislador suplementar nas hipóteses de procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o que representa a quase ineficácia do procedimento, diante da inexistência de sanção para o não-observância da decisão por parte do Poder Legislativo.
Acredita-se que a instituição da ação declaratória de constitucionalidade, pela EC 03/93, re-inserindo em nosso sistema a avocatória, mesmo que de forma disfarçada, representou retrocesso na linha de democratização do sistema de controle de constitucionalidade, que vinha tendendo a privilegiar a defesa dos cidadãos. A novel ação, através de seu efeito vinculante, limita consideravelmente a amplitude do controle incidental, o mais precioso de todos – para nós ilimitável, por conferir ao cidadão o poder da tutela jurisdicional de seus interesses e um meio real e eficaz de defender a Constituição de seu país.
Se ao Supremo Tribunal Federal é atribuída a árdua tarefa de guardião da Lei Fundamental, a todos os demais integrantes da sociedade (entes estatais, pessoas jurídicas privadas, deputados, governantes, promotores, juizes, advogados e cidadãos em geral) é conferido o dever de respeitá-la e o poder para defende-la, na batalha prática do dia-a-dia.
3. Disserte sobre os Direitos Constitucionais Fundamentais
Em seu sentido amplo, cidadania constitui o fundamento da primordial finalidade do Estado democrático de direito, que é possibilitar aos indivíduos habitantes de um pais seu pleno desenvolvimento através do alcance de uma igual dignidade social e econômica.
O conceito amplo de cidadania está conectado e conjugado, porque encontra ai seus princípios básicos estruturantes, aos conceitos de democracia e de igualdade.
A cidadania, no Estado democrático de direito, efetivada, oferece aos cidadãos, como iguais condições, o gozo atual de direitos, todos assistidos das garantias que permitem a sua eficácia, e a obrigação do cumprimento de deveres, que, em síntese, podem ser assim apresentados: 1) todo o cidadão tem sua existência acompanhada do exercício de direitos fundamentais e do direito de participação, isto – de ser consultado para as tomadas de decisão nos assuntos que dizem respeito à direção da sociedade em que vive; 2) o exercício de todos os direitos fundamentais inerentes ao Estado democrático e do direito de participação é associado aos deveres de contribuir para o progresso social e de acatar e respeitar o resultado final obtido em cada consulta coletiva.
Por sua vez, os direitos fundamentais do homem, há pouco referidos, representam, na verdade, situações reconhecidas juridicamente sem as quais o homem é incapaz de alcançar sua própria realização e desenvolvimento plenamente. Resumindo-se no resultado da luta dos homens por um direito ideal, justo e humano, foram e vão sendo aperfeiçoados e estendidos ao longo do tempo. Quer dizer, a evolução dos direitos fundamentais acompanha a história da humanidade.
Assim considerados, sob a luz do entendimento da cooperação e da solidariedade entre os homens, os direitos fundamentais designam, portanto, direitos que se erguem constantemente diante do poder estatal, limitando a ação do Estado. Por isso, pode-se afirmar que os direitos fundamentais tem como fonte a vontade soberana de cada povo, quando transportada a questão para o âmbito interno de cada pais.
No entanto, há de se dizer que os mesmos não são estabelecidos pelas Constituições políticas, as quais apenas os certificam, declaram e garantem, já que sua realidade é relativamente anterior à formalização da existência do Estado, porquanto aqueles direitos encontram sustentação na vontade soberana do povo.
Expressando a unidade política de um povo frente a outros povos, o Estado, que é um simples instrumento a serviço da coletividade, tem, no respeitar mínimo, o dever de os direitos fundamentais erguidos pelos homens que integram a população de um país e, consequentemente, de proporcionar as condições para o seu exercício.
Os direitos fundamentais do homem estabelecem faculdades da pessoa humana que permitem sua breve classificação do seguinte modo: 1) os direitos de liberdade, como por exemplo, a liberdade de consciência, de propriedade, de manifestação do pensamento, de associação, etc; 2) os direitos de participação política, tais como a igualdade de sufrágio, o direito de voto e de elegibilidade, o direito de petição, entre outros, tais como os direitos de iniciativa popular, iniciativa de leis que cabe aos cidadãos (v.g., o 2º parágrafo do artigo 61 da Constituição República brasileira); 3) os direitos sociais, que abrangem os direitos de natureza econômica, como por exemplo, o direito ao trabalho, de assistência à saúde, à educação, etc; 4) os direitos chamados de quarta geração, por exemplo, o direito ao meio ambiente preservado (obviamente, ao mesmo corresponde a obrigação de preservação dos bens que a natureza do planeta concedeu aos homens) e à qualidade de vida.
Vale prosseguir, pretendendo completar, os direitos sociais são uma das dimensões que os direitos fundamentais do homem podem assumir. Seu objetivo é concretizar melhores condições de vida ao povo e aos trabalhadores demarcando Os princípios que viabilizarão a igualdade social e econômica, no que concerne à iguais oportunidades e efetivo exercício do direitos. A busca de seus fins, que se resumem na igualdade, considera as diferenças e erradica as carências que levam às largas distâncias entre Os homens, para normalizar situações e oferecer dignidade as condições de vida de todos, consoante a ética moral desenvolvida e aperfeiçoada por eles mesmos.
Contudo, é importante reparar que, embora boa parte dos direitos sociais, tais como à segurança, ao ambiente, ao trabalho, à saúde, à habitação, à assistência judiciária, à educação e outros, enumerem quase sempre, nas Constituições políticas, obrigações de o Estado fazer para a sua manifestação, existem direitos cujo destinatário obrigado, ou seja, a pessoa a quem compete a tarefa de assegurar o seu oferecimento e manutenção, é a generalidade dos cidadãos. É a situação que se pode observar no caso dos direitos relativos à criança, à adolescência, aos idosos, aos deficientes e à família, bem como à preservação do meio ambiente. Estes direitos sociais preceituam obrigações onde a sociedade, ao lado do Estado, é pessoa participante e responsável pela efetiva expressão dos mesmos. Por isso, merece maior atenção de todos e, para tanto, ampla divulgação através dos meios de comunicação, o conteúdo do conceito de direitos sociais e da responsabilidade que recai sobre todos nós.
4. Disserte sobre os Instrumentos de Defesa dos Direitos e
Garantias Fundamentais
Os direitos fundamentais acompanharam a dita “evolução” do Estado. Com o advento do Estado Liberal, foram reconhecidos os chamados direitos de Primeira Geração ou de Primeira Era, que constituem, primordialmente, num piano jurídico-objetivo, segundo J. J. Gomes Canotilho, em “normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual” e num piano jurídico-subjetivo “o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).”
Contudo, após a consolidação do Estado Social, a garantia dos direitos fundamentais, enquanto direitos de defesa contra intervenção do Estado, não se afigurou suficiente para assegurar o pleno exercício da liberdade. Assim, fortificam-se os chamados direitos de Segunda Geração ou Direitos Sociais ou de Segunda Era que se identificam, no dizer do Ministro Celso de Mello, em “liberdades positivas reais ou concretas”, ou seja, em direitos que clamam por uma atuação positiva do Estado e que se concretizam, não raras vezes, pela edição de atos legislativos.
Por fim, modernamente, protege-se constitucionalmente os direitos de Terceira Geração ou Terceira Era, que são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, não havendo vínculo jurídico ou fático muito preciso entre eles. Os também denominados direitos de solidariedade ou fraternidade “materializam poderes de titularidade coletiva atribuidos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”. Atualmente, com o advento de questões relativas a bio-ética e o desenvolvimento do bio-direito, autores começaram a discutir o que está sendo denominado de direitos de Quarta Geração.
Os direitos do consumidor encontram-se em nossa Constituição Federal no art. 5º, XXXII, enquadrados, primordialmente, dentre os direitos de Terceira Geração. Contudo, é necessário que sua defesa se efetive e, para tanto, a nossa Carta Magna consagrou, em seu art. 127 e 129, III, a legitimidade para que o Ministério Público atue neste mister, agindo, destarte, como o próprio texto constitucional preceitua, na função jurisdicional do Estado.
Com efeito, observa-se uma espécie de imbricação entre a proteção das relações individuais autônomas e o intervencionismo estatal. Com o escopo de assegurar o interesse público, tenta-se atestar uma igualdade efetiva entre os desnivelados economicamente, evitando que aquele mais fraco na cadeia de consumo seja devorado pelos abusos dos poderosos. Dai a instrumentalização e a proteção surgirem, como referido anteriormente, por intermédio, dentre outras, da atuação do parquet.
Questiona-se, contudo, até que onde deve o Estado intervir nas relações entre particulares. Esta questão é o ponto nevrálgico que buscaremos desenvolver até a peroração desta análise.
O órgão do Ministerial, conforme o art. 129, III, CF, tem legitimidade para “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Portanto, o Estado delega ao parquet o dever-poder para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Todavia, a Constituição Federal não trata expressamente da legítimação do órgão ministerial para defesa dos interesses individuais homogêneos, conceituados, conforme podemos extrair do art. 81, Parágrafo único, III do CDC, como aqueles de grupos, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, ou seja, oriundos das mesmas circunstâncias de fato. Contudo, o art. 82, CDC e o art. 6º, XXII, LC n.0 75/93, prevê tal legitimidade.
É importante esclarecer que impera, nos dias de hoje, uma doutrina mais direcionada a uma justiça efetiva, social, deixando de lado a atávica visão privatística que medrou longos séculos, vindo a se incorporar em nosso vetusto Código Civil. Com efeito, o CDC buscou tornar real esses novos preceitos, reconhecendo, logo no seu art. 4º, a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo e, destarte, procurou estabelecer o equilíbrio necessário a qualquer harmonia econômica no relacionamento entre ele e o fornecedor, por meio de um maior intervencionismo.
O órgão do Ministério Público, como “defensor da sociedade”, desempenha esse papel primordial na defesa do interesses das partes mais fracas. A atuação do Ministério Público, conforme voto do Ministro Celso de Mello, visa a “adequar nosso ordenamento jurídico à tendência contemporânea de todo o Direito Constitucional universal, que é impedir, de todas as formas possíveis, o desrespeito sistemático às normas Constitucionais, que conduz à erosão da própria consciência constitucional?. Assim, não é escorreito ao Judiciário obstacular iniciativas do órgão Ministerial quando venha a buscar a defesa de interesses do consumidor, simplesmente pelo fato de serem entendidos “nitidamente privados”, sem análise de sua relevância social. Contudo, podemos questionar até que ponto o Estado, por intermédio do Ministério Público, deve defender esses interesses.
5. Disserte sobre a organização dos Poderes
Ao analisar as concepções sociológicas do Estado, torna-se necessário mencionar a teoria de que o Estado é uma “sociedade politicamente organizada”. O caráter político surge em função de ser a organização, ou a ordem, coerciva. Dai porque o Estado é uma organização por ser uma ordem que regula o usa da força, porque ela monopoliza o uso da força. Com isto, descreve-se o Estado como o poder por detrás do Direito, que o impõe. A existência de tal poder é a demonstração de eficácia do próprio Direito, na medida em que as condutas são conformadas aos ditames das normas jurídicas.
O poder individual, ainda sob a aná1ise, é manifestado pela capacidade de um indivíduo em induzir as condutas que lhe são desejadas de outros indivíduos. Mas para que tal poder seja revestido do caráter de social ou político, é necessário a estruturação dentro de uma ordem normativa regulando a conduta humana, que implica, conseqüentemente, numa autoridade e numa relação de superior e de inferior. O poder social, nessa linha, só é possível dentro da organização social. Logo, o poder do Estado é o poder organizado pelo Direito positivo – é o poder do Direito, ou seja a eficácia do mesmo. De modo que, ao se falar em poder do Estado, não se deve considerar apenas os instrumentos materiais de atuação (armas, prisões, etc.), posto que tais objetos são, repete-se, apenas instrumentos que servem para a concretização material dos comandos jurídicos. O que fenomenaliza o poder político é manifestado no fato de as normas que regulam o uso desses instrumentos se tornarem eficazes, por conseguinte, o poder político é a eficácia da ordem jurídica.
Conquanto se diga que a unidade do poder é característica essencial, tal qual a unidade dos outros elementos (povo e território), pensa-se, não obstante, que seja possível distinguir três diferentes poderes componentes do Estado: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. A unidade daqueles elementos (povo e território) resulta do poder do Estado, que nada mais é do que a validade e a eficácia da ordem jurídica. Assim, quando se fala dos três poderes do Estado, o poder é compreendido como função, sendo distinguidas três funções do Estado.
Em sua análise, Kelsen combateu juridicamente a separação tricotômica de poderes, com o rigor científico que lhe era peculiar, ao concluir que, em termos jurídicos, o sobredito princípio é a doutrina dos diferentes estágios da criação e da aplicação da ordem jurídica nacional, posto que repisa, come vimos, não há três, mas duas funções básicas do Estado: a criação e a aplicação do Direito. De sorte que, continua ele, é impossível atribuir a criação de Direito a um órgão e a sua aplicação (execução) a outro, de modo tão exclusivo que nenhum órgão venha a cumprir simultaneamente ambas as funções.
Reforça o ataque à separação de poderes, quando diz que este princípio, compreendido literalmente ou interpretado como um princípio de divisão de poderes, não é essencialmente democrático, uma vez que na idéia de democracia todo o poder deve estar concentrado no povo, e onde não é possível a democracia direta (inexistente nos Estados contemporâneos), todo o poder deve ser exercido por um órgão colegiado cujos membros serão eleitos pelo povo e juridicamente responsáveis perante ele, posto que é o órgão legislativo que tem o maior interesse em ver suas normas rigorosamente executadas. Portanto, arremata, a democracia exige que ao órgão legislativo seja dado controle sobre os órgãos administrativos e judiciários. Dai porque, segundo Kelsen, a revisão judicial da legislação é uma transgressão evidente deste princípio, que em muitas constituições é considerado como um elemento específico da democracia.
Essas conclusões acima expostas devem ser recebidas com algumas cautelas, sobretudo em face da pureza lógica do pensamento kelseniano, para quem no parlamento (o órgão colegiado supramencionado) estariam contidas as representações legítimas da sociedade, e qualquer mecanismo de controle externo, feito por órgãos distintos, seria uma afronta aos mandamentos da própria sociedade, expedidos através das decisões legislativas, ou das leis. Entretanto, a realidade dos fatos demonstra que nem sempre as decisões parlamentares tem levado em consideração a vontade da sociedade, pelo menos da maioria dos seus membros, inda mais quando atentam contra os dispositivos do texto constitucional, que, a~ serem feridos, espargem, sobre o tecido jurídico-social, nódoas indeléveis de maléficas conseqüências. Dessorte que, não vemos, como Kelsen, que o princípio da separação de poderes seja um atentado à democracia, pois se o for, então o próprio Estado também o é já que a este cabe a criação e ap1icação do Direito a ser imposto na comunidade.
Mas, não obstante esse rigoroso combate, Kelsen reconhece o significado mais notável deste princípio, levando em consideração a historicidade dele, que encontra-se precisamente no fato de que ele opera antes contra uma concentração que a favor de uma separação de poderes. Doutrina que, quando sistematizada, era fruto das idéias contrárias aos governos absolutistas, nos quais os indivíduos estavam escarmentados com as dolorosa experiências de um “homem só ser o próprio Estado”.
Enquanto corporação, o Estado distingue-se das demais em face do modo que é constituído, posto que ele é a comunidade criada por uma ordem jurídica nacional (distinguindo-se da internacional).
O Estado como pessoa jurídica é uma personificação dessa comunidade ou ordem jurídica que nacional que constitui essa comunidade.
O fundamento de validade dessa ordem jurídica é a norma fundamental, que materialmente representada pela constituição do Estado.
O Estado é inseparáve1 de sua ordem normativa, inexistindo o dualismo Direito e Estado, pois o Estado é a sua ordem jurídica.
Em sendo intangível e impessoal, o Estado age através de seus órgãos, que são titularizados por seres humanos. O órgão do Estado é um órgão do Direito. Orgão é todo aquele que cumpre uma função estatal a drentemente autorizada pelo Direito.
Os múltiplos órgãos do Estado, que cumprem funções parciais, têm como fim último fazer valer a atuação total do “organismo” único chamado Estado: criação e aplicação do Direito.
O poder do Estado é a capacidade de fazer eficaz a sua ordem jurídica. O poder é uma função do Estado, que é distribuída, geralmente, em três órgãos (poder legislativo, poder executivo e poder judiciário).
A tripartição dos poderes reside, em verdade, numa bipartição de funções: criar e executar o Direito. A função típica do poder legislativo é criar leis, ou seja, as normas jurídicas gerais. Essa função pode ser, positivamente, exercida pelos outros dois poderes, de maneira atípica e excepcional.
Os poderes executivo e judiciário têm a função típica de aplicar as leis, sendo que este só o fará quando instado por uma parte para dirimir uma controvérsia em um caso concreto. A função executiva (aplicadora) divide-se em função administrativa e judicial.
A separação de poderes ofende a Democracia, posto que todo o poder deveria residir no povo ou naqueles que formam um colegiado eleito e juridicamente responsável perante o povo.
CONCLUSÃO
Importa admitir, em nível conclusivo, que o entendimento profundo do Direito Constitucional representa sem qualquer dúvida, o mais importante instrumento para todos os que, de uma ou de outra forma, lidam com os afazeres jurídicos.
Seguindo essa linha de raciocínio, nenhum operador do Direito pode desempenhar proficientemente suas tarefas, se desmuniciado dos mínimos conhecimentos do Direito Constitucional, quando é sabido que o desconhecimento dos princípios constitucionais, por exemplo, impede ao jurisdicionado o acesso à prestação jurisdicional, na medida em que, muita vez, legislação infraconstitucional não consegue, nem de longe, exprimi-los.
Portanto, necessário se faz ver a constituição mais como um autêntico código, na acepção pura do termo, justo porque ela, mais do que qualquer outra lei, é dotada de imperatividade, esta vista como o caráter cogente e impositivo da norma legal, a todos imposta.