Suspensão condicional do processo : STJ reforma entendimento que ampliava os limites do instituto.

Lélio Braga Calhau

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE.
Mestrando em Direito pela Universidade Gama Filho (RJ).
Editor do site www.direitopenal.adv.br
Autor do livro Vítima e Direito Penal (Editora Mandamentos, BH, 2002).

A suspensão condicional do processo é um dos avançados institutos adotados pela Lei 9.099/95, que trouxe para o nosso país o modelo da Justiça Criminal Consensual. Diz o artigo 89, caput, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

A suspensão condicional do processo é uma exceção à rígida concepção do princípio da legalidade processual, já que adota o princípio da oportunidade regrada pela lei e condicionada a uma decisão judicial. Por razões de conveniência, o Estado pode renunciar à investigação, à instauração e ao julgamento de processos penais (01).

A aplicação do referido instituto possui algumas controvérsias jurídicas, mas a área de abrangência dos crimes que permitiam tal benefício não eram tão questionadas, até por conta da clareza do caput do artigo 89 da Lei 9.099/95.

Todavia, durante o julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 12.033 / MS, a Quinta Turma, Relator Ministro Félix Fischer, entendeu que a Lei 10.259/01 (Lei do Juizado Especial Federal) havia alterado não só o limite do conceito de infração de pequeno potencial ofensivo, como também o do instituto diverso que é a suspensão condicional do processo. Esse acórdão foi publicado no DJ de 09.09.02.

Tal decisão causou estranheza na doutrina. Para Fernando Ferreira Abreu, ao estender o limite da suspensão, que se repita, trata-se de norma de cunho geral apenas instituída por falta de técnica legislativa na Lei dos Juizados Especiais, restou por modificar comando geral através de lei especial cujo conteúdo apenas derrogou parte de norma também especial (art. 61 da Lei 9.099/95), de sorte que a ampliação empreendida não encontra ressonância nas regras de hermenêutica. Não fosse isso bastante, impende ressaltar que a norma do artigo 89 da Lei 9099/95 é excepcional, pois a regra é a existência do devido processo legal que somente cede espaço para a suspensão condicional do feito ante ao preenchimento dos requisitos expressamente previstos em lei, sendo, portanto, um beneplácito legal excepcionando a regra geral (02).

Em face de tal decisão, houve impetração de Embargos de Declaração por parte do Ministério Público Federal, alegando que houve contradição no julgado ao mesclar o conceito alterado de infração de pequeno potencial ofensivo – decorrente da Lei 10.259/01 – com o patamar mínimo para a suspensão do processo (artigo 89 da Lei 9099/95).

Em decisão publicada no DJ de 10.03.03, a Quinta Turma, por unanimidade, acolheu os embargos, dando-lhes, excepcionalmente, caráter infringente, para entendendo, nos termos do voto do Ministro Relator Félix Fischer, restabelecer o entendimento que a alteração do artigo 2o da Lei 10.259/01 não alcançou o patamar previsto para a suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9099/95), que permanece inalterado.

Segundo o Ministro Félix Fischer (relator), o novo patamar para concepção de infração de menor potencial lesivo, criado pela Lei 10.259/01, afeta o teor do disposto no art. 61 da Lei 9.099/95. Isto porque o mesmo delito não pode, eventualmente, ter tratamento com efeitos penais diversos conforme a competência, federal ou estadual. A novatio legis incide, por ser lex mitior, na restrição anterior da Lei 9.099/95. Todavia, e isto agora parece irrespondível, ela não alcançou o patamar previsto para o denominado sursis processual que, de lege lata, permanece inalterado (03).

Durante o julgamento, esclareceu o Ministro Jorge Scartezzini que a controvérsia se constituiu com a aplicação do patamar máximo previsto no art. 2º da Lei 10.259/01, no limite mínimo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95 para a concessão da suspensão do processo. Houve, efetivamente, equívoco no v. acórdão embargado. Na Lei 9.099/95, insere-se institutos de composição civil, transação penal, de representação nos delitos de lesões corporais e suspensão do processo, sendo este último, de natureza híbrida – penal e processual, cujo conteúdo abrange, não só os crimes abarcados pela Lei 9.099/95 ( aqui inseridos os de menor potencial ofensivo), como também, aqueles que se enquadram dentro dos patamares fixados no artigo 89, que o regula. Destarte, especificamente com relação a este último instituto, a Lei 10.259/01 quedou-se silente. Cuidou, tão-somente, dos crimes de menor potencial ofensivo e, somente nesta parte, derrogou a Lei 9.099/95 (04).

Ao nosso ver, agiu bem a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, pois houve confusão inicial na aplicação dos efeitos da Lei 10.259/01 em face de dois institutos totalmente diversos, tendo sido restaurada, então, a aplicação correta do artigo 89, caput, da Lei 9.099/95.

NOTAS DE FIM

(01) LIMA, Flávio Augusto Fontes de. Suspensão condicional do processo penal no direito brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 18.

(02) ABREU, Fernando Ferreira. A suspensão condicional do processo ante a Lei 10.259/01. Disponível na internet: http://www.direitopenal.adv.br, 01.08.03.

(03) STJ. Embargos declaratórios no RHC 12.003- MS. Voto do relator.

(04) STJ. Embargos declaratórios no RHC 12.003- MS. Voto-vista.

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