Renato Flávio Marcão
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Mestre em Direito Penal, Político e Econômico
Especialista em Direito Constitucional.
Professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal (Graduação e Pós)
Coordenador Cultural da Escola Superior
do Ministério Público do Estado de São Paulo
Sócio-fundador e Presidente da AREJ – Academia
Rio-pretense de Estudos Jurídicos, e ex-Coordenador
do Núcleo de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia.
Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP)
Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)
Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP)
Membro do Instituto de Estudos de Direito Penal e Processual Penal
Membro da Comissão Regional de Bioética e Biodireito da OAB –
São José do Rio Preto-SP
Autor do livro: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva, 2001)
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A questão do porte de arma; 3. Conclusão.
1. Introdução
É sabido que a lei penal, como de resto todas as leis, deve ser produto de intensa reflexão; verdadeira obra de inteligência.
Também não é novidade para os que se afinam com o Direito que as leis devem ser mutáveis, porém, para a garantia e segurança da sociedade e enquanto produto de inteligência devem ser feitas para durar, e para tanto, no processo de sua elaboração o legislador deve olhar para o passado, presente e futuro. É preciso que investigue no passado o foco de que irá cuidar; analise o presente e tenha os olhos voltados para uma perspectiva futura.
O contrário tem proporcionado o que estamos vivendo no presente, onde o Poder Legislativo proporciona o que já se convencionou chamar de inflação legislativa; não sem razão.
Pior que o volume de leis que são paridas a todo instante só a péssima qualidade das mesmas e o caos que geram, desestabilizando a sociedade, a segurança pública, a Justiça e o Direito.
2. A questão do porte de arma
O decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, entre nós conhecido como Lei das Contravenções Penais, dispôs em seu art. 19 sobre o porte ilegal de arma nos seguintes termos:
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente.
Delito anão, o porte ilegal de arma foi tratado como simples contravenção penal e no mais das vezes sempre acabava punido tão-somente com pena de multa, e com o advento da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a Lei dos Juizados Especiais Criminais, por força do disposto em seu art. 61, passou a ser considerado delito de menor potencial ofensivo.
Em 1997 o legislador houve por bem dar nova regulamentação ao porte ilegal de arma de fogo, e veio à tona a Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, e a partir de então portar ilegalmente arma de fogo passou a ser crime, punido, no mínimo, com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa, conforme decorre do disposto no art. 10 da referida lei.
A nova disciplina legal regulou melhor a matéria estabelecendo diversas condutas típicas por meio de vários verbos, nos moldes do art. 12 da Lei 6.368/76 (Lei Antitóxicos), e exasperou consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar. Por aqui, é preciso reconhecer que houve um avanço positivo na lei.
Contudo, a imprudência, a imperícia e a voracidade do legislador não lhe permitiram uma reflexão adequada sobre os limites e alcance da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispondo sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal acabou ampliando o conceito de pequeno potencial ofensivo ao estabelecer em seu art. 2º, parágrafo único, que “consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”, de forma a dar nova dimensão ao art. 61 da Lei 9.099/95.
Decorre de tal ampliação que a maior parte dos crimes regulados no art. 10 da Lei 9.437/97 passou a ser considerada e tratada como infração de pequeno potencial ofensivo, com as implicações daí decorrentes.
Discute-se agora no Congresso Nacional Projeto de Lei em que se pretende transformar o crime de porte ilegal de arma de fogo em crime hediondo, havendo grandes chances de que tal projeto venha a ser convertido em lei.
Vejamos, então. O porte ilegal de arma de fogo era uma contravenção até 1997, e considerado infração de pequeno potencial ofensivo por força da Lei 9.099/95, sendo que a partir da Lei 9.437 passou a ser considerado crime e deixou de ser infração de pequeno potencial ofensivo. Em 2001 voltou a receber tratamento penal mais brando, readquirindo o status de infração de pequeno potencial ofensivo, isso por força da Lei 10.259. Pretendem agora, os Srs. Legisladores, transformá-lo em crime hediondo.
A trajetória é impressionante e assustadora, além de extremamente preocupante: até 1997 era contravenção e de pequeno potencial ofensivo; a partir de 1997 virou crime, com considerável exasperação punitiva e saída do rol das infrações menores; em 2001 volta a ser infração de pequeno potencial ofensivo; em 2003 poderá passar á condição de crime hediondo.
Nem é preciso discorrer sobre as implicações decorrentes da Lei 8.072/90 para os crimes hediondos ou assemelhados.
3. Conclusão
É compreensível que a ONU – Organização das Nações Unidas, tenha divulgado recentemente uma pesquisa onde o Brasil figura em penúltimo lugar em índices de inteligência, sendo destacado na pesquisa que a maioria dos Brasileiros não consegue entender aquilo que lê.