Execução fiscal – Busca da eficiência a qualquer custo

Desde há alguns anos, à medida que o peso da tributação foi aumentando até chegar ao nível atual de saturação, aumentando cada vez mais as situações de insolvência dos contribuintes, a legislação infraconstitucional foi se tornando cada vez mais truculenta, indiferente às garantias fundamentais prescritas na Carta Política de forma imutável.

As sanções políticas previstas para os devedores de tributos (inscrição no CADIN, protesto de Certidão de Dívida Ativa, bloqueio on-line, proibição de imprimir talonários de notas fiscais, proibição de alterar contrato social, proibição de participar de certames licitatórios, arrolamento de bens etc.) vêm sendo aplicadas pelos juízes e tribunais, alheios à jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal (Súmulas 70, 323 e 547).

Após o advento da Lei nº 11.386/06, que introduziu alterações no Código de Processo Civil no que se refere ao processo de execução em geral, estranha jurisprudência vem sendo inaugurada em matéria de execução fiscal, regida por lei específica, a Lei nº 6.830/80. Trata-se de mesclagem de dois regimes jurídicos diversos para se apegar aos dispositivos do Código de Processo Civil naquilo que parecer mais eficaz para a ultimação da execução fiscal, buscando aplicação subsidiária do estatuto genérico, ora ignorando normas específicas competentes, ora ignorando a jurisprudência que se formou em matéria de execução fiscal que, desde o advento do Decreto-lei nº 960/38, vinha aplicando a tríade “segurança do juízo pela penhora, embargos do executado e suspensão da execução”. Agora, o executado pode até perder definitivamente os bens penhorados na pendência de recurso, mesmo que ele tenha sido recebido com efeito suspensivo, porque se permite a execução “provisória” com caráter de definitividade.

O maior fantasma, que apavora os contribuintes, supostamente devedores da Fazenda, é a aplicação do sistema Bacen-Jud, conhecido como penhora on-line. Ignorando o princípio da hierarquia vertical das leis e confundindo a penhora de dinheiro em si com procedimento para sua efetivação vem sendo aplicado, de forma sistemática, o bloqueio de contas bancárias do devedor sob execução.

Ora, essa medida extremada não pode ser aplicada automaticamente, sob pena de violar, não apenas a lei de regência da matéria (art. 185-A do CTN), como também o próprio princípio geral da execução (art. 620 do CPC).

O art. 185-A do CTN, norma geral, aplicável no âmbito nacional (art. 145, III da CF) só permite o bloqueio de ativo financeiro no silêncio do executado após sua citação regular para pagar ou nomear bens à penhora e no caso em que não forem encontrados bens penhoráveis. Essa medida extremada, que implica, ipso fato, quebra do sigilo bancário, não pode ser deferida antes da citação do devedor por aposição de mero despacho padrão, às vezes, representado por um carimbo do cartorário.

O art. 620 do CPC, por sua vez, determina que a execução seja feita pela forma menos gravosa ao devedor executado.

A coação indireta, representada pelo emprego do sistema Bacen-Jud em nome da eficiência da execução, sem observância do art. 185-A do CTN e do princípio geral da execução atenta contra os princípios do devido processo legal (art. 5º, LIX da CF) e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV da CF).

Os tributaristas do País inteiro, reunidos no XXXIII Simpósio Nacional de Direito Tributário de que participamos, em novembro de 2008, em São Paulo, no Centro de Extensão Universitária concluiu à unanimidade:

“Por força dos princípios do devido processo legal, tanto na acepção material quanto formal (art. 5º, LIV, da CF, e art. 620, do CPC) e da ampla defesa (art. 5º, LV , da CF) e, ainda, em atenção aos arts. 8º, 9º e 10 da LEF e art. 185-A do CTN só é legítima a adoção da via da penhora on line para garantia do juízo em sede de execução fiscal na hipótese de o executado, devidamente citado, não indicar bens e, ainda, quando não forem encontrados bens penhoráveis do suposto devedor”.

Somente após a caracterização da situação prevista no art. 185-A do CTN é que a penhora de dinheiro pode ser feita pela forma prevista no art. 655-A do CPC respeitada as hipóteses de impenhorabilidade de dinheiro, previstas no rol exemplificativo do inciso IV do art. 649 do CPC, sob pena de acarretar, indiretamente, a falência da empresa executada, sem observância da lei de regência da matéria.

Buscar agilidade e eficiência na execução é medida louvável, porém, sem matar a galinha dos ovos de ouro.

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Kiyoshi Harada
jurista, professor e especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP

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