Nesta semana o vice-governador do Estado, que acumula a Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia, entregou ao presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE/MS) o anteprojeto da Lei de Diretrizes Orçametárias (LDO) para 2006.
Pela tendência dos últimos três anos, o que o Governo do Estado fez, mais uma vez, foi mostrar com antecedência e clareza que ignora o TCE, que não pretende seguir as recomendações do órgão que tem a atribuição de fiscalizar as contas públicas e proteger o dinheiro público dos desacertos dos gestores do tesouro público.
Vejam: ocorre ano a ano em nosso Estado um ataque frontal à Constituição Federal, patrocinado pela Lei Estadual 2.261 de 16 de Julho de 2001, a chamada “Lei do Rateio”.
Esta figura normativa desairosa já foi repudiada no Parecer 0025/2003 do TCE/MS, tratando do Balanço Geral do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, referente ao exercício financeiro de 2002, no qual os conselheiros foram explícitos em asseverar que a Lei do Rateio é um “artifício”, motivando ressalvas às contas públicas, baseadas nos efeitos negativos que esta lei produz tanto na Educação quanto na Saúde, de onde se apropria de recursos constitucionalmente vinculados, para sustentar a “máquina do Estado”.
Em um das ressalvas lê-se: “1.5 – Aplicação de recursos em Ações e Serviços de Saúde em percentual inferior ao previsto na Emenda Constitucional nº 29, de 23-9-2000”.
Em outra temos: “1.8 – O Estado também incluiu como despesas na MDE – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – o rateio dos custos de arrecadação, no valor de R$ 58.136.959,86 com espeque na Lei nº 2.261/2001, contrariando frontalmente o artigo 71 da Lei 9.394/96. O artifício dessa lei estadual não pode receber guarida sustentável, visto que a Lei 9.394/96 é de caráter nacional. Portanto, há um conflito de leis, e, no caso, a nacional prevalece sobre a estadual. Quando as ditas leis se conflitam, a menor cede lugar à maior”.
E para coroar: “1.11 – Com isso, o Gestor Estadual não cumpriu o mandamento constitucional expresso no Artigo 212 da Carta Magna e Artigo 198 da Constituição Estadual, apesar de alguns artifícios, restando para posterior aplicação, sem prejuízo das penalidades cabíveis, R$ 44.251.050,30 (quarenta e quatro milhões duzentos e cinqüenta e um mil cinqüenta reais e trinta centavos)”.
Fato inexorável é que, nas Leis Orçamentárias do Estado dos anos seguintes (2003, 2004 e 2005) aparece a “Lei do Rateio”, numa clara afronta desrespeitosa ao TCE/MS.
Eis que surge a questão: qual a atitude do Tribunal de Contas do Estado para fazer valer suas ressalvas e recomendações? Quais foram as “penalidades cabíveis” aplicadas ao Governo do Estado de Mato Grosso do Sul pelo TCE/MS conforme comprometido no item 1.11 das Ressalvas do Parecer 0025/2003 até agora?
Vemos que se deposita nas mãos do TCE/MS a grande responsabilidade de fazer fluir para a educação e a saúde pública os recursos constitucionais que lhe têm sido sonegados nestes anos, na monta de centenas de milhões de reais.
Vemos que na atuação do TCE/MS está a esperança daqueles que aguardam órgãos na fila de transplantes, dos que estão presos às máquinas de hemodiálise, dos que vêem a redução de leitos no Hospital Regional, dos que são atendidos (quando são) em corredores, dos que vêem o dinheiro da educação e da saúde patrocinar a “locomoção” do Governador e seu staff, o material de consumo da Secretaria de Receita e Controle, a “consultoria” do Fundo de Atividades Fazendárias, os “equipamentos e material permanente” da Secretaria de Gestão de Gastos e Pessoal, conforme consta no Ofício 090 da Secretaria de Receita e Controle de 22 de março de 2004.
Esperamos que ao receber o ante-projeto da LDO/2006 o Tribunal de Contas se posicione firmemente contra o desacato do Governo a uma das mais importantes instituições de defesa da sociedade. Que o TCE/MS faça valer tal importância e a razão de suas atribuições, mesmo porque já conta com o respaldo do Ministério da Saúde, que rejeitou incluir a Lei do Rateio no cálculo de cumprimento da Emenda 29 por parte de Mato Grosso do Sul, como se infere da Nota Técnica 009/2005 do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde – SIPOS –, do Ministério da Saúde.
Também dá suporte à futura atuação do TCE/MS de repúdio à Lei do Rateio, a Ação Direta de Inconstitucionalidade que pede a derrocada desta norma estadual (Adin 3320/2004) proposta pelo próprio procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, a partir de provocação do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul, baseada em ação popular, por nós proposta.
Na Adin, o procurador-geral da República classifica a “Lei do Rateio” como “fraude no repasse de verbas para a saúde”. Em outro trecho da Adin, podemos ler que “O Estado do Mato Grosso do Sul, ao aprovar a lei impugnada, busca sorrateiramente se esquivar dessa obrigação constitucional, transferindo parte dos recursos da saúde para custear despesas administrativas da burocracia estatal”.
Assim, entendemos que este é o momento propício para o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul se indignar, levantar a cabeça e mostrar ao Governo do Estado que não merece ser tratado com tamanha falta de respeito.
Esperamos que o órgão máximo de defesa da sociedade preserve sua dignidade e integridade institucional e moral. O contrário disso gera um descrédito que não deve ser a marca de qualquer Tribunal de Contas.
Geraldo Resende e
Médico e deputado federal
Lamartine Ribeiro
Advogado e professor universitário