Marcelo Lessa Bastos
Durante anos o interior dos Estados foi abandonado pelos governantes, cujas políticas públicas se voltavam exclusivamente para as grandes cidades. Com isto, os postos de trabalho no interior passaram a ser cada vez mais escassos, forçando um êxodo rural, uma migração dos trabalhadores para as metrópoles, na busca do emprego que lhes faltava, dada a ausência de fomentos e incentivos ao trabalho rural. Como também não achavam emprego nas grandes cidades e como o metro quadrado da habitação lhes saía a preços exorbitantes, passaram esses migrantes a fixarem residência nas periferias, em especial nos morros que cercam as metrópoles.
De início, o Administrador fingia não perceber esta ocupação desordenada dos morros, permitindo crescer assustadoramente o número de barracos sem nenhuma infra-estrutura para viabilizar uma vida digna. Era que, no começo, chegava a ser cômodo esconder a pobreza no alto dos morros das grandes cidades, para cujo foco os holofotes ainda não havia se deslocado, permitindo-se, então, que se coexistissem verdadeiros ecossistemas paralelos, faces tristemente opostas, distinguíveis apenas pela tangência na linha da miséria. Formava-se um ciclo vicioso: na medida em que o homem fugia do campo em busca de emprego e não o encontrava nas grandes cidades, era empurrado para as periferias, onde acabava por se estabelecer em condições sub-humanas de vida, contribuindo para reduzir, também, as condições de vida dos trabalhadores daquelas cidades, com quem concorriam e na maioria das vezes perdiam na disputa pelo cada vez mais escasso emprego. Deslocou-se, assim, a geografia da miséria.
A omissão da Sociedade e do Estado para com essas comunidades, a quem até se referiam pejorativamente como “favelas”, criou um terreno fértil para o crime organizado, que ali resolveu também se estabelecer, absorvendo a mão de obra excluída e até prestando os serviços públicos desgraçadamente sonegados. Como num copo onde se adiciona água a conta-gotas, o Estado assistiu, inerte, ao nascimento e crescimento em progressão geométrica de um barril de pólvora, alimentado com a indignação da exclusão social, a revolta da pobreza, a cultura do medo e da violência. Chegou uma hora em que não coube uma gota a mais no copo, que passou a transbordar. Então o barril de pólvora explodiu e os seus estilhaços respingaram, como não podia deixar de ser, na Sociedade que estava pouco metros abaixo.
Agora o Estado tenta entrar nos lugares que sempre evitou; mas é muito tarde. Os morros das grandes cidades tornaram-se redutos de traficantes, os senhores feudais do século XXI. Dividiram-se os morros em autênticas capitanias hereditárias, talvez com a inspiração de nossa própria História. Resta ao impotente Estado, ao menos a curto prazo, somente, no varejo, tentar controlar essas comunidades com a repressão, serviço público que sempre prestou de forma notável, com ar de professor. Atacam-se, então, apenas as conseqüências, os efeitos, porque é preciso se ter respostas a curto prazo. Não se pode esquecer, todavia, de que só atacando as causas é que se terá a solução para o problema, problema este que se resolve no atacado, a longo, longuíssimo prazo. Afinal de contas, são muitos anos de incompetência.
Marcelo Lessa Bastos
Promotor de Justiça
2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Campos
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