Cesare Lombroso: Criminologia e a Escola Positiva de Direito Penal

Lélio Braga Calhau

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE.
Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal.
Mestrando em Direito pela Universidade Gama Filho (RJ).
Autor do livro Vítima e Direito Penal (Editora Mandamentos, BH, 2002).

Já tivemos oportunidade de discorrer em um pequeno texto sobre o papel de José Ingenieros (01) junto à Criminologia e a Escola Positiva de Direito Penal. Ingenieros, foi um dos grandes defensores das idéias da Escola Positiva em nosso continente. Todavia, foi Cesare Lombroso, médico italiano, que ocupou um dos papéis centrais, juntamente com Ferri e Garofalo na Criminologia e na Escola Positiva de Direito Penal.

Fala-se muito de Lombroso (1835-1909), em especial, no meio acadêmico, mas pouco se conhece verdadeiramente do papel que teve para a Criminologia e a Escola Positiva de Direito Penal. Lombroso estudou na Universidade de Pádua, Viena, e Paris e foi posteriormente (1862-1876) professor de psiquiatria na Universidade de Pavia e medicina forense e higiene (1876), psiquiatria (1896) e antropologia criminal (1906) na Universidade de Turim. Foi também diretor de um asilo mental na Itália.

As idéias de Lombroso sustentaram um momento de rompimento de paradigmas no Direito Penal e o surgimento da fase científica da Criminologia. Lombroso e os adeptos da Escola Positiva de Direito Penal rebateram a tese da Escola Clássica da responsabilidade penal lastreada no livre-arbítrio.

Com o despontar da filosofia positivista e o florescimento dos estudos biológicos e sociológicos, nasce a escola positiva. Essa escola, produto do naturalismo, sofreu influência da doutrina evolucionista (Darwin, Lamarck); materialista (Buchner, Haeckel e Molenschott); sociológica (Comte, Spencer, Ardig e Wundt); frenológica (Gall); fisionômica (Lavater) e ainda dos estudos de Villari e Cattaneo (02).

A Escola Positiva surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências sociais (Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, Sociologia, estatística etc). Esse fato determinou de forma significativa uma nova orientação nos estudos criminológicos. Ao abstrato individualismo da Escola Clássica, a Escola Positiva opôs a necessidade de defender mais enfaticamente o corpo social contra a ação do delinqüente, priorizando os interesses sociais em relação aos indivíduos (03).

De fato, o modelo proposto pelos juristas que se aliaram ao movimento positivista respondia às necessidades da burguesia no final do século XIX. Esta havia se apoiado inicialmente em um Direito Penal Liberal que lhe havia permitido neutralizar a nobreza, limitando, através de um órgão legítimo, seu poder arbitrário. Agora, com o estabelecimento definitivo da nova ordem burguesa, era necessário encontrar outros recursos penais que assegurassem a superveniência da nova ordem social. A burguesia se sentia ameaçada, não mais pela nobreza e seu poder arbitrário, senão pelas “classes perigosas”, ou seja, pelas classes menos favorecidas que levavam dentro de si o germe da degeneração e o crime. As idéias penais e criminológicas dos positivistas coincidem com esta preocupação central das novas classes privilegiadas e lhes proporcionaram um instrumento prático e teórico para afugentar o perigo que para a estabilidade social representavam os despojados (04).

Os positivistas rechaçaram totalmente a noção clássica de um homem racional capaz de exercer seu livre arbítrio. O positivista sustentava que o delinqüente se revelava automaticamente em suas ações e que estava impulsionado por forças que ele mesmo não tinha consciência (05).

Esta corrente de pensamento generalizou-se, exultante, a convicção, em um primeiro momento, industrialista e, logo a seguir, capitalistas, do progresso linear do saber humano, através de ciências que se entendiam quase como religiões laicas, capazes de explicar, prever e manipular todos os fenômenos da vida. O positivismo está estreitamente ligado à busca metódica sustentada no experimental, rechaçando noções religiosas, morais, apriorísticas ou conceitos abstratos, universais ou absolutos. O que não fosse demonstrável materialmente, por via de experimentação reproduzível, não podia ser científico (06).

O ponto de partida da teoria de Lombroso proveio de pesquisas craniométricas de criminosos, abrangendo fatores anatômicos, fisiológicos e mentais (07). A base da teoria, primeiramente foi o atavismo: o retrocesso atávico ao homem primitivo. Depois, a parada do desenvolvimento psíquico: comportamento do delinqüente semelhante ao da criança. Por fim, a agressividade explosiva do epilético.

Lombroso expôs em detalhe suas observações e teorias na obra O Homem Delinqüente cuja primeira edição apareceu em 1876, convertendo-o em celebridade. Em 1885, realizou-se em Roma um Primeiro Congresso de Antropologia Criminal, e as teses e propostas de Lombroso obtiveram grande sucesso e reconhecimento científico. Esses dez anos transcorridos entre seu livro e o congresso demonstraram a rapidez com que se alcançava o “êxito científico” nas sociedades européias, ávidas por novidades, descobertas espetaculares e “gênios”, à base de uma imprensa alimentada com os descobrimentos do fim do século XIX (08).

Lombroso mudava o fundamento de sua teoria segundo as investigações que realizava. Sua obra fundamental O Homem Delinqüente, passara de 252 páginas em sua primeira edição a 1903 páginas em sua quinta edição de 1896 e 1897.

A contribuição principal de Lombroso para a Criminologia não reside tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do “delinqüente nato”) ou em sua teoria criminológica, senão no método que utilizou em suas investigações: o método empírico. Sua teoria do delinqüente nato foi formulada com base em resultados de mais de quatrocentas autópsias de delinqüentes e seis mil análises de delinqüentes vivos; e o atavismo que, conforme o seu ponto de vista, caracteriza o tipo criminoso – ao que parece – contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisões européias (09).

A idéia de atavismo aparece estreitamente unida a figura do delinqüente nato. Segundo Lombroso, criminosos e não-criminosos se distinguem entre si em virtude de uma rica gama de anomalias e estigmas de origem atávica ou degenerativa (10).

Lombroso apontava as seguintes características corporais do homem delinqüente: protuberância occipital, órbitas grandes, testa fugidia, arcos superciliares excessivos, zígomas salientes, prognatismo inferior, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, braços excessivamente longos, mãos grandes, anomalias dos órgão sexuais, orelhas grandes e separadas, polidactia. As características anímicas, segundo o autor, são: insensibilidade à dor, tendência a tatuagem, cinismo, vaidade, crueldade, falta de senso moral, preguiça excessiva, caráter impulsivo (11).

Lombroso foi modificando seus postulados nas edições sucessivas de sua obra e, por ela, se viu obrigado a incorporar os resultados daquelas observações empíricas que justificam suas mudanças de orientação. As correções que foi introduzindo não alteravam o núcleo de sua teoria, ou seja, o postulado segundo o qual existe uma diferença biológica entre o delinqüente e o não-delinqüente (12).

Carlos Alberto Elbert registra que, em muito pouco tempo, diversas verificações médicas foram relativizando a validade das descobertas de Lombroso, que teve de retificar constantemente suas afirmações mais ousadas; assim, no princípio afirmou que entre 65% e 75% do total de criminosos tendiam à classificação de “natos”, para depois fixar essa quantidade em 40%, e finalmente em um terço. Terminou atribuindo à epilepsia a causa da delinqüência, tese que também foi refutada em pouco tempo (13).

As teorias deterministas de Lombroso não encontraram apoio nos estudos desenvolvidos por seus discípulos. Suas idéias não haviam se baseado em uma metodologia rigorosamente científica (14).

Lombroso morreu em 19 de outubro de 1909, em Turim, Itália.

NOTAS DE FIM

(01) CALHAU, Lélio Braga. Criminologia positiva e a obra de José Ingenieros. Belo Horizonte, Jornal do Sindicato dos Promotores e Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Junho de 2002, p. 03. Disponível também na internet: http://www.ibccrim.org.br e http://www.pgj.mg.gov.br.

(02) PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, São Paulo, RT, 1999, p. 47.

(03) BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, 2000, p. 52.

(04) ROMERO, Gladys Nancy. La evolución hacia una criminología radical. Buenos Aires, Fabián J. Di Placido, 1999, p. 89.

(05) RABUFFETTI, M. Susana Ciruzzi de. Breve ensayo acerca de las principales escuelas criminológicas. Buenos Aires, Fabián J. Di Placido, 1999, p. 35.

(06) ELBERT, Carlos Alberto. Manual Básico de Criminologia. Tradução de Ney Fayet Jr. Porto Alegre, Ricardo Lenz, 2003, p. 54.

(07) ALBERGARIA, Jason. Noções de Criminologia. Belo Horizonte, Mandamentos, 1999, p. 131.

(08) ELBERT, op. cit, p. 56.

(09) MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia, 4a edição, São Paulo, RT, 2002, p. 191.

(10) MOLINA, Antonio-García-Pablos de. Tratado de Criminología. 2ª ed, Valencia, Tirant, 1999, p. 381.

(11) ALBERGARIA, op. cit, p. 131-132.

(12) ROMERO, op. cit, p. 57-58.

(13) ELBERT, op. cit, p. 57.

(14) GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Principios de Criminologia. 2a ed, Valencia, Tirant lo Blanch, 2001, p. 252.

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