Damásio de Jesus
IMPUTAÇÃO OBJETIVA E CRIMES CULPOSOS
Damásio de Jesus
Questiona-se no Brasil a possibilidade de aplicação da teoria da imputação objetiva aos crimes dolosos e culposos. Quanto aos delitos que exigem o dolo como elemento subjetivo do tipo, o tema não é tormentoso, admitindo-se a incidência. O problema se agrava na hipótese dos crimes culposos, em que a culpa aparece como elemento normativo do tipo.
ANTONIO LUÍS CHAVES CAMARGO[1], FERNANDO GALVÃO[2] e ROGÉRIO GRECO[3], dentre outros, entendem que os critérios de imputação são extensíveis a ambas as classes.[4]
As divergências iniciais em relação a tal tema advieram de PAULO DE SOUZA QUEIROZ[5] e José Henrique Pierangeli, que buscaram fundamentos em ENRIQUE GIMBERNAT ORDEIG[6], que rechaça o entendimento de que, nos delitos culposos, caso a ação se circunscreva aos limites do risco permitido, fica excluída a tipicidade em face da não-ocorrência da imputação objetiva. Justificando seu posicionamento, Paulo Queiroz afirmou que “o tipo culposo fica excluído unicamente por uma razão tautológica: porque não houve culpa, elemento que, por ser requisito legal expresso, não tem nada que ver com imputação objetiva”[7]. Para Paulo Queiroz, nas hipóteses de delitos culposos “risco permitido significa, em última análise, ausência de imprudência, imperícia ou negligência; ausência de culpa, enfim”[8]. Da mesma forma, Guilherme Madeira Dezem considera também inadequada a utilização da imputação objetiva aos delitos culposos.[9]
Há que consignar-se, entretanto, que o risco permitido (categoria própria da imputação objetiva) não se confunde com a negligência, imprudência ou imperícia (espécies de culpa). Lá, a verificação recai sobre as regras do ordenamento social (apreciação ante factum), dispensando uma análise individualizada (post factum). No risco permitido há uma tolerância genérica de condutas consideradas atípicas ex ante facto e de forma abstrata (conceito formal). Quando, contudo, aprecia-se o comportamento do autor perante a observância ou inobservância do dever objetivo de cuidado, analisa-se o fenômeno social post factum, diante de suas circunstâncias concretas.
De ver-se que, nos delitos culposos, o critério da imputação objetiva subordina-se a que o evento danoso seja a concretização da inobservância do cuidado objetivo necessário, reflexo da realização do comportamento criador do risco relevante e desaprovado[10]. Equivalem-se, pois, inobservância do dever de cuidado necessário objetivo e criação de risco juridicamente proibido[11].
Miguel Reale Júnior, divergindo da restrição da imputação objetiva no tocante aos delitos culposos, atribui importância à análise dos riscos, mesmo quando é de crime culposo que se está tratando. Para o autor, “com relação a riscos especiais e a riscos de pequena monta, corriqueiramente sucedidos, a idéia de um critério do risco desaprovado em face do permitido pode ser um dado auxiliar à tarefa de preenchimento da cláusula aberta do comportamento culposo como infração a um dever de cuidado”[12].
Selma Pereira de Santana, além de entender que se devem aplicar as regras da novel teoria aos crimes dolosos e culposos, reconhece que “atualmente, a mais moderna forma de entendimento do delito culposo compreende à estrutura geral que tem sido dada pela moderna teoria da imputação objetiva”[13].
Sintetizando a discussão, afirmamos que os critérios de imputação objetiva são idênticos para os crimes dolosos e culposos, visto que se trata de analisar, de forma objetiva, se a conduta é socialmente desaprovada, ou seja, se com o seu comportamento o sujeito criou um risco juridicamente desaprovado e relevante. Assim, para nós não subsiste qualquer obstáculo a que tanto os crimes dolosos quanto os culposos sejam submetidos aos critérios da imputação objetiva.
[1] Imputação objetiva e Direito Penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001.
[2] Imputação objetiva.Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
[3] Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002.
[4] Entendendo que a utilização da teoria se limita aos crimes culposos: KAUFMANN, Armin. ¿Atribución objetiva en los delitos dolosos? Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. Madrid, 1985. p.807 e s.
[5] Direito Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 135. É de esclarecer-se que o autor, depois de já publicar a obra referida, deixou expressado que revia seu posicionamento, passando, então, a adotar a teoria da imputação objetiva. Ver artigo: Por que aderi à teoria da imputação objetiva. Disponível em: . Acesso em 2.7.2002.
[6] Estudios de Derecho Penal. Madrid: Tecnos, 1990. p. 213-214.
[7] QUEIROZ, Paulo de Souza. Crítica à teoria da imputação objetiva. Disponível em: . Acesso em: 14.11.2000.
[8] Idem, ibidem.
[9] DEZEM, Guilherme Madeira. Teoria da imputação objetiva: bases para uma nova relação de causalidade? Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, São Paulo, n. 6, p. 11, dez. 1998.
[10] LARRAURI, Elena Pijoan; RAMÍREZ, Juan Bustos. La imputación objetiva. Bogotá: Temis, 1989. p. 110.
[11] BIDASOLO, Mirentxu Corcoy. Delitos de peligro y protección de bienes supraindividuales: nuevas formas de delincuencia y reinterpretación de tipos penales clásicos. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 72 e nota 120.
[12] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1, p. 240.
[13] SANTANA, Selma Pereira de. Atualidades do delito culposo. Boletim IBCCrim, São Paulo, v. 10, n. 114, p. 6, maio 2002.
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Como citar este artigo:
JESUS, Damásio de. Imputação objetiva e crimes culposos. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, mar. 2003. Disponível em: