Marcelo Colombelli Mezzomo marcelo.colombelli@bol.com.br
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria
Sumário: 1-Introdução.2- Panorama Legislativo. 3- Pela Imprescindibilidade 4-Pela Prescindibilidade.5- Direito de Defesa Prévia: Imprescindível ou não. Nossa Posição. 6- Conclusões.
1-INTRODUÇÃO
A edição da 9.503, de 23 de setembro de 1997 representou uma mudança há muito esperada pela sociedade brasileira, pois a quantidade de vítimas fatais no trânsito em nosso País atingiu mais de 50.000 em média anual. Era evidente o descalabro destes números, que não mais podiam ser tolerados. Infelizmente, campanhas educativas não adiantam muito, pois os fatos “sempre acontecem com os outros” e a conscientização não é uma marca do novo mundo: aqui não é a Suécia. Logo, não há outra saída senão recrudescer o tratamento com os infratores. E foi o que fez o Código de Trânsito Brasileiro, lançado com grande expectativa.
Mas não tardou a criar problemas a sua aplicação. Tal se deve, sobretudo, às pesadas penas que aplica no que se refere à responsabilidade administrativa. O brasileiro não estava acostumado a multas de elevado valor e chocou-se ao ver que o somatório de algumas infrações poderia lhe tolher a habilitação e implicar em pesada penalização pecuniária.
Neste contesto surge uma discussão, ainda bastante acirrada, pelo menos aqui no Rio Grande do Sul, e esta disputa tem como tema a necessidade ou não de defesa prévia. Em alguns estados, como por exemplo o Paraná, a defesa prévia, ou seja, a defesa concernente ao auto de infração, já é aplicada e a questão não chama maiores dúvidas. Mas há estados, e este é o caso do Rio Grande o Sul, nos quais o DETRAN tem por revogada a defesa prévia.
A disputa doutrinária e jurisprudencial que se implantou tem como base o fato de que o CTB não previu expressamente e defesa prévia, anteriormente prevista em Resoluções do CONTRAN, mais especificamente a Resolução 568/82. O artigo 314, parágrafo único, do CTB, de seu turno, dispõe que as resoluções que não contrariassem o CTB continuariam em vigor. Pergunta-se, então, é imprescindível a defesa prévia para que sejam obedecidos os cânones constitucionais do artigo 5º, inc. LIV e LV da CF/88?
Está implantada a celeuma sobre a qual lançaremos algumas luzes, limitados ao tempo e ao espaço disponíveis, e que tem rendido milhares de ações nos pretórios gaúchos, com respeitáveis argumentos de ambos os lados.
2- PANORAMA JURÍDICO
Consta dos artigo 280 e 281 do CTB:
“Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.”
“Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.”
Já o artigo 314, parágrafo único, assertoa que:
“Art. 314. O CONTRAN tem o prazo de duzentos e quarenta dias a partir da publicação deste Código para expedir as resoluções necessárias à sua melhor execução, bem como revisar todas as resoluções anteriores à sua publicação, dando prioridade àquelas que visam a diminuir o número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres.
Parágrafo único. As resoluções do CONTRAN, existentes até a data de publicação deste Código, continuam em vigor naquilo em que não conflitem com ele”.
A Resolução nº 568/82, prevê, porém, a apresentação defesa prévia à aplicação da penalidade, referindo-se a uma defesa a ser apreciada na ocasião do julgamento do auto de infração, o que consta dos artigos 1, 2º e 5º.
O artigo 5º, inc. LIV e LV da CF/88 preconizam que:
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
A questão que se coloca é a seguinte: A irradiação de efeitos dos incisos do artigo 5º, como normas basilares a de ampla aplicação, figurando entre os direitos e garantias individuais teria o condão de significar a necessidade de defesa referente ao ato de julgamento do auto de infração? Ou por outras palavras, o artigo 5º, inc. LIV e LV da CF/88 conjugado ao artigo 314, parágrafo único, do CTB mantêm a Resolução nº 568 vigente?
3- PELA IMPRESCINDIBILIDADE DA DEFESA PRÉVIA
Os prosélitos da imprescindibilidade da defesa prévia argumentam que a norma constitucional tem aplicação ampla, e dentro de um postulado de supremacia da Constituição, postulam que somente com a ampla defesa anterior à aplicação da penalidade estará sendo cumprida a determinação constitucional.
Nesta esteira, qualquer ato que implique em restrição à esfera de direitos individuais deve ser precedida de manifestação dos atingidos. Além disso a acepção da palavra recurso implicaria um julgamento anterior, do auto de infração, e conseqüentemente deveria haver defesa que o precedesse.
Sufragando esta linha de pensamento, pertinente a transcrição da manifestação do Desembargador Araken de Assis, nos votos que tem proferido em demandas relacionadas ao tema:
“De acordo com o art. 280, VI, da Lei 9.503, de 23.9.97 (Código de Trânsito Brasileiro), ocorrendo alguma infração, lavrar-se-á o respectivo auto, que, dentre outros requisitos, conterá a assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração (inc. VI). O § 3.° do art. 280, na hipótese de ser impossível colher a assinatura do infrator, determina ao agente comunicar tal fato à autoridade competente, para os fins do art. 281, que contempla o julgamento da consistência do auto e aplicará a penalidade legal. Dentre os motivos de insubsistência do auto, o art. 281, parágrafo único, II, prevê a falta de expedição da notificação da autuação, que, a teor do art. 282, caput, se seguirá à aplicação da penalidade.
Deste ato cabe recurso (art. 285), sem recolhimento da multa (art. 286, caput), tornada exigível, no entanto, para segundo recurso (art. 288, § 2°), que encerra a instância administrativa (art. 290). Vale assinalar que o recurso do art. 288 poderá ser julgado pelo CONTRAN (289, I, “a”) e por colegiado especial (289, I, “b”).
É bem de ver que, para as penas de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação, aplicáveis mediante decisão fundamentada, o art. 265 previu a instauração de procedimento administrativo.
Assim exposto o regime do Código de Trânsito Brasileiro, e inexistindo disputa quanto aos fatos, controverte-se a aplicação do art. 2.° da Resolução 568/80, do Conselho Nacional de Trânsito – recepcionada nos termos do art. 314, parágrafo único, da Lei 9.503/97 -, segundo a qual, recebido o auto de infração, o interessado poderá apresentar defesa prévia à autoridade de trânsito, antes da aplicação da penalidade. Idêntico é o sentido do art. 1.° da Resolução 829/97 do mesmo Conselho. Em última análise, examina-se a constitucionalidade de a autoridade de trânsito aplicar a penalidade sem assegurar, previamente, a defesa prévia do autuado, como garantido no art. 5.°, LIV e LV, da CF/88 e, no plano infra-constitucional, no art. 2.°, I e VIII, da Lei 9.784/99.
É flagrante que a interpretação literal dos artigos 280, 281 e 282 da Lei 9.503/97 implica negativa à garantia insculpida no art. 5.°, LIV, da CF/88. Antes de aplicar a alguém pena, impende colher a sua defesa; ao invés disto, a literalidade do regime exposto prevê a aplicação da pena e, ato contínuo, a interposição de recurso, embora sem prévio recolhimento da multa.
Ora, a clássica definição de recurso, com ressalva de que tal característica também se presencia em outras figuras impugnativas, parte da idéia de que todo recurso nasce da iniciativa de alguém interessado em impugnar uma decisão (JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários, 135, p. 231, 7.ª Ed., Rio de Janeiro, 1998). Parece fora de dúvida que, o art. 285 da Lei 9.503/97 emprega, no caput e seus parágrafos, a palavra “recurso” neste último e exato sentido: o autuado impugna a decisão, anteriormente tomada pela autoridade de trânsito competente, que julgou subsistente o auto e aplicou a pena cabível (art. 281, caput). Decisão esta que, como se lê no art. 281, caput, decorre de um “julgamento”.
Pois bem: o art. 5.°, LIV e LV, assegura a quem sofrer alguma imputação, a exemplo daquela constante no auto de infração, o direito à defesa prévia, ou seja, anterior a qualquer decisão.
Esse caráter prévio da defesa é realçado por AGUSTIN A. GORDILLO (“La garantía de defensa como principio de eficacia en el procedimiento administrativo”, n.° 4, p. 21, In Revista de Direito Público, São Paulo, RT, 1969, V. 10):
Además, podrá observarse que en cada uno de los aspectos de esta garantía, desde el tener acceso a las actuaciones, presentar sus alegaciones, producir prueba, etc., se insiste en que ellos deben ser respectados desde ‘ antes’ de tomarse la decisión que puede afectar los derechos del indivíduo. Esta tiene significativa importancia no sólo para una más eficaz defensa del interessado, sino también como un modo de poner mayor énfasis en los controles ‘preventivos’ que en los ‘repressivos’: ‘mellius est intacta jura servave, quam vulnerate causae remedius quarere’, lo cual confiere mayor eficacia y economia procesal a todo el procedimiento administrativo.
Daí a conclusão firme e límpida exegese preconizada por CÁSSIO MATTOS HONORATO (Alterações introduzidas pelo novo código de trânsito brasileiro, pp. 72/73, São Paulo, Saraiva, 1998), que aponta, ao mesmo tempo, as razões da inadmissibilidade de interpretação diversa:
O CTB prevê um sistema de recursos muito bem elaborado, a partir do art. 281. Existe um primeiro recurso, endereçado à autoridade de trânsito, onde o seu objeto é a autuação, ou seja, o ato administrativo elaborado pelo agente de trânsito. Após a imposição da multa pela autoridade de trânsito, será cabível um novo recurso perante a JARI (Junta Administrativa de Recurso de Infrações), que analisará a legalidade do ato administrativo realizado pela Autoridade de Trânsito.
A possibilidade de imposição imediata da multa suprimiria o direito de defesa do cidadão, e ofende o princípio previsto no artigo 5.°, inc. LV, da Constituição da República, impossibilitando ao acusado de ter praticado uma infração de trânsito o uso do contraditório, negando-lhe ampla defesa e inobservando o devido processo legal, previsto expressamente no CTB.
É verdade que, pelas mais diversas razões, vozes respeitáveis divergem do alcance da garantia à ampla defesa, compreendida no devido processo legal, principalmente no caso de imposição de multas. Por exemplo, invoco a lição de ODETE MEDAUAR (A processualidade no direito administrativo, n.° 40.2, p. 116, São Paulo, 1993):
Outra situação ensejadora de dúvidas quanto à anterioridade da defesa refere-se às multas de trânsito. Como assegurar defesa antes da fixação da multa? Fica evidente a inviabilidade de defesa prévia nessas ocasiões; a solução advém com a concessão de prazo adequado para que o administrado possa recorrer a multa e para que o órgão possa decidir antes do vencimento. Além do mais, deve ser facilitada ao máximo a compreensão do procedimento do recurso, para possibilitar o acesso amplo às suas vias.
Opinião análoga, sob a vigência do Código de Trânsito Brasileiro, externou ARNALDO RIZZARDO (Comentários ao código de trânsito brasileiro, pp. 705/706, São Paulo, 1998).
Como se percebe, a contraposição das tendências vem de longe; porém, com a devida vênia, nenhuma dificuldade há em assegurar a defesa antes da imposição da pena, como prevê o art. 2.° da Resolução 568/80 do CONTRAN.
Seja como for, a observância das garantias constitucionais representa salutar imperativo. É claro que, do ponto de vista da Administração, há implicações marginais: mais servidores, tempo e esforços serão necessários para aplicar as penalidades de trânsito. Essas razões não me parecem relevantes para elidir a ampla defesa.
Há que optar, inequivocamente, entre o respeito às garantias consagradas na Carta Política, e, principalmente, sua restauradora e progressista aplicação, ou claro reacionarismo em ignorá-las, buscando retorno à situação vigente antes de 1988. As garantias constitucionais me são muito caras. Através delas, do seu poderoso holofote, leio e interpreto a legislação ordinária, recusando-me a diminuir ou abastardar seu campo de incidência, pois me incumbe, sobretudo, observar a supremacia da Constituição.”
Este foi o posicionamento majoritário no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul inicialmente, contando com julgados assim ementados:
“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. CODIGO BRASILEIRO DE TRANSITO (CTB). INFRACAO DE TRANSITO. APLICACAO DE PENALIDADES SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL. MANDADO DE SEGURANCA. AUSENCIA DO CONTRADITORIO E DA AMPLA DEFESA. ILEGALIDADE DO ATO. CONCESSAO DA SEGURANCA NA ORIGEM. NAO-PROVIMENTO EM GRAU RECURSAL. É incabível notificação de infração de transito c/c notificação de penalidade aplicada sem a observância da defesa prévia, da ampla defesa e do contraditório; em suma, sem o devido processo legal, o que constitui razão bastante para justificar a concessão de liminar ou tutela antecipada parcial ao efeito de suspender a sua eficácia ate que a via ordinária decida sobre a sua anulação ou, veiculada a irresignação por mandado de segurança, a desconstituição das multas. Incidência e aplicação do artigo 5.°, LV, da CF-1988, do artigo 281, § único, II, do Código Brasileiro de Trânsito (CTB)e e da súmula 127 do STJ. Igual incidência da Lei n.º 9.784, de 29.01.1999 (DOU 01.02.1999 – art. 2º e 3º), que regula o processo administrativo. Apelação não provida. Sentença confirmada em reexame necessário. (Apelação e reexame necessário nº 70001611680, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: des. Wellington Pacheco Barros, julgado em 06/12/2000)”
Argumento a ser considerado, reside, ainda, na supressão de uma instância de julgamento, pois não haveria manifestação perante a autoridade julgadora do auto de infração.
A partir desta ótica, temos que o procedimento deve ter as seguintes feições;
1- Autuação
2- Notificação da autuação, que pode se proceder in loco ou pelo correio, neste último caso quando o infrator não possa ser autuado em flagrante ou quando a responsabilidade seja carreada a terceiros, como é o caso do proprietário.
3- Julgamento, pela autoridade competente, do auto de infração, com aplicação da penalidade cabível.
4- Nova notificação, via correio, constando a aplicação da penalidade, com abertura de prazo para apresentação de recurso junto à JARI.
De ressaltar que já assentou o Superior Tribunal de Justiça que nas notificações a ciência deve ser inequívoca, pena de invalidade:
“ADMINISTRATIVO. RENOVAÇÃO DE LICENÇA DE VEÍCULO. CONDICIONAMENTO AO PAGAMENTO DE MULTA CUJA NOTIFICAÇÃO DO CONDUTOR FOI PRESUMIDA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 127 DO STJ. 1. Em homenagem aos princípios da ampla defesa e do contraditório, deve ser inequívoco o conhecimento das notificações relativas a infrações de trânsito, não se mostrando razoável que o condutor ou proprietário do veículo tenha a obrigação de comprovar que não foi devidamente cientificado, cabendo essa demonstração aos órgãos de trânsito, estes cada vez mais aparelhados em sua estrutura funcional. 2. Recurso especial provido. (RESP 89116/SP DJ. Data:30/04/2001.pg:00128 Min. Paulo Gallotti. Segunda Turma)
4- PELA PRESCINDIBILIDADE
No lado posto, sufragam os corifeus da prescindibilidade da defesa prévia que se cuida de um ato meramente destinado ao controle interno o julgamento do auto de infração. Afirmam que somente será sindicada a conformidade formal do ato, não havendo espaço para oposição de matéria meritória.
Parte-se da premissa que a ampla defesa e o contraditório devem se conformar dentro do devido processo legal, que nada mais é do que o procedimento previsto em lei. Como o CTB regulou toda a matéria referente ao procedimento de trânsito, teria incidência o artigo 2º, parágrafo 1º, da LICC.
Quanto à supressão de uma instância de julgamento com contraditório, afirma-se que o duplo grau de jurisdição não é absoluto, e que seria possível o julgamento em única instância, mormente tratando-se de mero julgamento administrativo que poderá ser questionado perante o Judiciário. Neste escólio, coligem-se a título exemplificativo:
“DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO, DESCONSTITUIÇÃO DE MULTA. DIREITO DE DEFESA. LICENCIAMENTO DO VEÍCULO. O julgamento da consistência do auto de infração, preconizado no art. 281 da lei 9.503/97, relacionado com os aspectos formais do ato, não reclama o direito de prévia defesa e do contraditório, no rito próprio da lei de trânsito. Direito de defesa, sob a denominação de recurso, exercido a partir da notificação, independente do pagamento da multa, cujo vencimento visa a permitir o pagamento com o benefício da antecipação. Negativa de licenciamento com amparo legal, existência de infrações de trânsito, sem o pagamento das multas correspondentes, com a notificação do infrator. Apelação improvida. (Apelação Cível ° 70002188613. Terceira câmara cível. Des. Luiz ari Azambuja Ramos)
No voto do relator consta:
“Eminentes colegas. Meu voto é pelo desprovimento do apelo, confirmando a d. sentença por seus próprios fundamentos.
“…Com efeito, segundo reiterado entendimento deste órgão fracionário, o art. 281 da Lei 9.503/97 não prevê a oportunidade de defesa prévia ao infrator para o julgamento do auto de infração, ato que rigorosamente diz com os aspectos formais para notificação (“julgará a consistência do auto de infração“). O CTB estabelece um rito que lhe é próprio, em que a exigência está na notificação a que alude o art. 282, dando ciência da aplicação da multa e oferecendo, também, vantagem em antecipar o pagamento. Mas a prévia defesa, como condição para a lavratura do auto de infração ou para o julgamento de sua consistência (arts. 280 e 281), tem-se que a lei não a exige. Tal como ocorre, por exemplo, nas hipóteses de suspensão do direito de dirigir e para a cassação da CNH, onde assegurada a ampla defesa, como expressamente consigna o art. 265 do CTB.
Nessa linha de pensamento, unânime é a posição da Câmara, destacando-se os arestos assim ementados:
‘ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE SEGURANÇA. Não há que se falar em inconstitucionalidade na não concessão de defesa prévia no julgamento da consistência ou não do auto de infração, previsto no art. 281 da Lei 9.503/97, pela autoridade de trânsito, na esfera de sua competência. O art. 282 do mesmo diploma, de redação equivocada ou dúbia, dando margem à interposição de recursos com base na Resolução n.º 829, do CONTRAN, e nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, deve ser interpretado de forma sistemática e diversa, como expectativa de penalidade, com respeito às normas aludidas e a consectária concessão dos recursos pertinentes’ (ap. n.º 70000358077, 3ª CC, j. 23.3.2000, Rel. Des. Augusto Otávio Stern).
Mais.
‘Administrativo. Infração de trânsito. Direito de defesa. A apresentação da defesa, em face da notificação do auto de infração, suspende a exigibilidade da multa e de outras penalidades até que seja apreciada. Desta decisão que a apreciar cabe recurso administrativo. Não utilizado o direito de defesa, não se pode ter o procedimento da autoridade administrativa como irregular. Recurso desprovido ‘ (A. I. 70000523894, 3ª CC, j. 30.3.2000, Rel. Des. Perciano de Castilhos Bertoluci).
Ainda.
“Direito público não especificado – art. 273 do CPC – Ato administrativo – Presunção de legitimidade que não é afastada pela simples alegação de ilegalidade de multa de trânsito – Requisitos à antecipação da tutela não demonstrados nos autos – Alegados defeitos nos equipamentos eletrônicos de controle de velocidade e falta de sinalização adequada que não foram demonstrados ao ponto de permitir a aferição da verossimilhança preconizada no dispositivo antes citado – Argumentos relativos à falta de defesa e ausência do devido procedimento que não procedem – Negativa de licenciamento na pendência de multas devidamente comunicadas que não caracteriza abuso – Agravo improvido “ (A. I. 70000751181, 3ª j. 30.3.2000, Rel. Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco).
De resto, não há como acolher a tese do autor quanto ao julgamento da consistência do auto de infração, porquanto tal julgamento está previsto no art. 281 do CBT, cujo enunciado prevê o julgamento da consistência do auto de infração e aplicará a penalidade, sendo que, será arquivado e seu registro julgado insubsistente somente quando for considerado irregular ou inconsistente ou, não havendo expedição da notificação da autuação no prazo de 60 dias (parágrafo único do mesmo dispositivo legal). Assim, autuada pelo agente de trânsito, aplicada a penalidade pela autoridade competente detentora de atribuição legal, a notificação da autuação se deu com a homologação do auto, julgado consistente, nos termos do art. 281, caput, do CTB.
Por outro lado, demonstrado que o autor cometeu infrações de trânsito, decorre de lei a exigência de quitação de multas como condição para o licenciamento, que constitui ato obrigatório para trafegar em via pública. A ilegalidade do condicionamento de renovação de licença ao pagamento de multa, no entendimento antes da edição do CTB, na inteligência da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (verbete 127), ocorre quando o motorista infrator não foi notificado. In casu, evidencia-se a emissão de notificações, devidamente recebidas pelo autor, como informa a inicial à fl. 05. A presunção de cumprimento da lei, portanto, é indiscutível. Por isso, não há como descumprir-se o estabelecido na Lei 9.503/97, condicionando o licenciamento à quitação de todos os encargos relacionados ao veículo, inclusive procedentes de multa por infração de trânsito(art. 312, § 2º).
Ante o exposto, nego provimento à apelação”
Em outro julgado, vê-se a seguinte menta:
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DESCONSTITUTIVA. APLICAÇÃO DE PENALIDADES PELA SISTEMÁTICA DO NOVEL CÓDIGO DE TRÂNSITO. Não há que se falar em ilegalidade ou inconstitucionalidade na não concessão de defesa prévia no julgamento da consistência ou não do auto de infração, previsto no art. 281, da Lei nº 9.503/97, pela autoridade de trânsito, na esfera de sua competência. O art. 282 do mesmo diploma, de redação equivocada ou dúbia, dando margem à interposição de recursos com base na resolução nº 829, do CONTRAN, e nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, deve ser interpretado de forma sistemática e diversa, como expectativa de penalidade, com respeito às normas aludidas e a consectária concessão dos recursos pertinentes. Precedentes jurisprudenciais desta Terceira Câmara Cível. Demais alegações quanto à validade das multas igualmente descabidas, diante do conjunto probatório. Sentença de improcedência. Apelo improvido. (Apelação cível n° 70003120946. Terceira Câmara Cível. Des. Augusto Otávio Stern)”
No voto do relator consta:
“Eminentes Colegas. Encaminho voto pelo improvimento do recurso de apelação interposto. A matéria é bastante conhecida desta Câmara, por força dos inúmeros processos que aqui têm chegado, e que versam sobre o tema.Possuo entendimento firmado, consubstanciado no seguinte raciocínio. Gravita a questão em torno da necessidade de oportunizar-se ao autuado prazo para oferecimento de defesa prévia em caso de eventual prática de infração de trânsito, após o julgamento da consistência ou não da infração (art. 281 do CTB).
Realmente, como bem salientado pelo eminente Dr. Eduardo Roth Dalcin, Procurador de Justiça que atua junto a esta Câmara, há omissões legislativas graves na disciplina e nas disposições de defesa no Código Brasileiro de Trânsito. Tais imperfeições surgiram de uma rapidez desnecessária, confundida com dinamismo, na edição de leis neste país.
O processo legislativo brasileiro, rende-se, em várias oportunidades, a fatos polêmicos ocorridos no seio da sociedade naquele momento, sob pressão intermitente e por vezes inoportuna da imprensa, conduzindo a uma sucessão, dia após dia, de leis mal redigidas, mal elaboradas e eivadas de inconstitucionalidades. O dever do legislador é elaborar leis que dêem segurança jurídica aos cidadãos em determinado momento histórico. As leis devem surgir em um plano abstrato para incidirem no caso concreto e não embasadas em fatos já ocorridos, isto com o intuito de irradiação de eficácia para casos similares aos que determinaram sua criação. As soluções para tais equívocos devem ser buscadas junto ao Poder Judiciário, seara última para que se corrija, ou se tente corrigir, as distorções e imperfeições decorrentes deste manancial legislativo.
Voltando-se à questão em análise, vê-se que as Seções I e II, do Capítulo XVIII, da Lei nº 9.503/97, disciplinam o processo administrativo. O art. 280 refere que sua deflagração ocorre com a lavratura do auto de infração, quando, se possível, deverá ser colhida a assinatura do infrator, valendo esta como notificação do cometimento da infração (art. 280, VI). O parágrafo 2º refere que a infração deverá ser comprovada, dentre outras hipóteses, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual.
A seguir a autoridade de trânsito, com fundamento no artigo 281, e seu parágrafo único, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível e o auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Dispõem, ainda, os incisos I e II do referido parágrafo único, que o arquivamento ocorrerá quando o auto de infração for considerado inconsistente ou irregular, bem assim se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
O art. 282 continua: “Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade”.
Ao depois, no art. 285, o CTB prevê o recurso da aplicação da penalidade, que deverá ser julgado pela JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações), no prazo de trinta dias.
Apesar das imperfeições já referidas e dos defeitos que a Lei 9.503/97 inegavelmente possui, a possibilidade de defesa existiu no caso concreto.
Data vênia do entendimento contrário, entendo que a cientificação da infração enviada pelo correio, com a concessão de prazo para recorrer – 30 dias -, obedece ao princípio constitucional da ampla defesa. Ao proceder o envio do auto de infração ao impetrante, a autoridade coatora não lhe cerceou a defesa, conforme referido na inicial, eis que a data de vencimento ali contida é apenas o prazo dado ao infrator para, caso seja de seu interesse, pague o documento com 20% de desconto, conforme preceitua o CTB, em seu art. 284. A data ali prevista não é a do efetivo vencimento da multa, somente exigível quando for licenciado o veículo, juntamente com os demais encargos – IPVA, seguro obrigatório e licenciamento.
Indubitavelmente o art. 281 do CTB foi mal redigido. Sob meu enfoque, entretanto, inexiste o alegado cerceamento de defesa quando refere caber à autoridade de trânsito, dentro de sua circunscrição, o julgamento da consistência do auto de infração. Tal consistência diz com aspectos formais da notificação. Percebe-se que deverão constar em tal auto, os requisitos contidos nos incisos I a V – se possível o VI -, e quando tratar-se de auto inconsistente ou irregular ou não restar expedida a notificação da autuação no prazo de trinta dias, restará arquivado.
O art. 281 não prevê seja oportunizada defesa prévia ao infrator da decisão que julgar consistente o auto de infração. Nem tal medida contraria, ao meu sentir, os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório. Presente, aqui, apenas a discricionariedade que deve reger todos os atos administrativos, descabendo o oferecimento de defesa prévia ao infrator para análise da consistência ou não do auto de infração – tarefa que cabe à autoridade de trânsito, segundo a regra do próprio CTB – possibilitadas ao infrator duas ocasiões para apresentação de recursos (artigos 285 e 288).
O CTB não exigiu e não exige a formalização de processo administrativo para confecção do auto de infração e exame de sua procedência, pois, em verdade, trata-se de mero procedimento.
A regra insculpida no artigo é mero instituto procedimental.
Tal entendimento de parte do infrator levaria ao cúmulo de exigir-se, no momento em que é autuado, o contraditório e a ampla defesa, isso porque está sofrendo uma imposição estatal que lhe é assinalada com todos os dados a infração cometida.
A autoridade administrativa age de ofício em casos tais e na exata observância das normas do CTB.
Ao ocaso, cumpre enfatizar que o art. 282 ao referir “Aplicada a penalidade…”, está grafado de forma equivocada. Tal equívoco vem trazendo grandes transtornos, em cotejo, ainda, com que dispõe a Resolução nº 829, do CONTRAN, que reza em seu artigo 1º: “O ato administrativo punitivo relativo à prática infracional de trânsito, precedido de ações que tenham assegurado ao infrator o exercício da defesa prévia, se efetiva a partir do momento em que, comprovadamente, se deu ciência ao apenado”.
Tal confusão é feita porque ao referir que, …aplicada a penalidade…, o CTB dá margem à discussão acerca da concessão ou não de defesa ao infrator, com base na Resolução suso referida e nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Entretanto, a penalidade ainda não foi aplicada. Ela tão-somente tem expectativa de sê-lo, caso julgado improcedentes os recursos previstos no artigos 285 e 288 do CTB. O vencimento constante na guia, consoante já referido, diz apenas com o desconto facultativo oferecido ao infrator, caso deseje pagar até a data ali aposta.
Caso o infrator pague o valor com desconto, recorra e ao recurso seja dado provimento, lhe assiste o direito à devolução do valor pago (art. 286, § 2º, do CTB), atualizado em UFIR ou por índice legal de correção dos débitos fiscais.
À evidência, que uma leitura mais açodada das disposições do Código de Trânsito Brasileiro pode levar e conduzir a uma conclusão tal como posta na peça preambular da ação, visualizando-se efetivo descumprimento do postulado constitucional da ampla e prévia defesa. Todavia, repito por necessário, todas as normas encartadas na legislação de trânsito desafiam uma interpretação sistemática em razão da especificidade da matéria e da própria aplicação do aparato estatal regulador dessas relações. Não se olvide, à evidência, que o simples fato de recebimento de auto de infração, documento que identifica o infrator e a transgressão cometida, não afasta a possibilidade de defesa. A idéia de que está banida a discussão da imposição administrativa deve ser afastada por completo. A defesa a que refiro é aquela ampla e geral, inclusive com o pleno contraditório, que será exercida ou não pelo interessado.
Entendo que aquela primeira verificação do auto de infração, aludida no caput e no parágrafo único do artigo 281, nada mais é do que a manifestação administrativa da regularidade formal da autuação levada a efeito. Somente isso, porquanto, se não observados os requisitos de lei, o próprio agente administrativo poderá e deverá, independentemente de defesa, determinar o arquivamento do auto de infração e seu registro ser julgado insubsistente, consoante a exata dicção dos incisos I e II do referido Parágrafo único. Do exposto, a expressão julgará (grifei), contida no artigo 281, caput, nada mais é do que uma imprecisão terminológica que deve ser interpretada à luz das demais disposições do CTB, até porque toda e qualquer matéria de defesa, inclusive aquela dos incisos I e II do parágrafo único, poderá se objeto de manejo e sustentação no momento próprio, qual seja, aquele dos artigos 285 e 286.
Peço vênia para transcrever, nesta oportunidade, manifestação da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Ana Lartigau, neste fanal:
“O Código Brasileiro de Trânsito disciplinando o tráfego no País, estabeleceu um rito que lhe é próprio e que não fere as garantias constitucionais referidas, eis que possibilita ao condutor defender-se, previamente, no prazo da notificação e, também, possibilita, após a análise dessas razões, novo exame pelo órgão administrativo, por meio do recurso previsto no art. 288 do CTB, agora em segunda instância de julgamento.
“A denominação dada pelo CTB à primeira defesa do condutor – recurso – não retira sua natureza de defesa prévia, a qual, julgada, poderá ser revista por órgão superior, mediante, agora, sim, recurso do interessado.
“As alegações dos agravantes, na inicial e na peça de agravo, portanto, fundando-se única e exclusivamente na ausência de obediência ao contraditório e à ampla defesa, não configuram o primeiro requisito exigido para concessão da liminar – a verossimilhança da alegação – eis que não têm o condão de levar os agravantes ao sucesso na demanda principal.”
Quanto a questão, levantada pelo recorrente, concernente à validade das multas, igualmente não procede. O autor sustenta a existência de imperfeições no preenchimento do auto de infração. Contudo, não comprova sua afirmação, limitando-se a informar que o veículo multado não estava estacionado em faixa de pedestre, pela inexistência da aludida sinalização na via determinada no auto. Sequer há prova documental (p. ex. fotografia) nos autos que demonstre a veracidade das alegações do autor. Ademais, instada a produzir provas (fl.92) a parte deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação. Relativamente a infração prevista no art. 239, o documento de fl. 19 demonstra que o veículo foi devidamente apreendido pelo respectivo “Auto de Retirada de Veículo de Circulação”.
Voto, destarte, pelo improvimento do recurso de apelação interposto.”
5-DIREITO DE DEFESA PRÉVIA: IMPRESCINDÍVEL OU NÃO? NOSSA POSIÇÃO.
Tenho para mim que o direito de defesa prévia é prescindível. Para tanto concluir, propugno uma interpretação contextualizada e sistemática dos dispositivos em questão, buscando dimensionar o alcance do direitos subjetivos constitucionais a um vetor de razoabilidade.
A invocação das autorizadas vozes da doutrina e de textos constitucionais, e sua aplicação descontextualizada cria argumentos que impressionam, mas que não servem ao caso concreto. O discurso jurídico é um discurso eminentemente “monológico”, ou seja, que sustenta a si mesmo(1). Mas o hermeneuta mais atento sabe que este discurso pode ser extremamente enganador, porquanto dissociado da realidade.
Devemos compreender cada norma dentro de sua finalidade, pois a matriz hermenêutica a ser aplica varia de acordo com o ramo do Direito, com a norma e com sua finalidade. O trânsito mata anualmente no Brasil algo em torno de 55 mil pessoas. Isto eqüivale a dez anos de morte de soldados norte-americanos no conflito do Vietnã. O número de feridos é pelo menos quatro vezes maior.
O prejuízo moral e emocional para as famílias é incomensurável. O prejuízo econômico para a sociedade é gigantesco: força de trabalho inativa, benefícios previdenciários, assistência médica e hospitalar, reabilitação. Enfim, o quadro revela a necessidade de medidas imediatas.
Foi para atuar neste quadro que surgiu o CTB, buscando dar uma pronta e dura resposta à barbárie do trânsito e para tanto, criou-se um procedimento que prima pela celeridade e pela simplicidade, sem ofender os cânones constitucionais. Mas evidentemente os infratores, acostumados com a impunidade, buscam furtar-se com invocação de filigranas formais.
Neste contesto, devem os magistrados estar atentos para a finalidade da lei, para a sua teleologia, para aquilo que razoavelmente se pode lhe imputar como método, como sistema. O CTB, na tentativa de propiciar um processo célere evidentemente não previu defesa prévia, e no seu silêncio, as resoluções costumeiramente invocadas para alicerçar a teoria da necessidade de uma defesa prévia discrepam desta nova mentalidade. Ora, se em processos penais há medidas inaudita altera pars, porque tal não seria possível no âmbito de um procedimento confessadamente célere e ágil? Para que defesa prévia para manifestar-se sobre um julgamento que será meramente homologatório, visando a aspectos formais?
O apego a filigranas formais, veiculadas na senda de uma argumentação que se utiliza de generalizações e olvida o campo em que se opera, tem servido de panacéia para os infratores, aqueles mesmos que estão por trás das 50.000 mil mortes e sabe-se lá que número de feridos, que carregarão seqüelas pelo resto de sua existência.
O magistrado deve compreender este quadro e procurar sopesar a formalidade do procedimento em vista dele. Deve compreender e interpretar o silêncio do CTB em relação à defesa prévia atento a esta premissa, pena de tornar o CTB letra morta. A respeito, mister a transcrição de voto do Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal, proferido na Apelação Cível nº 70001598077, da Primeira Câmara Cível:
“ Face às recentes inovações trazidas pelo Código Brasileiro de Trânsito, onde as penalidades passaram a ser punidas de forma bastante mais severa, em comparação com as normas anteriores, e o procedimento de apuração e julgamento das mesmas, sofre modificações, crescente é o número de recursos contra decisões administrativas.
É certo que tais inconformidades originam-se em grande parte, da normal adaptação dos condutores e autoridades de trânsito. Estes, incorrendo em erros comumente ocorrentes quando os procedimentos adotados em relação a determinados fatos, passam por modificações, aqueles, face à cultura da impunidade e falta de mecanismos de fiscalização.
(…)
São inúmeros os casos trazidos aos Tribunais , após a edição dos novos dispositivos pertinentes à regulamentação do trânsito, no sentido de atacar os procedimentos administrativos que tolhem o princípio da ampla defesa, vez que a principal alegação reside no fato de que são aplicadas penalidades para, em segundo momento, conceder o prazo pertinente à dedução das inconformidades e justificações, visando a anulação de multas.
Com o passar do tempo, outros argumentos são criados, ainda mais quando, à exemplo da queixa dos infratores de que estaria crescendo a assim chamada ‘ indústria de aplicação de multas’, com fins meramente arrecadatórios, em contrapartida crescem também mecanismos especializados em combatê-las, donde fluem argumentos e mais argumentos.
Aliás, esta linha de argumentação é pobre, uma vez que em todos os casos trazidos à apreciação desta Corte, assim como nas demais Câmaras com competência para julgamento destas demandas, nunca se alega que não foi cometida a infração. Não.
Os demandantes, imbuídos em parte pelas fortes campanhas veiculadas irresponsavelmente em todos os veículos de comunicação, passam a acreditar em fórmulas milagrosas de deixar de pagar multas que lhes são imputadas , quando o único meio que hodiernamente se tem notícia, é o cumprimento das determinações do CTB.
Todavia, conforme salientei acima, houve por certo, um endurecimento, uma postura mais agressiva do Poder Público com relação à matéria do trânsito, culminando com a edição do CTB, de modo que a avalanche de ações no sentido de anular os autos de infração decorre mais da aflição e incômodo provocados pelas pesadas multas, do que em face das formalidades adotadas na sua cobrança.
Ora, é claro que dezenas de profissionais, vislumbrando o filão que ora se abre, referendado muitas vezes, e aqui deve ser feita a ‘mea culpa’, pelos Órgãos Judiciários que ainda aceitam as teses de ausência de oportunidade para a defesa, pensando e repassando os dispositivos do CTB, terminam por encontrar, ou inventar, teses com o fito de evitar a cobrança das multas (2).
No entanto, esta nova legislação, em que pese leonina, trás à tona a intolerância e a falta de preparo da maioria dos motoristas que transitam pelas ruas das cidades, e o resultante descontrole destes ante às pesadas penalidades, a que não estavam acostumados, e que, com o tempo, certamente os levará a entender como normal trafegar nas velocidades limite, ou usar o cinto, entre outros(3). Talvez a próxima geração cresça acostumada a veja com olhos de cidadão a nova legislação, ao invés de formular teses de todo o gênero na busca da nulificação dos procedimentos levados a efeito pelas autoridades de trânsito.
Por certo, em havendo sido cometida a infração, pois derivada de ato contrário à lei de trânsito, lei esta que, ao que consta, encontra-se plenamente em vigor, e em sendo detectada a ilegalidade, a aplicação da multa é, como na física, ‘ ação e reação’, o conseqüente.
O sistema de direito instituído sobre as bases do princípio da legalidade reclama acatamento às leis.
Em suma, o que se tem é um abuso no uso dos mecanismos jurídicos no intento de, por diversas formas, sair do seu campo de alcance ( multas), quando o normal e esperado seria o pagamento das penalidades- visto que nunca se alega o não cometimento das infrações, e sim os mecanismos burocráticos de sua operacionalização- pagamento este a ser efetivado por certo quando esgotados os recursos cabíveis(4)”.
A tônica do processo ( ou procedimento administrativo) é o informalismo, Mais se encarece, assim, a necessidade de efetivo prejuízo para caracterizar uma nulidade
Odete Medauar, ao tratar do princípio do formalismo moderado, o qual rege o procedimento administrativo (in Direito Administrativo Moderno. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1996. p. 198) preleciona que:
“Na doutrina é citado também com o nome de princípio do informalismo. Porém não parece correta esta última expressão porque dá a entender que não há ritos e formas no processo administrativo. Há ritos e formas inerentes a todo procedimento. Na verdade, o princípio do formalismo moderado consiste, em primeiro lugar, na previsão de ritos e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa. Em segundo lugar, se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto às formas, para evitar que estas sejam vistas como fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo.” (grifamos)
Merece ainda seja transcrito trecho da lição de Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed., Ed. Malheiros, p. 565):
“O processo administrativo, embora adstrito a certos atos, não tem os rigores rituais dos procedimentos judiciais, bastando que, dentro do princípio do informalismo, atenda às normas pertinentes do órgão processante…”
Saliente-se, igualmente, que a teoria das nulidades está relacionada ao prejuízo. Como estamos nos reportando a um processo administrativo, é imperioso considerarmos a natureza das normas processuais e o reflexo desta natureza sobre a disciplina das nulidades.
A moderna doutrina processual constrói a teoria do processo à luz de uma Teoria Geral do Processo, englobando os processos judiciais e administrativos, com base no conceito de que o processo é o procedimento em contraditório(5). Por outro lado, abandonado o conceito carnelutiano de que o processo só se destina à composição de lides, erigi-se uma nova corrente de pensamento que preconiza o processo para o Estado Social de Direito em que vivemos, observando o princípio maior da efetividade da jurisdição, insculpido no artigo 5º, inc. XXXV, da CF/88.
Esta corrente é denominada Instrumentalista e ilumina as reformas no processo civil recentemente ocorridas. Busca-se através desta visão reconhecer uma verdadeira instrumentalidade do processo, cujo escopo é garantir uma jurisdição mais efetiva, ou seja mais acorde com as expectativas dos jurisdicionados.
Nesta contingência, mais se repelem fetichismos formalistas que vislumbram no processo um fim em si mesmo. O processo é meio, e a forma guarnece um fim determinado. Logo, atingido este fim, não se há falar em nulidade. Mais se reforça a incidência do princípio da instrumentalidade das formas, baseando-se as nulidades na existência de prejuízo e na observância da preclusão, sem o que não se decretarão nulidades.
A respeito a doutrina preconiza nas autorizadas vozes de Cândido Rangel Dinamarco:
“O princípio da instrumentalidade das formas, de que já se falou, quer que só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido ( o que interessa, a final, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo. Várias são suas manifestações na lei processual, e pode-se dizer que esse princípio coincide com a regra pas de nullité sans grief.
Tal princípio, formulado legislativamente nesses mesmos termos no direito francês, está presente nos códigos brasileiros: a) mediante expressa referencia ao prejuízo como requisito para a anulação ( CPP, art. 563; CPC, art 249, § 1º); b) estatuindo a lei que a consecução do objetivo visado pela determinação da forma processual faz com que o ato seja válido ainda que praticado contra a exigência legal ( CPC, art. 244).”(6)
Ovídio Baptista da Silva
“As nulidades, mesmo absolutas, não escapam à incidência dos princípios da finalidade e do princípio do prejuízo. E o exemplo mais declinado é o da citação nula: efetivada esta em desconformidade com as prescrições legais, será absolutamente nula; mas se o réu comparecer tempestivamente e contesta, a nulidade não deverá ser pronunciada, pois o ato, mesmo viciado ,a tingiu a finalidade e não causou prejuízo. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já decidiu, em acórdão de que foi relator o Des. Milton dos Santos Martins, pelo afastamento da nulidade absoluta decorrente da ausência de intervenção do Ministério Público em causa na qual era parte a Fazenda Pública, por inexistir prejuízo.
Subjaz a estes dois princípios o da intrumentalidade das formas, que implica não se impor a forma pela forma, mas como instrumento para atingir-se o fim.”(7)
As observações acima referidas foram feitas para o processo judicial, muito mais formalista do que o processo administrativo, porquanto este último sempre terá no processo judicial uma forma de controle. Logo, com sobejas razões aplicam-se ao processo administrativo.
Pertinente citar, mais uma vez, o princípio da informalidade, que preside o processo administrativo na voz da doutrina de Hely Lopes Meirelles:
” O princípio do informalismo dispensa ritos sacramentais e formas rígidas para o processo administrativo, principalmente para os atos a cargo do particular. Bastam as formalidades estritamente necessárias à obtenção da certeza jurídica e à segurança procedimental…
Realmente, o processo administrativo deve ser simples, despido de exigências formais excessivas, tanto mais que a defesa pode ficar a cargo do próprio administrado, nem sempre familiarizado com os meandros processuais.”(8)
Do que deflui dos pronunciamentos e dos dispositivos referidos, verificamos que deve estar impreterivelmente presente o prejuízo para que se decrete nulidade. No caso de ausência de defesa prévia nada impede sua veiculação junto à JARI, havendo recurso, ainda, para o CETRAN, afastando a pecha de um julgamento de instância única. .
Como lembra Celso Ribeiro Bastos, com singular felicidade:
“Portanto, a ampla defesa não é aquela satisfatória segundo os critérios do réu, mas sim aquela que satisfaz a exigência do Juízo”(9).
Na jurisprudência, a necessidade de prejuízo encontra plena acolhida, como se pode vislumbrar nos julgados seguintes:
Do Supremo Tribunal Federal:
“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PENALIDADE DE CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E POR APLICAÇÃO IRREGULAR DE DINHEIROS PÚBLICOS. – Inexistência de nulidade do processo dirigido pela nova comissão processante, porquanto, além de não haver ofensa ao artigo 169 da Lei 8.112/90, não houve prejuízo para a impetrante. – Improcedência da alegação de ocorrência de prescrição. Interpretação da fluência do prazo de prescrição na hipótese de ser interrompido o seu curso (artigo 142, I e §§ 3º e 4º, da Lei 8.112/90). – Falta de demonstração da alegação vaga de cerceamento de defesa. – A alegação de que as imputações à impetrante são inconsistentes e não foram provadas, demanda reexame de elementos probatórios, o que não pode ser feito no âmbito estreito do mandado de segurança. – Inexistência do “bis in idem” pela circunstância de, pelos mesmos fatos, terem sido aplicadas a pena de multa pelo Tribunal de Contas da União e a pena de cassação da aposentadoria pela Administração. Independência das instâncias. Não aplicação ao caso da súmula 19 desta Corte. – Improcedência da alegação de que a pena de cassação da aposentadoria é inconstitucional por violar o ato jurídico perfeito. – Improcedência da alegação de incompetência do Ministro de Estado da Educação e do Desporto.” (Mandado de segurança denegado. ms-22728. DJ data-13-11-98 pp-00005 ementa vol-01931-01 pp-00150. 22/01/1998 – Tribunal Pleno. Min. Moreira Alves)
Do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INQUÉRITO DISCIPLINAR. EFEITO SUSPENSIVO. INVERSÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PREJUÍZO. INOCORRÊNCIA. “Portaria de instauração. Nulidade. Inexistência. – Em tema de nulidade no processo civil, o princípio fundamental que norteia o sistema preconiza que para o reconhecimento da nulidade do ato processual é necessário que se demonstre, de modo objetivo, os prejuízos conseqüentes, com influência no direito material e reflexo na decisão da causa. -Eventual irregularidade no curso do procedimento administrativo disciplinar, sem a prova de influência no indiciamento do servidor público, não tem relevância jurídica. – A instauração do processo disciplinar é efetuada mediante ato da autoridade administrativa em face de irregularidades funcionais praticadas pelo servidor público, o qual deve conter a descrição e qualificação dos fatos, a acusação imputada e seu enquadramento legal, além da indicação dos integrantes da Comissão de Inquérito. – O inquérito administrativo disciplinar instaurado para apuração da prática de ilícito administrativo mediante Portaria que contém a descrição dos fatos imputados ao servidor público não contém vício de nulidade. – Recurso especial não conhecido. (Resp 182564/PR ; (1998/0053557-8) DJ data:26/06/2000 pg:00207. Sexta Turma. Min Vicente Leal)”
Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“ADMINISTRATIVO. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CONTRA SERVIDOR POR HAVER PRATICADO INFRAÇÕES NO EXERCÍCIO DO CARGO. LEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. 1. Não tem consistência factica a alegação de cerceamento de defesa, quando o acusado de irregularidade ou falta administrativa afirma, ao depor, na presença do próprio advogado, que tinha pleno conhecimento dos fatos que lhe eram imputados e das provas constantes do processo, e acompanha, pari passu, todos os atos do procedimento administrativo, desde as inspeções ao encerramento da instrução do inquérito, reportando-se nas diversas manifestações de defesa a cada um dos fatos faltosos e dando-lhes a sua versão, o que demonstra cabal conhecimento deles, compulsão dos autos e amplo exercício de defesa. 2. Não se decreta nulidade em processo administrativo, quando o argüente não demonstra de forma cabal o prejuízo efetivo sofrido. (Segurança denegada. (28 fls) (Mse nº 598138089, Tribunal Pleno, TJRS, relator: des. Celeste Vicente Rovani, julgado em 31/05/1999)”
Há de prevalecer a presunção de legitimidade dos atos administrativos. Na jurisprudência, observe-se o teor do seguinte aresto:
“MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. PODER DISCRICIONÁRIO. BENEFICIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIARIA GRATUITA. PESSOA JUÍIDICA. Os atos administrativos gozam da presunção de legalidade e legitimidade, cabendo àquele que se achar lesado comprovar que está dito ato eivado de vício, o que o tornaria ilegítimo. Além do mais esta dita autoridade investida do poder discricionário de praticar o ato. A discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a administração em praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais conveniente ao interesse público. No caso concreto, a impetrante esta buscando cobrar dívida particular via ação de mandado de segurança, o que é, a evidencia, inviável, de vez que esta ação não e substitutiva de ação de cobrança, segundo disposto na sumula n-269. Só fazem jus ao beneficio da AJG quem comprove efetivamente que não pode arcar com as despesas do processo, sem colocar em risco a sua própria subsistência, o que não e o caso da empresa jurídica que, expressamente, postulou pagamento de custas a final por estar momentaneamente atravessando problemas financeiros. Mandado de Segurança denegado. Apelo provido. Beneficio da AJG afastado. (Apc nº 597267566, Segunda Câmara Cível, TJRS, relator: des. Teresinha de Oliveira Silva, julgado em 09/09/1998)”
Desta forma, nada justifica que por apego a mero formalismo, se descure da natureza que o CTB quis imprimir ao processo de aplicação de penalidades de trânsito, o que contribui para solapar a eficácia do novo diploma.
6- CONCLUSÕES
A interpretação e aplicação do direito devem se fazer através da utilização de um método multidisciplinar, e, sobretudo, pela consideração dos efeitos concretos dos comandos sentenciais no mundo empírico. A inteligente interpretação e aplicação da lei é aquela que conduz aos resultados práticos que se espera dela.
Concluir que ainda seja necessária uma defesa prévia que irá somente procrastinar o procedimento de aplicação das penalidade de trânsito, implica aumentar a burocracia e a morosidade que o CTB quis banir.
O direito à ampla defesa e ao contraditório não são direitos ilimitados. Comportam limitações na medida em que deixem de atender sua função institucional. É preciso fazer uma opção entre prestigiar a utilidade prática da lei ou resguardar uma aplicação duvidosa dos cânones constitucionais. Duvidosa porque não me parece que periclite o direito a uma defesa ampla em sentido material com a supressão da defesa prévia neste caso.
Tudo o que pode ser argüido por ocasião de uma impugnação a um auto de infração pode ser alegado em recurso perante a JARI. Sem prejuízo não há nulidade a ser decretada.
Desta forma, embora seja recomendável por comodidade que se defira a defesa prévia até para que se acabe com este argumento em prol do infrator, o fato é que não há base legal, dentro de uma interpretação razoável, para se nulificar procedimentos por falta de defesa prévia, pois se fosse sempre imprescindível a manifestação do atingido, então as liminares antecipatórias e cautelares concedidas inaudita alter pars seriam todas inconstitucionais. Logo, é possível o diferimento do contraditório.
Assim, em que pesem as iminentes vozes em sentido contrário, creio prescindível a defesa prévia no procedimento de trânsito.
Notas de Fim
[1] A expressão é de Warat, citado por Lênio Streck.
2 No presente caso, ad exmplum, a tese do autor de que ainda quando há assinatura do auto de infração seria necessária mais contra texto de lei, sua notificação formal, como e a assinatura não valesse como tal
3 Ou regularizar os documentos acrescentemos nós.
4 Que o autor não utilizou.
5 O conceito é de Fallazari e vem referido profundamente na preciosa monografia de Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, editada pela Malheiros. Ver, ainda Teoria Geral do Processo, 13ª ed, Malheiros, do mesmo Dinamarco em parceria com Ada Pelegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra, p. 227.
6 Op ult cit, p. 349.
7 Ovídio Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes, Teoria Geral do Processo Civil, RT,1997, p. 230.
8 Direito Administrativo Brasileiro, 17ª ed, 1992, p. 587
9 Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1997, p. 227.