João Paulo Rossi
Assessor jurídico do SECOVI-SP – Sindicato da habitação, especialista em direito civil pela ESA OAB – SP e mestrando em direito civil pela PUC – SP – jprp@adv.oabsp.org.br
Ao contrário do que disse certa feita um famoso Professor1, o ora denominado condomínio edilício é um campo fértil para o surgimento de problemas. Daí talvez se explique a bem humorada frase dita por alguns, de que não se trata de realmente de condomínio, mas sim de “condemônio”.
Pois bem, o legislador do novo Código Civil (Lei n° 10.406/02), atento à questão, buscou dar ao condomínio alguns expedientes para o seu efetivo controle. Consta dos arts. 1.336 e 1.337 do novel Diploma uma escala crescente de multas pecuniárias que poderão ser aplicadas aos infratores das normas condominiais, começando pelas multas previstas na própria Convenção (art. 1.336, § 2°), passando pela multa de até 5 (cinco) vezes o rateio condominial, pela reiteração destas infrações (art. 1.337, caput) e culminando na multa de até 10 (dez) aplicável à situação tema do presente trabalho.
E a primeira observação que merece ser feita é a de que não se verifica em momento algum que o novo Código Civil tenha permitido que o condomínio exclua ou despeje o condômino anti-social. Ainda que tal medida fosse recomendada pela melhor doutrina existente sobre a matéria (J. Nascimento Franco2, João Batista Lopes3 e Maria Regina Pagetti Moran4), a mesma não foi abraçada pela letra da lei. O legislador optou pelo tradicional controle mediante a imposição de multas pecuniárias. A propósito, disse com muita sensatez em tom de desabafo o saudoso Biasi Ruggiero que:
O suplício imposto aos moradores pelo mau uso, sobretudo quando convivem com vizinhos nocivos, escandalosos, imorais, barulhentos, desrespeitosos e loucos, vai continuar, se esse mau vizinho for rico. Em todos os países que cultivam o respeito ao se humano, sobrepujando-o ao da santíssima propriedade, o morador de conduta nociva é desalojado, seja ele proprietário ou não. O projeto foi sensível ao problema, mas adotou solução elitista: o condômino, ou possuidor, que, por causa do seu reiterado comportamento anti-social, tornar insuportável a moradia dos demais possuidores ou a convivência com eles poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo de suas contribuições. Então, aquela ‘insuportável convivência’, ditada pelo reiterado comportamento anti-social, passará a ser suportável, com o pagamento do décuplo das contribuições condominiais. Assim, a suportabilidade ou insuportabilidade será uma questão de preço. A multa tornará suportável o que era insuportável.5
Sabendo que a hipótese de exclusão não foi adotada pelo novo Código, caberia dizer então, o que será possível fazer, ou seja, como um síndico poderá enquadrar e multar um condômino que adota comportamento anti-social.
O legislador do novo Código Civil foi prolixo em utilizar as chamadas cláusulas abertas, isto é, termos vagos e abstratos que demandarão construção doutrinária e jurisprudencial que delineie seu real significado e delimite sua extensão.
E o art. 1.337 do novo Código Civil é recheado de cláusulas abertas: “reiteradamente”, “gravidade das faltas”, “reiterado comportamento anti-social”, “incompatibilidade de convivência”.
Examinando especificamente o art. 1.337, parágrafo único, do novo Código Civil, conclui-se que o dispositivo faculta que o síndico aplique multa ao condômino ou ao possuidor de reiterado comportamento anti-social, limitada a 10 (dez) vezes o valor da contribuição das despesas condominiais, independentemente de sua previsão na Convenção ou de prévia deliberação assemblear dos demais condôminos. A medida tem caráter excepcional, devendo ser utilizada com muita cautela e ponderação, apenas quando presente situação de extrema gravidade no âmbito do condomínio, em que haja urgência da repressão para se preservar a vida, a integridade física ou assegurar a convivência comum. Da análise de tais características, fica claro que a multa do art. 1.337, parágrafo único, do novo Código Civil não se presta ao controle da inadimplência.
Vale frisar, não basta que a conduta seja “anti-social”, isto é, hábil a causar profundo desgosto, mal-estar ou constrangimento coletivo. Além disso, deve haver uma reiteração da prática faltosa.
Finalizando, como exemplos podem ser relacionados: alterações estruturais amplas, idôneas a colocar em risco a saúde da edificação e segurança de seus habitantes; manutenção de casa de tolerância na unidade autônoma; atentado violento ao pudor; deficiência mental que traga riscos aos condôminos; vida sexual escandalosa; exercício de atividade profissional nociva em imóvel residencial; república de estudantes; superuso da unidade autônoma; toxicomania; brigas ruidosas e constantes; guarda de animais em condições incompatíveis com a habitação humana etc.
Notas
1 RODRIGUES, Sílvio. Reflexões sobre o condomínio geral e em edifícios. São Paulo, 1951. Dissertação (Concurso para a livre docência de Direito Civil). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. p. 85-86.
2 FRANCO, João Nascimento. Condomínio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 182-186.
3 LOPES, João Batista. Condomínio. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 143-144.
4 MORAN, Maria Regina Pagetti. Exclusão do condômino nocivo nos condomínios em edifícios: Teoria, prática e jurisprudência. Leme: LED Editora de Direito, 1996, p. 337-339.
5 RUGGIERO, Antonio Biasi. Questões imobiliárias. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 90.