DIREITO PENAL E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Autor:Dr. Leonardo Rocha de Faria *

l. Meio ambiente e a nova concepção ética; 2. Breve histórico da evolução da legislação penal ambiental brasileira; 3. Tutela penal do meio ambiente; 4. Aspectos da lei n° 9.605/98; 5. As normas penais ambientais; 6. A responsabilização da pessoa jurídica por crimes ambientais; 7. A aplicação das sanções penais ambientais.

1. A NOVA CONCEPÇÃO ÉTICA DA TUTELA AO MEIO AMBIENTE

Meio ambiente é tudo o que nos cerca. Na definição de TOURINHO NETO[1] constitui o meio ambiente “um conjunto em que o homem está inserido, dele dependendo para sobreviver biológica, espiritual e socialmente”.

Inevitável é que alguns questionem o porquê da proteção ao meio ambiente, ou, qual o motivo do empenho do legislador ao elaborar normas penais que venham a tutelar o tão defendido bem jurídico em questão. Busca-se resguardar o ambiente para o próprio beneficio do homem, para se alcançar uma boa qualidade de vida, ou seja, proteger-se o ecossistema para a garantia da própria sobrevivência humana na Terra. Não se defende o bem jurídico porque está na moda, porque é politicamente correto, mas para a sobrevivência e bem-estar do homem, pois, sem ele, o homem não pode viver.

Aos poucos vem sendo inserida no contexto da proteção ao meio ambiente a questão da ética ambiental, que é uma ciência da moral e pode ser definida como a “teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”.[2] Essa nova ética vem surgindo e ganhando forças no que diz respeito ao trato com o meio ambiente. Assim como a legislação vai com o tempo se aprimorando no sentido de se enquadrar às necessidades atuais, a ética tradicional deu lugar à ética ambiental, que vem sendo muito divulgada.

Segundo seus estudiosos, toda a sociedade é responsável pela degradação do meio ambiente. O mais rico polui com a sua atividade industrial e comercial e o mais pobre por falta de condições econômicas de viver condignamente e por pouco acesso às informações ecológicas.

Surge então uma nova forma de conduta frente à natureza, devido à grande degradação atual, de forma a conscientizar o homem de que a natureza existe para proporcionar-lhe meios de sobrevivência, tendo em vista que o meio ambiente vinha sendo posto em último lugar na hierarquia de valores, devido à extrema valoração dos direitos individuais.

2. BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO PENAL AMBIENTAL BRASILEIRA

Estudiosos da matéria penal, no que diz respeito ao tema em questão, ou seja, o meio ambiente e sua tutela por parte da legislação, apontam em suas pesquisas que desde o séc. XVI já se verificava a existência de uma ampla legislação protecionista vigente no Brasil, porem não era suficiente para se ter uma tutela autêntica, segundo WAINER[3], que analisou a legislação portuguesa e também a brasileira, vigentes no país após o descobrimento, que já se preocupavam com o abastecimento de gêneros alimentícios que se tornavam escassos em Portugal, contendo regras de proteção à caça de animais e a alguns alimentos básicos, como o pão e a farinha, riquezas como o ouro, a prata, dentre outros.

Com a instituição do Governo Geral do Brasil, surgem os chamados Regimentos do Governo Geral, buscou-se prevenir a devastação exacerbada das florestas, que tinham por fim a construção de navios para incremento da frota portuguesa.

O Código Filipino, ou Ordenações Filipinas, promulgado em 1603 trazia em seu bojo a tipificação de vários crimes contra o meio ambiente, como o dano causado em olivais e pomares pelo pasto de animais pertencentes a vizinhos, restrições sobre a caça e a pesca, poluição das águas, e ainda um dispositivo que proibia a qualquer pessoa jogar material nas mesmas, que pudesse sujá-las ou matar os peixes.[4]

A aplicação da legislação extravagante penal que acompanhou o processo de desenvolvimento do Brasil-colônia foi difícil, devido às extensões das terras coloniais que se faziam maiores a cada dia, com grandes distâncias a serem vencidas.

Afirma CARVALHO[5] que a distância administrativa, mais até que a geográfica, foi o principal fator que levou à deficiência da aplicação e até da divulgação da norma penal que tutelava o meio-ambiente, nessa fase.

O primeiro Código Penal, promulgado em 1830 já continha dispositivos que puniam o corte ilegal de árvores e o dano ao patrimônio cultural, seguido, já em 1850, pela Lei 601 (“Lei das Terras”), que estabelecia sanções administrativas e penais, no seu art. 2°, para o dano causado pela derrubada das matas e queimadas.

Foi em meados de 1850 que surgiu no Mundo Velho, a expressão hoje tão conhecida por “ecologia”, introduzida pelo alemão Ernerst Haeckel, em 1866, figurando juntamente com ele Charles Darwin, Malthus e outros cientistas que, com seus estudos, contribuíram e figuraram na história da proteção ambiental.

Em 1917, o Código Civil veio dar aos bens ambientais um tratamento sob a ótica dos interesses privados. Encontramos também essa proteção em nível administrativo no Dec. 4.421/21, que veio a criar o Serviço Florestal do Brasil, objetivando a conservação dos recursos florestais, já vistos como bens de interesse público. Só então em 1934 surge o primeiro Código Florestal (Dec. 23.793/34), que vem tutelar juridicamente o meio ambiente, tipificar as ofensas cometidas na utilização das florestas, classificando-as com crimes e contravenções penais. Surge também a nova Constituição Federal, contendo alguns dispositivos ambientalistas[6], o Código de Águas (Dec. 24.643/34) e o Código de Caça (Dec. 24.645/34).

Pouco tempo depois, foi promulgado um novo Código Penal (Dec.-lei 2.848/40), bem como a Lei das Contravenções Penais (Dec. 3.688/41), sendo que, quanto ao primeiro, vimos que pouca atenção foi dispensada à questão ambiental.

Mais tarde, na década de 60, época onde houve uma intensa elaboração legislativa na área ambiental, surge uma nova reformulação foi feita no que tange à tutela penal ambiental, surgindo um novo Código Florestal (Lei 4.771/65). Também preocupou-se com a proteção à fauna (Lei 5.197/67), a pesca (Dec.-lei 221/67) e também com a poluição das águas (Dec. 50.877/61, alargado pelo Dec.-lei 303/67), que, além das águas tuteladas pelo primeiro, passaram também ao âmbito de proteção o ar e o solo, mas foi somente com a Lei 6.938/81 é que se promoveu a adequação do conceito às novas exigências e à nova visão da proteção ambiental, partindo, então dos efeitos que as degradações da qualidade ambiental podem causar nas condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, por cujos danos seu autor deverá ser responsabilizado, tendo como obrigação reparar tal dano.

A Constituição Federal de 1988 veio então inovar em várias questões concernentes à proteção ambiental e tivemos ainda a elaboração de mais leis extravagantes na área ambiental, nas suas modalidades mais atuais, que expressam as necessidades ao mundo moderno, frente à evolução tecnológica, como a necessidade de proteção à camada de ozônio, a regulamentação do uso de agrotóxicos, comercialização e utilização da moto-serra, a regulamentação das atividades nucleares frente aos sérios danos que possivelmente possam ser causados, como o acidente na usina nuclear de Chernobill, há alguns anos atrás.

Como bem observa FERREIRA[7], “ao lado dessa profusa legislação especificamente ambiental, embora não exclusivamente penal, subsistem e podem ser aplicados todos aqueles dispositivos que, tanto no Código Penal quanto na Lei das Contravenções Penais podem ser referidos às ofensas ambientais, embora não tivessem sido imaginados para tal, constituindo um conjunto legislativo de proteção ambiental por extensão ou por interpretação, já que aí foram colocados pelo legislador com outros objetivos sendo, porém, adequados à tutela nessa área, como são, principalmente, os crimes contra a saúde pública e contra a incolumidade pública. Essa interpretação coaduna-se com o espírito da lei, e serve de paliativo enquanto se aguarda o adequado cumprimento dos mandamentos constitucionais e a elaboração de uma legislação penal ambiental mais eficiente”.

3. A TUTELA PENAL AO MEIO AMBIENTE

Não era sólida, antes da Constituição Federal de 1988, a idéia de se editar normas para tutelar o meio ambiente. E, começaram assim, grandes cobranças sociais, pois o assunto já era polêmico no mundo todo, e não tínhamos nenhuma norma a respeito.

Assim, com a promulgação da Constituição de 1988, buscou inserir em seu bojo, a matéria relacionada com a preservação do meio ambiente, e ainda imposição de medidas coercitivas no âmbito penal aos infratores das normas, conforme dispõe o art. 3° do artigo 225, e de certa forma buscou ainda, a conscientização dos indivíduos da importância em suas vidas e para suas gerações futuras, procurando assim um respeito mútuo entre o homem e a natureza.

Sendo de caráter extremamente necessário a intervenção penal, deparamos, contudo, que o nosso Código Penal não atende todos os anseios sociais, em virtude de ter se desatualizado, pois foi o mesmo editado em 1940 e estando até a presente data em vigor, não acompanhando as novas exigências e situações que ocorreram em conseqüência da evolução tecnológica e da vida moderna em face do crescimento urbano.

A tutela do direito Penal visa, primordialmente, a conservação da vida humana, não permitindo que o homem saia destruindo, produzindo danos à vida, à sociedade, ao patrimônio, enfim causando um verdadeiro caos a toda a coletividade. Busca proteger não só o homem, como também os animais.

Observamos a importância do direito penal, pois visa resguardar os valores fundamentais, bem como fazer valer sempre quando necessário tais normas, tendo atuação diretamente sobre o infrator.

Abraçaremos o posicionamento de DOTTI[8], para quem “em tal proceder histórico, o direito penal vai assimilando, em maior ou menor proporção e tempo, as exigências e as solicitações necessárias à preservação e ao desenvolvimento da personalidade. Como conseqüência, na medida em que se modificam as bases necessárias aos comportamentos individuais e coletivos, também se alteram as estruturas formais do direito penal”. E acrescenta ainda: “Frente a esta perspectiva o jurista deve agir como um autêntico depositário de consciência pública vertendo-se sobre a realidade social e as aspirações mais profundas da comunidade. Os posicionamentos mais modernos buscam excitar um senso de responsabilidade ecológica, pois se o homem continua com essa degradação massiva do meio ambiente, daqui algum tempo não haverá mais vida na Terra, pois tudo funciona como um ciclo ecológico. Cada ser tem sua participação nessa cadeia ecológica, obrigatoriamente ligadas entre si. Se destruída uma parte dessa cadeia, automaticamente, e mesmo que ´demore´ ver os resultados, o restante da cadeia não sobreviverá.”

Nessa linha de raciocínio o Direito Penal moderno, busca atender os anseios, de acordo com a atualidade levando em consideração a “criminalização ou descriminalização”. Conforme ensina FERREIRA[9], “uma tendência para a descriminalização de certas condutas tipificadas na lei penal, de fato instala-se na doutrina contemporânea, sobretudo pela falência das penas privativas de liberdade e sua impossibilidade de evitar a ocorrência de crimes e conseguir a repercussão dos criminosos, sendo motivada também pela descrença na administração da justiça penal para resolver o problema da violência e da criminalidade na sociedade moderna”.

O maior desafio, sem dúvida alguma, é a implantação segura de normas que tutelam o meio ambiente no caso concreto, evitando injustiças cometidas diariamente, pois, principalmente as grandes empresas aproveitam de brechas da lei para auferir vantagens econômicas, podendo citar, v.g., a Petrobrás, empresa que constantemente derrama petróleo nas águas do mar, causando a morte de vários animais, sendo que apenas lhe é aplicada multa, que para ela não faz muita diferença. Sobre essa falta de tutela adequada, ficamos com o posicionamento de LOPES[10]: “a má definição dos tipos, de modo a deixar duvida sobre a ação proibida ou ordenada, ou uma cominação de pena imprópria ou desproporcionada pode, realmente, redundar cm graves e irreparáveis conseqüências para os direitos humanos”.

A tutela ambiental, além da Constitucional, deve ser efetivada também mediante o direito administrativo (tutela administrativa), com aplicações de sanções administrativas, e o direito civil (tutela civil).

Se a aplicação de tais sanções, tanto na esfera cível como na administrativa não lograrem êxito, entra em cena o direito penal (tutela penal), em ultima ratio, através da tipificação de condutas ofensivas ao meio ambiente.

A preservação do meio ambiente é o objeto jurídico do crime ambiental, segundo TOURINHO NETO[11]. O objeto material, portanto, dependerá do crime, podendo ser contra a fauna, as florestas, as águas etc.

Tem como tipo subjetivo o dolo ou vontade livre e consciente de causar dano, consumando-se com a mera verificação de possibilidade de dano. Encontramos também a forma culposa nos tipos descritos pelo Código Penal.

Os crimes ambientais, geralmente, são crimes de perigo, bastando a possibilidade de dano e o sujeito passivo principal é a sociedade.

O texto constitucional do art. 225, § 3° serve de supedâneo à imprescindível tutela penal ambiental. Segundo PRADO[12], “as leis anteriores à lei 9.605/98 tratavam-se de normas de difícil aplicação, tortuosas e complexas, excessivamente prolixas, casuísticas e tecnicamente imperfeitas”.

A intervenção penal na proteção do meio ambiente deve ser feita de forma limitada e cuidadosa.

4. ASPECTOS DA LEI N° 9.605/98

A lei 9.605/98, proposta pelo Governo e, após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, foi então aprovada em regime de urgência pelo Poder Legislativo, devido ao reclamo social à tutela do bem jurídico, vindo dispor sobre as sanções não só penais como administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sendo que estas últimas ainda carecem de regulamentação. Caracteriza-se como um diploma normativo moderno, dotado de regras avançadas, estabelecendo coerentemente quase todas as condutas administrativas e criminais lesivas ao meio ambiente, sem prejuízo das sanções civis, já existentes em outras leis específicas.

Antes, as regras no que tange ao meio ambiente eram confusas e geralmente conflitantes entre si. Agora, com a nova lei, as normas de direito penal ambiental estão sistematizadas adequadamente, possibilitando o seu conhecimento pela sociedade e sua execução pelos entes estatais. Contudo, como era de se esperar, nem todos os atos lesivos contra o meio ambiente foram abrangidos pela nova lei, ao contrário da intenção de seus idealizadores. Essas lacunas serão ainda preenchidas pelo Código Penal, Lei das Contravenções Penais e pelo Código Florestal, como é o caso do delito de difusão de doença ou praga, de poluição sonora e de proibição da pesca de certos animais marinhos, entre outros.

Segundo o promotor de justiça, Miguel Sales[13], “a referida lei, lapidada por juristas de renome, assemelha-se, no seu formato, ao Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Código de Defesa do Consumidor, que são leis de terceira geração, visando promover a qualidade de vida e a dignidade humana, num País cheio de contrastes e marginalização social”.

Veio tal lei aplicar a noção de responsabilidade penal, já que as infrações praticadas contra o meio ambiente possuem características próprias em relação à maior parte das práticas delituosas já disciplinadas pelo direito penal e também disciplinar penas alternativas, como substituição das penas restritivas de liberdade de até 4 anos.

Tal conjunto de normas dá força de lei à fixação da multa administrativa, dependendo do ilícito cometido pelo infrator.

A principal novidade trazida pela lei 9.605/98 ao nosso ordenamento jurídico é a responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevendo para elas tipos e sanções e bem definidos, diferentes daquelas que só se aplicam à pessoa humana.. Tal questão, no entanto, é bastante polêmica e será comentada no item seguinte. A nova lei trouxe uma grande inovação ao transformar os ilícitos que antes eram apenas contravenções penais para crimes contra o meio ambiente, como o desmatamento não autorizado, maltratar animais domésticos e realizar experiências dolorosas ou cruéis em animais vivos, mesmo que seja para fins didáticos ou científicos. Corrigiu distorções existentes no Código de Caça, como a que tipificava de crime inafiançável, com alta punição, o fato de um simples camponês abater um animal silvestre para o consumo; enquanto os imensos latifúndios, pulverizados com agrotóxicos, ficavam isentos de sanção penal, mesmo que houvesse a dizimação de um ecossistema por inteiro.

Confere também, àquele que reparar o dano causado pelo ilícito, o direito de se eximir da punição. Exime-se de pena também aquele que mata animal silvestre para saciar a sua própria fome ou de seus familiares, o que não ocorria antes dessa lei.

Com essa nova lei, os produtos apreendidos da fauna e flora podem ser doados ou até destruídos, e os instrumentos utilizados na infração podem ser vendidos.

Como não poderia deixar de ser, críticas estão sendo alvejadas por renomados juristas, no sentido de que a lei em referência não prospera em seu conteúdo, quando, v. g., responsabiliza penalmente a pessoa jurídica, ou tipifica culposamente o ato de “destruir, danificar, lesar ou maltratar plantas de ornamentação em propriedade privada alheia” (art. 49), assim como, ao estabelecer reprimenda mais elevada (art. 32, pena: detenção de três meses a um ano e multa) àquele que “maltrata animais silvestres ou domesticados, nativos ou exóticos”, ao passo que ao próprio ser humano, a lei penal prevê a magra pena de detenção de dois meses a um ano ou multa ao delito de maus tratos (art. 136, CP).

O legislador de 98 utiliza termos amplos e indeterminados, freqüentemente vazados em normas penais em branco e com um liame muito tênue com o direito administrativo, o que é prejudicial devendo acontecer só em caso de necessidade.

Como brilhantemente afirma SALES[14], é preciso cautela na aplicação da lei de crimes ambientais, pois, desde que não agrida realmente a natureza, devemos utilizar a madeira, o minério, a caça, a pesca e outros recursos naturais.

Não se deve esquecer que a maioria do nosso povo é pobre e vive do extrativismo. O puro conservadorismo serve mais a países como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, que depredaram florestas, mataram seus solos, secaram suas fontes de água e, agora, querem ditar regras para os países emergentes como o Brasil, sem deixar de explorar os seus recursos naturais e de ter qualquer preocupação com o subdesenvolvimento que nos assola.

Em suma, cumpre observar a lei em questão com bons olhos, pois, no geral, foi positiva, porque deixou o campo exclusivo da abstração (normalmente predominante entre as normas) e procurou com essa e outras inovações, trazer melhor exeqüibilidade no tratamento das sanções penais, naquelas situações delituosas não enquadradas como de grave ameaça ou violência à pessoa, estando, assim, em substancial consonância com a problemática penitenciária do país que em tais casos, não mais salvaguarda o intuito preventivo repressivo da pena, mediante a privação da liberdade do criminoso.

5. AS NORMAS PENAIS AMBIENTAIS

As normas penais ambientais não se diferem das outras normas penais, exceto no que se refere à sua independência, pois, com certa freqüência, se apresentam como normas penais em branco, pois necessitam de complementação por parte dê outras leis, sejam elas penais ou até extra-penais.

Segundo PRADO[15], isso ocorre com as normas penais ambientais, pelas conotações especiais que a proteção ao meio ambiente apresenta, em virtude do seu caráter complexo, técnico e multidisciplinar, bem como pela sua estreita ligação com as normas administrativas, facilitando-lhes a aplicação.

Cabe ressaltar que, devido à questão levantada sobre a legitimidade de normas ambientais emanadas dos Estados, tanto as leis emanadas da União, Estados ou Municípios, poderão complementar as normas penais ambientais que necessitarem de complementação, pois, ao contrário do que se dizia, que, se tais normas originassem de órgãos inferiores, estaria infringindo o art. 22 da Constituição Federal, que delega a atribuição legislativa penal, como atribuição privativa da União, não podendo, “dessa forma, os Estados legislar sobre a matéria fundamental do Direito Penal”. Tais normas, tanto uma quanto a outra podem servir de complementação ao preceito das normas penais ambientais, se tiver sido adotado o modelo da norma penal em branco para a construção do tipo penal e quando aquela forem de ordem secundária e facultativa, segundo CERNICCHIARO[16].

Também, dentro dessa controvérsia doutrinária, entende RAMIREZ[17] que tal complementação é permitida, pois vem a evitar possíveis arbitrariedades no momento da tipificação, não ferindo, portanto o princípio da reserva legal, como outros autores afirmam. Importante considerar que a função primordial da norma penal ambiental é a proteção dos bens jurídicos de relevante valor na comunidade, dirigindo-se somente às ações mais graves, contra bens fundamentais, que são tidas como intoleráveis, extremas, onde encontramos os direitos fundamentais da pessoa humana, os direitos sociais, onde se encontra inserida a proteção ao meio ambiente. Contudo, segundo COSTA JR. [18], essa intervenção penal deverá ser feita “com um sistema articulado em tipos idôneos à finalidade perseguida e equipado com sanções proporcionais à real entidade do dano social acarretado”.

A efetividade da tutela que se quer prestar ao meio ambiente depende da construção do tipo penal e, pela enorme gama desses bens relativos ao meio ambiente, tornando difícil sua especificação pelo legislador, dão um certo grau de indeterminação aos elementos descritivos da norma penal, como no caso das noções de “poluição”, “degradação”, “descarga”, “emissões”, que fundamentam várias normas penais ambientais.

Qual seria então a maneira de se lidar com essa falta de clareza do legislador? Segundo FERREIRA[19], “é a utilização, pelo próprio legislador de uma interpretação autêntica de terminologia ou das expressões empregadas, esclarecendo o sentido das palavras mais técnicas, ou daquelas que têm um determinado sentido comum, mas um significado especial no contexto da lei (…)”.

Outro problema com o qual deparamos é o do “tipo aberto”, o qual também pode levar à incerteza jurídica, o qual abre margem de dúvidas quanto à correia verificação da conduta, que é legalmente indeterminada. O “tipo aberto”, segundo WELZEL[20], encontrado na norma penal, é aquele onde somente uma parte da conduta está legalmente descrita, devendo a outra ser construída pelo juiz para a complementação do tipo.

Os tipos penais ambientais são de regra dolosos, sendo poucas as hipóteses nas quais encontramos tais tipos na forma culposa (onde, segundo COSTA JR. [21], implícita está a vontade delituosa na prática de determinadas condutas vedadas, como é o caso da descarga de poluentes no curso de um rio, sem autorização), ficando impassíveis de punibilidade, embora a Lei das Contravenções Penais traga vários tipos onde apenas se requer a mera voluntariedade da conduta. Quando expressamente prevista na configuração do tipo, a forma culposa dos crimes ambientais deve possuir os seguintes requisitos: a omissão do cuidado objetivamente exigível e a previsibilidade do resultado, que deverão culminar na aplicação da pena, juntamente com os quesitos negligência, imprudência e imperícia (art. 18, CP).

Na verdade, embora não expressamente previstas, a maioria das infrações penais ambientais assume essa modalidade delituosa culposa, pois quase sempre decorrem de negligência ou imperícia de quem não agiu com observância quanto ao trato com aos recursos naturais. Nesse afã, discute-se, atualmente, em matéria ambiental, a respeito da previsão mais freqüente de tipos penais culposos.

Os delitos penais são, em sua maioria, crimes de perigo, embora existam alguns de dano, dado à dificuldade de se estabelecer um nexo causal entre a conduta e o resultado nesses tipos de crime e à pluralidade de agentes que é comum a esses crimes.

Verifica-se também o emprego cada vez maior de crimes de perigo abstrato ou presumido na legislação penal ambiental.

Sobre a necessidade de se verificar a existência de culpabilidade do agente na conduta definida como crime ambiental, trata-se de questão incontroversa na doutrina, utilizando-se do princípio nulla poena sine culpa, pois podia o infrator saber que tal ato era contrário ao direito e que era possível agir de outra maneira. No ordenamento jurídico atual, o grau de culpabilidade é que determina os limites da punibilidade, verificando-se se o agente tinha capacidade de entender o caráter atípico do fato e de determinar-se com consciência e vontade; se sabia que sua conduta infringiria valores tutelados penalmente e se podia agir de outra forma.

6. A RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS

Discute-se em nosso sistema penal a possibilidade de se atribuir responsabilidade penal às pessoas jurídicas que venham a infringir normas que tutelem o meio ambiente. Há muita controvérsia no que diz respeito a esse assunto, com posicionamentos favoráveis e contrários por parte da doutrina, onde se discute a punibilidade das ofensas praticadas por empresas e instituições, sejam elas publicas ou privadas, FERREIRA[22] faz objeções quanto a isso, pois, a pena, segundo ela, deve ter caráter individualizado e a verificação da culpabilidade é medida como condição pessoal, advindo de conduta de pessoa humana. PRADO[23] vai mais além, admitindo somente a aplicação de medidas sancionatórias extra-penais às pessoas jurídicas. Já COSTA JR. [24] milita em favor da responsabilização da pessoa jurídica, clamando por inovações na legislação, a qual deva conter sanções específicas para tais casos, pois também reconhece a natureza personalista da responsabilidade penal. Embora sendo co-autor da mesma obra, juntamente com Paulo José da Costa Jr., CERNICCHIARO entende que a responsabilização da pessoa jurídica não é possível, pois os princípios fundamentais da legalidade, da responsabilidade pessoal, da culpabilidade, da presunção de inocência e o da individualização da pena não lhe são aplicáveis.[25] Como antecedente lógico da penalização, há a responsabilidade subjetiva, repudiando qualquer resquício de responsabilidade objetiva e de presunção do crime. A responsabilidade da pessoa física é individual. A da pessoa jurídica é coletiva. Trata-se de institutos jurídicos diversos e inconfundíveis. Não deve-se, então, aplicar nomen juris a institutos jurídicos diversos.[26]

Portanto, em vista de todos estes entendimentos doutrinários, cabe-nos acolher o ponderado entendimento de que a responsabilização da pessoa jurídica enquanto infratora de normas penais ambientais só será possível se forem criadas sanções próprias a essa natureza. Tal entendimento, possivelmente, é o mais razoável.

7. A APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PENAIS AMBIENTAIS

As normas penais ambientais são encontradas tanto no próprio Código Penal, como em leis extravagantes, as quais visam promover a tutela legal. Tal tutela é mais facilmente alcançada através das leis extravagantes, pois são mais recentes e já se enquadram à realidade aluai, ao contrário do Código, que já se faz ultrapassado, em alguns pontos.

Porém a legislação penal especial não está totalmente desvinculada dos princípios gerais do Direito penal, valendo tal regra também para a.s contravenções penais.

Como estão subordinadas aos princípios gerais do Direito Penal, as sanções aplicáveis às infrações ambientais também acolherão as penas previstas no velho Código, quais sejam, a privativa de liberdade (reclusão e detenção), restritiva de direitos e multa.

Para as contravenções previstas na legislação penal ambiental, a pena privativa de liberdade a ser aplicada será a de prisão simples, cumprida em rigor penitenciário, em estabelecimento especial, ou seção especial de prisão comum, em regime aberto ou semi-aberto, como reza o art. 6º da Lei das Contravenções Penais. Já as penas restritivas de direitos limitam-se à prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fins de semana. Contudo, na área ambiental as medidas alternativas, como a interdição de direitos pode ser aplicada de forma muito mais ampla.

A pena de multa também pode ser largamente aplicada e deve ser individualizada para que se evite injustiças, mas fixado o seu quantum de acordo com as condições econômicas do infrator.

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[1] TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Crime ambiental. Correio Brasiliense, Brasília, 24 mar. 1997. Suplemento Direito & Justiça, p. 5.

[2] Cf. VASQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 14. ed., 1993.

[3] WAINER. Ann Helen, Legislação Ambiental Rrasileira – Subsídios para a história do direito ambiental. Rio

de Janeiro: Forense, 1991, p. 5.

[4] Cf. Códigos Penais do Brasil – Evolução Histórica, Compilação de José Henrique Pierangelli, Baurú: Rd. Jalovi, 1980.

[5] CARVALHO, Carlos Gomes de, Introdução ao Direito Ambiental, Cuiabá: Edições Verde Pantanal, 1990, p. 98.

[6] FERREIRA, Ivete Senise, Tutela Penal do Patrimônio Cultural – Biblioteca de Direito Ambiental, vol.3. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 82. “Paralelamente, a Constituição Federal, que continha alguns dispositivos ambientalistas, dava maior ênfase à proteção do patrimônio cultural nacional, estabelecendo, no seu art. 10, a competência concorrente da União e dos Estados para proteger as belezas naturais (…)”.

[7] FERREIRA, Ivete Senise. Ob. cit., p. 86.

[8] DOTTI, René Ariel. Ecologia (proteção penal do meio ambiente). São Paulo: Saraiva, p. 497. (Enciclopédia Saraiva do Direito, 29).

[9] FERREIRA, Ivete Senise. Ob. cit., p. 69.

[10] LOPES, Jair Leonardo. Novas figuras delituosas, in Reforma Penal. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 14.

[11] TOURINHO NETO, Fernando da Costa, ob. cit. p. 5.

[12] PRADO. Luiz Regis. Crimes contra o ambiente: anotações à lei 9.605, de 12 fev. 1998. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 40. PRADO. Luiz Regis. Crimes contra o ambiente: anotações à lei 9.605, de 12 fev. 1998. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 40.

[13] SALES, Miguel. A Lei de Crimes Ambientais. http://www.geocities.com/CollegePark/6410/doutri09.htm. p. 2.

[14] SALES, Miguel. Ob. cit., p.2

[15] PRADO, Luiz Regis. Ob. cit, p.42

[16] CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição, São Paulo, Ed. Revista dos tribunais, 1990, p. 26.

[17] RAMIREZ, J. Bustos. Manual de Derecho Penal, P. Especial, Barcelona: Ariel, 1986, p. 353.

[18] COSTA JR., Paulo José da. Direito Penal Ecológico, in Comentários ao Código Penal, P. Esp., vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 648.

[19] FERREIRA, Ivete Senise. Ob. cit, p. 94.

[20] WELSEL, Hans. Derecho penal alemán, P. G., trad. Juan Bustos Ramírez y Sérgio Pérez, Santiago: Editorial Jurid. de Chile, 1987, p.15.

[21] COSTA JR., Paulo José da. Ob. cit. p. 687.

[22] FERREIRA, Ivete Senise. Ob cit,. p. 102.

[23] PRADO, Luiz Regis, Direito Penal Ambiental, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 42.

[24] CERNICCHIARO, Luiz Vicente, COSTA JR. Paulo José da. Ob. cit-, p. 26.

[25] Idem, ibidem, p. 143.

[26] CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Meio ambiente. Correio brasilienxe, Brasília, 10 nov. 1997. Carderno Direito & Justiça, p. 3.

Autor: Dr. Leonardo Rocha de Faria

* Advogado e Pós-Graduando em Direito Empresarial

pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU.

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