Autor: Dr. Antônio Augusto Mayer dos Santos*
1. Introdução
Questão controvertida no âmbito da Justiça Eleitoral é a relativa ao uso do espaço de Propaganda Partidária nos veículos de comunicação. A Lei dos Partidos Políticos (LPP, 9.096/95) arrola as finalidades do espaço gratuito de rádio e televisão aos incisos I, II e III de seu artigo 45 ([1]). Para os casos de punição por desvirtuamento, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se apresentava remansosa no sentido da cassação da transmissão subseqüente, nos termos do §2º da LPP. Alterando este posicionamento, alguns precedentes da Corte aplicaram cumulativamente aos infratores, além daquela, a pena de multa pela prática de propaganda eleitoral antecipada prevista pelo §3º do artigo 36 da Lei Eleitoral (LE, 9.504/97).
Tendo sido estabelecida uma nova orientação relevante no âmbito do Direito Partidário, o fato oportuniza breves considerações que incursionam pelo instituto da propaganda partidária.
Outrossim, inúmeras outras questões sobre este importante e diversificado assunto mereceram despretensiosa abordagem, a maioria, quando possível, sob o respaldo jurisprudencial do TSE.
2. Evolução e finalidades da Propaganda Partidária
A Lei 4.740, de 15 de julho de 1965, assegurava a difusão dos programas partidários com a retransmissão gratuita pelas empresas de radiodifusão (art. 75, III). Expressando momento histórico não muito distinto, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 5.682/71), posterior ao AI-2 que introduzira o bipartidarismo ([2]), restringia a liberdade de opinião à “difusão do programa partidário” (art. 118, “d”), sem ampliar conceitos. Evoluindo para a forma dos incisos do artigo 45 da vigente Lei dos Partidos Políticos, o direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão é uma garantia constitucional disponibilizada às agremiações para (I) difusão de programas partidários, (II) transmissão de mensagens sobre a execução do estatuto e de atividades e eventos partidários aos filiados e (III) divulgar a posição do partido em relação a temas político-comunitários.
A partir da normatização instituída pelo artigo 17 da Carta da República, descortinou-se um novo período na história da publicidade partidária com a possibilidade de difusão das premissas doutrinárias e informações partidárias, além do fortalecimento e popularização da imagem da sigla através de veículos de comunicação de massa.
3. Direitos Autorais
Ao fundamento que de os programas veiculados no horário administrado pela Justiça Eleitoral a ela deverão ser submetidos quando houver questões tratando sobre a legalidade do uso de imagens, marcas e nomes comerciais ou slogans a merecer célere prestação jurisdicional, sobremodo por se tratar de expressa garantia constitucional, o TSE assentou que “A propaganda eleitoral ou partidária deve respeitar o direito do autor, protegido pelo art. 5°, inciso XXVII, da Constituição da República, o que significa que a utilização de qualquer fruto da criação intelectual depende da autorização de seu autor ou titular” ([3]).
4. “Temas político-comunitários”
Propaganda, do latim propagare, diz com a publicidade, propagação ou divulgação de determinada informação, idéia, nome, etc. Em vista do assunto ora proposto, razoável considerar que a imprecisão terminológica da locução “temas político-comunitários” do inciso III do artigo 45 oportuniza larga interpretação no plano político.
Com efeito, a lacuna do conceito legal permite ao Partido Político exercer seu direito de oposição através da livre manifestação do pensamento (CF/88, art. 5º, IV). Emprestar elasticidade e concluir como eleitorais críticas desenvolvidas no supra mencionado espaço, por mais ásperas e veementes que sejam, para daí reputá-las capazes de influir na opinião de não filiados expressando propaganda irregular seria uma incongruência, sobremodo em vista dos princípios democráticos promanados da Carta Republicana.
A propósito deste enfoque, na Representação Nº 336/PB, o Tribunal Superior Eleitoral admitiu que a propaganda partidária é veículo apto para a “Divulgação de críticas à administração estadual, com o propósito de expor a posição do partido em relação a temas de relevo político e interesse comunitário”:
PROPAGANDA PARTIDÁRIA. DIREITO DE CRÍTICAS À ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL, COM O PROPÓSITO DE EXPOR A POSIÇÃO DO PARTIDO EM RELAÇÃO A TEMAS DE RELEVO POLÍTICO E INTERESSE COMUNITÁRIO. Enquadramento no permissivo do art. 45, III, da Lei n° 9.096/95. Necessidade de demonstração de benefício, com repercussão eleitoral, a outro partido político, para caracterização de ofensa à vedação contida no inciso I do § 1° do mesmo dispositivo legal, não sendo suficiente a mera exibição de imagens de pessoas não filiadas à agremiação responsável pelo programa. Não-ocorrência. Não evidenciada utilização de trucagem, montagem ou qualquer outro meio ou recurso para distorcer ou falsear a compreensão de fatos ou sua comunicação, tampouco propaganda eleitoral antecipada. Improcedência da representação ([4]).
O RESPE 16.279/MT, publicado no DJ de 04.08.2000 e relatado pelo Ministro Eduardo Alckmin, assentou a existência de legalidade nas críticas e demonstrações de descontentamento do partido relativamente à privatização de empresa prestadora de serviço público. O julgado ainda concluiu que a censura, por mais severa que seja à administração estadual, insere-se nos limites admitidos pelo artigo 45, III da Lei 9.096/95, não justificando a aplicação da sanção prevista no § 2º do mesmo artigo ([5]).
Segundo a Corte, a crítica contundente à maneira de administrar o ente público corresponde a uma manifestação lícita da posição do partido em relação a temas político-comunitários, conforme gizou o acórdão da RP 255/PE ([6]). Esta mesma compreensão já havia sido manifestada pela Corte no julgamento do MS 2.85/CE, quando o Ministro Maurício Corrêa, acompanhado pela unanimidade do Plenário, sublinhou que “a crítica à administração do Governador, em programa partidário, não implica vulneração da lei eleitoral, nem autoriza censura prévia pelo Poder Judiciário”.
Visando reforçar o entendimento pretoriano acerca da impossibilidade da incidência de censura prévia na programação partidária que verte críticas às gestões administrativas, necessário mencionar as decisões monocráticas proferidas pelos Ministros Barros Monteiro na recente RP 661/SC ([7]) e Nélson Jobim no MS Nº 2.688/CE, j. 18.06.1998 ([8]), bem como o aresto do MS 2.683/DF ([9]).
Responsabilizar os governantes pela má condução das atividades públicas consubstancia típico discurso de oposição, o que não autoriza a declaração de desvio de finalidade na medida que ditas críticas não caracterizam ofensa ou abuso no exercício da propaganda partidária ([10]). Este entendimento se estende às administrações anteriores, inclusive com a exploração de mazelas atribuídas à política governamental e aos respectivos titulares, desde que relacionadas com temas de interesse político-comunitário ([11]). Também a condução da política econômica pode ser contestada no espaço partidário, sem que isso implique desvirtuamento capaz de atrair a aplicação da sanção legal ([12]).
Já o desempenho parlamentar de um filiado, junto à Casa Legislativa que integra, pode ser exposto na programação partidária, pois segundo o Resolução Nº 20.421/PR, isto “não constitui simples promoção pessoal, de maneira a justificar a imposição de penalidade prevista em lei” ([13]).
Os exemplares jurisprudenciais retro colacionados, alguns com apelos veementes, evidenciam a plena inserção dos “temas político-comunitários” enquanto manifestações partidárias constitucionalmente asseguradas.
5. Punições e desvio de finalidade
5.1 Cassação da transmissão
A legislação vigente, mesmo longe de primorosa, estabelece os fundamentos e os limites das divulgações políticas. Enquanto a LPP (art. 45) prevê a realização semestral da propaganda partidária através de bloco e inserções, a LE (art. 36, §2º) proíbe a divulgação de propaganda partidária no segundo semestre do ano da eleição.
Por ser difundida através de veículos de concessão pública, a propaganda partidária não é instrumento apto a promover interesses de natureza pessoal ou equivalentes. Neste sentido, para as hipóteses de desvio das suas finalidades, o §2º do artigo 45 da LPP prevê a cassação do direito de transmissão do ano seguinte pois “O que a lei não tolera é que o espaço destinado ao acesso gratuito, pelos partidos, ao rádio e à televisão, se converta em extemporâneo palanque eleitoral ou veículo de exclusiva exaltação pessoal” (Resolução Nº 20.725).
O magistério jurisprudencial do TSE revela que a situação mais freqüente de utilização indevida ocorre com os partidos veiculando o lançamento antecipado de candidaturas ao promover excessivas centralizações pessoais ou louvações às gestões anteriormente exercidas por seus filiados. Neste sentido, confira-se, a propósito, a ementa da RP 377/DF:
PROPAGANDA PARTIDÁRIA. PROMOÇÃO PESSOAL. FALSEAMENTO DA COMUNICAÇÃO DE FATOS. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. 1. Admissível, na propaganda partidária, destaque para a figura de filiado a partido político, detentor de mandato eletivo, desde que essa exposição se vincule à demonstração concreta da aplicação do ideário programático e da proposta política da agremiação. 2. A utilização do espaço da propaganda partidária para simples promoção pessoal de governante, com explícito propósito de prenunciar, no semestre que antecede as eleições, candidatura iminente, dissociada das finalidades da propaganda partidária, atrai a sanção prevista no § 2º do art. 45 da Lei nº 9.096/95. 3. Incide na mesma penalidade o partido que, sem identificar a natureza da propaganda partidária, distorce ou falseia a comunicação de fatos que atingem filiados a outros partidos ou as próprias agremiações, induzindo à conclusão de que se trata de continuação da programação normal das emissoras e não de opinião do partido responsável pelo programa partidário.
Neste diapasão, “atrai a sanção prevista no § 2º do art. 45 da Lei nº 9.096/95 a propaganda que, mesmo não inserida entre as vedações específicas impostas pelo seu § 1º, não atenda às finalidades genéricas previstas em lei para a divulgação dos programas partidários” (RP 342/SP – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJ 07/02/2003) pois “a utilização de espaço de propaganda partidária para promoção pessoal de filiado, detentor ou não de mandato eletivo, ou propaganda de futuro candidato caracteriza desvio de finalidade e conduz à imposição da penalidade” (RP 365/DF – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJ 07/02/2003), tanto quanto a “promoção pessoal de filiado a partido político diverso do que o responsável pela propaganda” (RP 360/MT – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJ 07/02/2003).
Ainda ressaltando o aspecto taxativo da vedação do artigo 45 da LPP:
DIREITO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. DESVIO DE FINALIDADE. DEFESA DE INTERESSES PESSOAIS. PROCEDÊNCIA. A cessão do tempo destinado à divulgação de propaganda partidária para que determinada pessoa promova a defesa de seus interesses atrai a penalidade de cassação do direito de transmissão a que faria jus o partido infrator, por constituir violação ao disposto no art. 45, § 1º, II, da Lei nº 9.096/95 (RP 331/ES – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJ 20/12/2002) ([14]).
Contudo, “A participação de parlamentar ou governante em propaganda partidária, ainda que na exposição de seu desempenho como agente público e sob a exploração de irregularidades na administração confiada a partido de orientação política em relação à qual se oponham, desde que voltada à exibição de ações e programas relacionados à aplicação dos princípios e do ideário político da agremiação a que são filiados, notadamente quanto a temas de interesse político-comunitário, não caracteriza simples promoção pessoal ou propaganda de cunho eleitoral” ([15]).
Recentemente, o TSE afirmou ser vedada a utilização do espaço partidário para associar o partido e seus filiados à condutas ilícitas e práticas vedadas e admitiu direito de resposta em caso de ofensa irrogada em programa partidário, em decorrência de afirmações que extrapolam os limites da crítica meramente política e resvalam para a agressão à imagem e à reputação da agremiação política, afetando sua credibilidade perante o eleitorado ([16]).
Analisando caso peculiar, a Corte admitiu a possibilidade de cumulação dos pedidos de direito de resposta e de cassação de propaganda partidária (RP 346/SP), sendo que os primeiros receberam especial destaque pela Instrução Nº 57 quando esta lhes assegurou o direito de serem “conhecidos originariamente pelos tribunais eleitorais, mesmo que este direito não esteja expressamente previsto na Lei nº 9.096/95” ([17]).
Quanto ao fato do julgamento da representação ocorrer quando não for mais possível a perda do direito ao programa imediatamente seguinte aquele em que se verificou a infração, isto não impede a punição eis que a penalidade incidirá em relação ao programa do semestre subseqüente, conforme assentaram a Resolução nº 20.514, DJ 08.02.2000, rel. Min. Eduardo Ribeiro e a RP 354/DF, DJ 07.02.2003, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.
Em resumo: para os casos de práticas ilegais no uso do espaço institucional, a jurisprudência majoritária do TSE estabelece penalidade através da cassação da transmissão subseqüente, conforme sublinha a intervenção sempre bem-vinda do Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira: “A violação ao artigo 45 da Lei nº 9.096 expõe o infrator à penalidade prevista no §2º do referido dispositivo legal” ([18]). Nesta linha, além das antes mencionadas, estão algumas outras decisões que se deve trazer a lume: RP 285/RS, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13.03.2001; RESPE 16.228/DF, rel. Min. Maurício Correa, DJ 12.05.2000; RESPE 15.607/TO, DJ 03.03.2000 e RP 211/DF, DJ 12.11.1998, ambas relatas pelo Ministro Eduardo Ribeiro.
5.2 Penas cumulativas: cassação da transmissão e aplicação de multa por propaganda eleitoral antecipada nos termos do §3º, do art. 36, da Lei 9.504/97
A partir de julgados que concluíram pela ocorrência de exaltações e elogios excessivos no espaço partidário, o TSE inovou a jurisprudência punitiva do vício de finalidade dos programas e passou a interpretar tais condutas não apenas como desvio de propósito legal mas propaganda eleitoral dissimulada ou extemporânea ([19]).
O julgamento da RP 338/RN ([20]), especialmente a partir da intervenção do Ministro Fernando Neves, pode ser considerado seu ponto inicial. A cogitação de penas cumulativas consta explícita no fragmento de voto a seguir colacionado: “se o programa foi usado para propaganda eleitoral específica, não vejo por que não possamos também aplicar a multa do art. 36 da Lei nº 9.504/97 e outras conseqüências que possam advir daí. Uma coisa é desvirtuamento simples, quando se aplica a pena do art. 45 da Lei nº 9.096/95; outra é o desvirtuamento para a propaganda eleitoral antes de determinada data, mas ela é feita no horário da propaganda partidária, por desvirtuamento, penso que, talvez, as duas punições sejam possíveis”. Neste mesmo julgamento, a Ministra Ellen Gracie contribuiu com reflexão que, por sua forte probabilidade, não pode ser desprezada: “Até porque, dependendo do ano, valeria a pena o partido comprometer a propaganda do ano seguinte, quando não haverá eleições”.
Em sede de Consulta, a Resolução nº 21.116/DF examinou casuisticamente as possibilidades de utilização do espaço em ano eleitoral, ressaltando expressamente que a realização de propaganda antecipada sujeita o infrator à pena pecuniária prevista pelo §3º da Lei 9.504/97. O leading case da nova corrente está no RESPE 19.890/AM ([21]) que, à unanimidade, apreciando representação por violação de transmissão regional, manteve condenação por infração ao artigo 36, §3º, da Lei 9.504/97. Sua ementa expressa entendimento contundente:
Recurso especial – Representação por propaganda eleitoral antecipada em programa partidário – Possibilidade – Competência do juiz auxiliar para o julgamento de representação com base no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97. 1. O desvirtuamento da finalidade da propaganda partidária com fins eleitorais permite a aplicação da multa prevista no art. 36,§3º, da Lei nº 9.504/97. 2. A competência dos juízes auxiliares para o julgamento de representações com base no art. 36, §3º, da Lei 9.504/97 é absoluta, portanto, não se prorroga frente à conexão. 3. Recurso não conhecido.
No mesmo sentido: RESPE 19.947/MA, rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJ 16.05.2003.
Este novel posicionamento do TSE ([22]), que evoluiu da mera cogitação para a efetiva aplicação da duplicidade de penas, invoca a “propaganda eleitoral específica” ínsita à propaganda partidária para punir de forma cumulativa os infratores na medida que reconhece a presença do elemento intencional na mensagem veiculada. A compreensão, mais rigorosa que a anterior, revela sintonia à jurisprudência vigente na Corte, segundo a qual, “entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, embora de forma dissimulada, a candidatura mesmo apenas postulada, e a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública” ([23]).
6. Legislação vigente: necessidade de aperfeiçoamento
Consumada a divergência interpretativa com relação às punições, peculiaridade relevante incide ao debate do tema. Destacada pela Ministra Ellen Gracie ao leading case, especial atenção mereceu a análise da veiculação impugnada ocorrer em ano eleitoral. A doutrina, embora uníssona quando reconhece a conquista democrática que a propaganda disciplinada pelo artigo 45 da LPP traduz, admite a polêmica que reveste o assunto. Adentrando objetivamente nesta problemática, Palhares Moreira Reis ousa classificá-la, a nosso modesto ver com acerto, como propaganda pré-eleitoral ([24]).
Sobredita concepção encontrou eco em aguda manifestação do Ministro Nélson Jobim quando consignou em documento da Justiça Eleitoral: “(…) as discussões presentes na propaganda partidária realizada no primeiro semestre de um ano eleitoral representam testes para embasar a decisão que tenha de tomar o partido, na sua convenção no mês de junho, sobre a viabilidade eleitoral de seus virtuais candidatos”. Tendo ao final enfatizado: “É necessário, portanto, que o Congresso Nacional considere a conveniência de promover alteração legislativa para vedar propaganda partidária em ano eleitoral ou, mesmo, autorizar o uso de espaço para a apresentação de seus virtuais candidatos”.
Em decorrência desta ponderação, calha transcrever, por oportuno, trecho da lição de Carlos Maximiliano quando o ex-Ministro da Corte Suprema manifesta: “O estudo dos arestos, serve também ao progresso de outro modo: prepara as reformas legislativas” ([25]).
Até o presente momento, todavia, a recomendação não sensibilizou o Congresso Nacional, que permanece indiferente ao anacronismo expresso por este tópico da legislação partidária vigente.
7. Síntese das conclusões
O direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão é uma garantia constitucional disponibilizada às agremiações partidárias para as específicas finalidades previstas pela Lei Nº 9.096/95. A propaganda partidária deve respeitar o direito do autor, protegido pelo artigo 5°, inciso XXVII, da Constituição Federal.
Pelo fato da propaganda partidária situacionar-se numa zona fronteiriça entre a promoção de natureza pessoal e a divulgação política, especialmente a questão que envolve os “temas político-comunitários”, a verificação da ilegalidade exige acuidade do órgão julgador no caso concreto.
Para os casos de desvio de finalidade na propaganda partidária, o TSE pune os infratores com a suspensão das transmissões subsequentes, conforme julgados majoritários. Contudo, a partir de precedentes que embora isolados foram tomados sem divergência, houve a ampliação do espectro punitivo por infração ao artigo 45 da Lei 9.096/95 para admitir, cumulativamente à suspensão da programação, a incidência da pena pecuniária do §3º do artigo 36 da Lei 9.504/97 por tipificação de propaganda eleitoral antecipada.
A jurisprudência, embora vacilante às punições cumulativas, se apresenta inovadora e mais severa, o que possivelmente determinará debates na Justiça Eleitoral, especialmente naqueles semestres que antecederem eleições.
[1] A rigidez da Lei Partidária colide frontalmente ao inconsistente critério adotado pela Lei Eleitoral em relação à Propaganda Eleitoral. É que ao invés de valorizar a verdade partidária determinada pelas urnas relativamente ao preenchimento do espaço, o §3º do artigo 47 da LE optou pela “representação de cada partido na Câmara dos Deputados” existente à “data de início da legislatura”. Ou seja: institucionalizou o “troca-troca” partidário entre a eleição e antes da instalação da legislatura, preterindo a vontade do eleitor. Vide, a propósito: as Resoluções/TSE nºs 20.627/2000 e 20.988/2002, para as eleições de 2000 e 2002, respectivamente, e a Resolução 21.551, de 04.11.2003.
[2] Ato Institucional Nº 2, de 27 de outubro de 1965: “Art. 18. Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros”.
[3] Resolução 21.078 – Rel. Min. Fernando Neves – DJ 24.05.2002 – p. 143.
[4] Rel. Min. Garcia Vieira – DJ 26.04.2002 – p. 183.
[5] RP 261/GO – Rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJ 03.03.2000 – p. 166.
[6] Rel. Min. Édson Vidigal – DJ 26.05.2000 – p. 93.
[7] DJ 01.08.2003.
[8] “Não é admissível a prévia censura da divulgação da propaganda partidária assegurada em lei”.
[9] Rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJ 07.08.1998 – p. 139.
[10] RP 349/DF – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJ 21.03.2003 – p. 144.
[11] RP 390/RS – rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJ 14.02.2003 – p. 191.
[12] RP 247/DF – rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJ 15.10.1999 – p. 68.
[13] Rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJ 15.03.1999 – p. 72.
[14] Sob a mesma relatoria e expressando idêntica compreensão, a RP 396/CE (DJ 21.03.2003).
[15] RP 326/PA – rel. Min. Garcia Vieira – DJ 05.04.2002.
[16] RP 657/DF – rel. Min Barros Monteiro – DJ 17.10.2003.
[17] Classe 12ª – Distrito Federal – DJ 24.05.2002 – p. 243.
[18] RP 360/MT.
[19] Indispensável conferir a análise pormenorizada desenvolvida por Fávila Ribeiro no seu clássico sobre as características que revestem a propaganda eleitoral (“Direito Eleitoral”, Ed. Forense, 2ª ed., p. 289).
[20] Rel. Min. Garcia Vieira – DJ 26.04.2002 – p. 184.
[21] Rel. Min. Fernando Neves – DJ 04.10.2002 – p. 232.
[22] O RESPE 19.937/GO (DJ 08.11.2002), embora tenha dado provimento ao recurso interposto, reafirmou a possibilidade de cabimento das penas cumulativas.
[23] Entendimento jurisprudencial fixado a partir do RESPE 15.732/MA, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ 07.05.1999 e sucessivamente aplicado pelo TSE em casos análogos.
[24] Direito Eleitoral, Carlos Mário da Silva Velloso (Coord.), Livraria Del Rey Editora, Belo Horizonte, MG, 1996, p. 192.
[25] “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 19ª edição, Forense, 2001, nº 191, p. 146.
Autor: Dr. Antônio Augusto Mayer dos Santos
* Advogado Eleitoralista.