Autor: Fernando Neves Curty
Atualmente, discute-se amplamente no mundo jurídico a reforma do Judiciário, que tem como um de seus principais pontos o polêmico controle externo do Poder Judiciário.
O referido controle externo, como pretende o PEC nº 29/00, será exercido por meio de um Conselho Nacional de Justiça, composto por magistrados, advogados, membros do Ministério Público e por representantes da sociedade indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Fundamenta-se a pretensão de reforma do Judiciário, bem como o seu controle externo, na morosidade existente, nos atos ilícitos praticados por seus membros, no número excessivo de recursos, no nepotismo, enfim, nos distúrbios da prestação jurisdicional.
Os defensores do controle externo argumentam – em tese fraca – que os Poderes Executivo e Legislativo já são fiscalizados e controlados, seja pelo sufrágio eleitoral seja pela fiscalização recíproca. Contudo, esquecem que o Judiciário é o único poder que é constante e permanentemente fiscalizado, seja pela presença necessária dos advogados, pela ampla possibilidade de recursos, ou pela presença constante do Ministério Público (custos legis), além de outras formas mais.
Entretanto, em que pese os argumentos a favor do controle externo, observa-se que essa tese encontra sério óbice na Constituição Federal, pois fere frontalmente cláusulas pétreas e princípios nela dispostos.
Desde Aristóteles, mesmo que de forma singela, já se falava em três funções estatais – Legislativa, Executiva e Judiciária. Montesquieu, aprimorando os estudos aristotélicos e com inspiração filosófica racionalista, foi quem, primeiramente, afirmou que tais funções devem corresponder a órgãos distintos e autônomos, ou seja, tratou diretamente da separação dos poderes, visando a contenção do poder pelo próprio poder. Foi, pois, o precursor do Estado de Direito.[1]
Nossa Carta Magna contempla como princípio fundamental e insuprimível a separação dos poderes, conforme se observa no artigo 2º, que abaixo transcrevo:
“Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Desta forma, considerando-se, sobretudo, a independência e a harmonia que devem existir entre os poderes, resta evidente que é completamente descabida a pretensão de controle de um poder por outro. O artigo acima citado não permite que um poder sofra interferência de outro, quanto mais controle.
Ademais, como se não bastasse o disposto no artigo 2º, nossa Constituição Federal traz ainda o artigo 60 que, embora permita a emenda constitucional, proíbe taxativamente qualquer deliberação visando a abolir a separação dos poderes. Vejamos:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(…)
§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(…)
III – a separação dos Poderes;”
Assim, mesmo com os argumentos apresentados pelos defensores do controle externo, está claro que o mesmo não pode prosperar, por atentar sobremaneira à Constituição Federal, como se viu acima, sobretudo quando se pretende a presença no referido conselho de pessoas estranhas à magistratura.
Pode-se dizer que o que se pretende é criar um verdadeiro “quarto poder”, que serviria exclusivamente para fiscalizar e controlar um dos três poderes da República, o que configura intervenção inadmissível à luz do Direito Constitucional.
Comungo e faço minhas as palavras do festejado Ives Gandra da Silva Martins:
“A separação dos Poderes não permite que um Poder tenha interferência na área de outro, e muito menos o controle. Por esta razão, a presença do Senado ou da Câmara, no órgão de controle externo do Judiciário, implicaria uma fratura na separação dos Poderes e a norma que o consagrasse estaria revestida de manifesta inconstitucionalidade.”[2]
Um dos fatores que mais agride a Carta Magna é a participação no Conselho Nacional de Justiça de pessoas estranhas ao Poder Judiciário. Neste sentido, assim se pronunciou o eminente Ministro Carlos Mário da Silva Velloso:
“Controle externo do Judiciário, com a participação de políticos – a indicação de pessoas pela Câmara e pelo Senado terá, invariavelmente, conotação político-partidária – somente serviria para enfraquecer o Judiciário, com prejuízo para o regime democrático, certo que os prejudicados diretos seriam os advogados.”
Não é difícil imaginar que com a criação do novo órgão controlador do Judiciário viria um imenso desperdício de dinheiro público, sendo mais um grande sorvedouro de verbas, e que, provavelmente, tornar-se-ia mais um órgão ou instituição fadada ao fracasso, problemática e inoperante.
Não se pode olvidar que seria um órgão munido de imensa força, superior a um Poder da República, o que a bem do Direito Constitucional não se pode perpetrar sob pena da fragilização do Judiciário e a hipertrofia do Poder Executivo e do Legislativo.
Um Poder Judiciário controlado externamente e tolhido em sua autonomia, inevitavelmente será fraco e terá fatalmente o desempenho reduzido, pois não poderia atuar com a plenitude de suas garantias constitucionais, o que destruiria a autonomia prevista no artigo 99 da Carta Magna.
Por derradeiro, gostaria de ressaltar algumas palavras do ilustre advogado e ex-ministro do TST Marcelo Pimentel:
“(…) a lentidão da Justiça não será resolvida com o controle do Judiciário ou coisas equivalentes. Reformem-se os códigos, modernizando-os; desatolem a Justiça, eliminando a União os seus milhões de processos repetidos; implantem-se a súmula vinculada; onerem-se os recursos protelatórios; facilitem-se o processo de execução; ampliem-se a competência dos juizados especiais; aumentem-se a competência para decisões monocráticas dos ministros relatores e mais outras medidas práticas e teremos resolvido os problemas da eficiência da Justiça, sem estuprá-la.”[3]
Desta forma, sou plenamente a favor de que se tomem medidas enérgicas para remediar os problemas do Poder Judiciário; que se fortaleçam as Corregedorias, para que estas possam implementar um melhor e eficiente controle interno, mas que não se desrespeite e rasgue a tão sonhada e consagrada Constituição Cidadã, sob pena de se estar abalando drasticamente os pilares do Estado Democrático de Direito!
[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 18 ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 340/342.
[2] MARTINS, Ives Gandra da Silva. O controle externo. Brasília: Revista Jurídica Consulex, ano VIII, n. 173, 31 de março de 2004, p. 25.
[3] PIMENTEL, Marcelo. Revista Jurídica Consulex, ano VIII, n. 173, 31 de março de 2004, p. 29.
Autor: Fernando Neves Curty
Advogado
Pós-graduando em Direito Civil pela ESA/OAB/RJ