No dia 26 de maio, por determinação da Lei n. 9.099/95, expirou o prazo para a instalação em todo o país dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A grande maioria dos Estados, por inúmeras razões, não cumpriram tal mandamento legal. Para dizer o mínimo, é deveras lamentável. O legislador federal, nesse assunto, fez sua parte: mudou mais de duzentos artigos do CPC e possibilitou aos Estados a criação dos Juizados Especiais. Agora os que estão em mora são os Poderes Locais. Por causa de um crasso erro de avaliação, alguns estão procrastinando, outros estão se recusando a instalá-los.
Não se pode negar que a mencionada lei padece de algumas omissões. Mas isso não impede reconhecer sua extraordinária virtude de já ter posto em marcha no Brasil a maior revolução do Direito Penal e Processual Penal. As vantagens do sistema de resolução dos pequenos delitos pelo “consenso” (que antes, no Brasil, somente Mato Grosso do Sul conhecia) são perceptíveis e, até aqui, irrefutáveis. Por mais que deixe aturdidos e estupefactos os que gostariam de conservar in totum o moroso, custoso e complicado modelo tradicional de Justiça Criminal (fundado na “verdade material” – que no fundo não passa de uma verdade processual-), essa forma desburocratizada de prestação de justiça, autorizada pelo legislador constituinte (CF, art. 98, I), tornou-se irreversivelmente imperativa. Não existem recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, em parte nenhuma do mundo, que suportem os gastos do modelo clássico de Judiciário.
A possibilidade de “transação” nas infrações de menor potencial ofensivo e suspensão do processo nos crimes médios (pena mínima não superior a um ano), que já estão sendo aplicadas pelos juízes criminais comuns, para além de representarem duas importantes vias despenalizadoras, reclamadas há tempos pela moderna Criminologia, pois procuram evitar a nefasta, porém ainda necessária, pena de prisão, está proporcionando benefícios nunca antes imaginados, principalmente em favor das esquecidas vítimas de delitos (pois permite reparação dos danos imediatamente em muitos casos ou simples satisfação moral). Tornou-se possível a ressocialização do infrator, porque além de reconhecer “sua” vítima, sente com rapidez as conseqüências do seu ato. Visivelmente, ademais, está “descongestionando” os juízos e Tribunais criminais.
As primeiras metas da Lei dos Juizados Criminais (desburocratização, celeridade, economia processual, fim das prescrições, solução rápida dos litígios, melhor imagem da Justiça, reparação em favor das vítimas, ressocialização alternativa etc.), pode-se dizer, já estão sendo alcançadas com surpreendente êxito, apesar da miserabilidade da maioria dos acusados filtrados pelo sistema (reconhecidamente seletivo). Agora, sem prejuízo de algumas correções na mecionada lei nacional, dois grandes desafios surgem no horizonte: a instalação formal dos Juizados e a preparação técnica e material dos órgãos persecutórios penais (Polícia e Ministério Público) para se alcançar o razoável controle (não é preciso falar em “guerra” ou “luta”) da criminalidade que atormenta intensamente o convívio social (crimes violentos, crime organizado violento e fraudulento etc.). Sempre se disse que a rapidez no julgamento dos casos de menor potencial ofensivo iria permitir finalmente levar ao banco dos réus os autores dos crimes graves, atentatórios dos direitos fundamentais mais relevantes. É preciso dar um basta à impunidade desses inomináveis ataques, que no Brasil estão tomando proporções alarmantes.
Para tanto, urge imediatamente a instalação dos Juizados Especiais, mesmo porque, como bem disse o ínclito Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente da Corte Suprema brasileira, “o Judiciário não tem mais crédito para frustrar essa esperança da sociedade”. Não é preciso pensar na criação de nada nababesco nem monstruoso. Impõe-se trabalhar com idéias simples e exeqüíveis, como utilização das dependências dos fóruns nas horas ociosas, oralidade praticamente total, auxílio de conciliadores, aproveitamento prioritário dos juízes recém admitidos na carreira (e que podem ser itinerantes, servindo não só em uma Comarca, senão em uma circunscrição), criação das turmas recursais, adaptação dos atuais sistemas informatizados para registro e controle dos casos julgados etc..
De outro lado, no que concerne ao crime organizado, impõe-se urgentemente a elaboração de uma nova lei, revogando-se a de número 9.034/95, que é provavelmente a mais desastrada da história republicana brasileira. A prova maior disso é o seguinte: um depois da sua vigência, não se tem notícia da sua aplicação num único caso. Um novo diploma legal, enxuto, claro e exeqüível deve começar pela definição de crime organizado (que não é a mesma coisa que quadrilha ou bando). Ainda terá que contemplar: a disciplina da interceptação telefônica, o estímulo a tratados e acordos internacionais (principalmente em relação à investigação e colheita de provas), o crime de lavagem de dinheiro “sujo”, a pena de perda de bens, coligada com a sua indisponibilidade, a responsabilidade indireta da pessoa jurídica, a quebra judicial do sigilo bancário, a proteção de testemunhas etc.
Critica-se, com freqüência, a Justiça globalmente considerada, de modo especial o Judiciário, pela inacessibilidade, morosidade etc. Chega-se até a invocar tais “mazelas” para justificar o “controle externo”. Mas nesse exato momento, ao menos no que concerne aos dois temas aqui tratados, a omissão e responsabilidade é do Poder Legislativo: estadual (quando aos Juizados) e nacional (em relação ao crime organizado). Quousque tandem?