Requisitos do exame psicológico, psicotécnico e psiquiátrico em concurso público

Quais os requisitos para que a Administração Pública Direta ou Indireta, nelas incluídas as autarquias, fundações, empresas públicas e as sociedades de economia mista possam inserir no Edital de Concurso Público a exigência do candidato de se submeter a exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos?

I – INTRODUÇÃO:

O ingresso no Serviço Público de forma permanente, após o advento da Constituição Federal de 1988, passou a ocorrer, através de concurso público de provas ou de provas e títulos.

Como conseqüência o Poder Público passou a ter que promover regularmente concursos objetivando preencher as vagas existentes no seu quadro funcional.

Habitualmente, as entidades que integram a Administração Pública inserem no Edital do concurso público a ser realizado que ele será composto de 02 (duas) etapas distintas. São elas: uma etapa que tem por finalidade comprovar a aptidão técnica do candidato, geralmente composta de provas escritas objetivas ou objetivas e dissertativas, de natureza eliminatória, e, excepcionalmente, de uma prova oral, que pode ser de caráter eliminatório ou classificatório e uma outra etapa objetivando comprovar a aptidão psíquica do candidato, composta de exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos, geralmente, de caráter eliminatório.

Com relação à etapa que tem por finalidade comprovar a aptidão técnica do candidato, via – de – regra, inexistem problemas, pois, o inciso II, do artigo 37, da Carta Magna de 1988, condiciona o ingresso no serviço público à aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.

O problema surge com a exigência contida no Edital do candidato se submeter a exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos, já que a Lei Maior não se refere em nenhum momento a esta espécie de exame, gerando, conseqüentemente, controvérsia sobre a validade destes exames.

Havendo, inclusive, quem defenda a tese de que uma vez que as normas constitucionais, reguladoras do ingresso na Administração Pública, previstas, sobretudo, nos artigos 37 a 41, da Constituição Federal de 1988, que são de abrangência obrigatória, portanto, aplicáveis indistintamente a todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) de todos os entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), não se referem a exames psicológico, psicotécnico ou psiquiátrico como requisito para ingresso no serviço público, fazendo menção apenas a exames de provas ou de provas e títulos, é inadmissível se exigir do candidato que ele se submeta a esta espécie de exame.

II – REQUISITOS DE VALIDADE DOS EXAMES PSICOLÓGICO, PSICOTÉCNICO E PSIQUIÁTRICO:

Entretanto, em que pese às posições em sentido contrário, a exigência contida no Edital de concurso público de que o candidato se submeta a exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos para ingresso no serviço público é válida desde que se preencham 03 (três) requisitos. São eles: um requisito geral, anterior a própria realização do concurso público, que é a previsão expressa na lei que institui o concurso público e dois requisitos específicos, relacionados diretamente com a elaboração e a conclusão dos laudos, que são a objetividade do exame e a recorribilidade da decisão.

O professor De Plácido e Silva[i], define juridicamente requisito como: “… a condição legal, exigida para que tudo se faça de acordo com a regra jurídica…”, o professor Pedro Nunes[ii], define requisito como “…Condição necessária para a existência legítima ou validade de certo ato jurídico, ou contrato; exigência da lei, para a produção de efeitos de direito…”; o professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira[iii], define requisito como “… 2 . Condição necessária para a obtenção de certo objetivo, ou para o preenchimento de certo fim ; quesito. 3. Exigência legal necessária para certos efeitos; quesito…”.

II.1 – REQUISITO GERAL: PREVISÃO EXPRESSA NA LEI QUE INSTITUI O CONCURSO PÚBLICO, significando que a exigência do candidato se submeter a exames psicológicos, psiquiátricos ou psicotécnicos tem que estar prevista expressamente em lei, em decorrência do Princípio da Legalidade, não podendo o Edital, portanto, como ATO ADMINISTRATIVO que é, estabelecer regras não previstas na lei, pois, nesta hipótese estaria sendo CONTRÁRIO A LEI, conforme se depreende da mera leitura do caput, e dos incisos I, II, do art. 37, da CF, 1988[iv]

Neste sentido é a posição do professor José Afonso da Silva[v]

“… A Constituição estatui que os cargos, empregos e funções são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros na forma da lei (art. 37, I, cf. EC-19/98). Há aí duas normas e dupla referência á lei. A primeira norma, que reconhece acessibilidade de todos os brasileiros, é de eficácia contida e aplicabilidade imediata, de sorte que a lei a ela referida não cria o direito previsto, antes o restringe ao prever exercícios para o seu exercício. Essa lei está limitada pela própria regra constitucional, de tal forma que os requisitos nela fixados não poderão importar em discriminação de qualquer espécie ou impedir a correta observância do princípio da acessibilidade de todos ao exercício da função administrativa. Mas a EC-19/98 inovou criando a possibilidade de acesso do estrangeiro aos cargos, empregos e funções públicas. É a outra norma, só que esta é de eficácia limitada, pois que o exercício do direito nela estatuído depende de forma a ser estabelecida em lei. Assim também é o direito à admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros nas universidades, previsto no art. 207, §1º (EC-11/96)

“… O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente realizar o princípio do mérito que se apura mediante investidura por concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II)…”.

A este respeito também são os ensinamentos do professor Hely Lopes Meirelles[vi] ao lecionar sobre concurso público.

“…O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei , fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da Constituição da República…”

A este respeito também é a posição dos Tribunais Superiores

CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – PROVIMENTO PARA O CARGO DE PROCURADOR DA REPÚBLICA – CLASSIFICAÇÃO EM PROVAS INTELECTUAIS – REPROVAÇÃO NOS TESTES DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA – NÃO CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS – INADMISSIBILIDADE – FALTA DE LEI QUE O EXIGE – SEGURANÇA CONCEDIDA.

Ementa oficial: Mandado de segurança. Exame psicotécnico em concurso para provimento de cargo de Procurador da República. Sendo o candidato Procurador da Fazenda Nacional, com cinco anos de exercício, e tendo obtido excelente classificação nas provas intelectuais do concurso, demonstrando perfeita adequação às funções do cargo pretendido, perde relevo o resultado do exame psicotécnico, que o Plenário do STF entende só ser exigível mediante lei.

Mandado de segurança concedido, para que o impetrante tome posse no cargo para o qual se habilitou[vii].

CONCURSO PÚBLICO – EXAME PSICOTÉCNICO – EXIGÊNCIA – PREVISÃO LEGAL – NECESSIDADE

Embora compatível com a Constituição Federal a exigência de aprovação em exame psicotécnico para ingresso em cargo público, tal requisito deve vir expresso na lei disciplinadora do concurso, que, quando omissa a respeito, não pode ser suprida, no particular, pelo edital do certame[viii]

Desta forma, a exigência da prestação de exame psicológico, psicotécnico ou psiquiátrico tem que vir expressa em lei em sentido estrito, NÃO PODENDO ser SUPRIDA por ATOS ADMINISTRATIVOS, mesmo que emanados de autoridade competente, tais como regulamentos, portarias, resoluções etc…, pois, estas espécies de atos são fontes secundárias que tem por função regular a lei propriamente dita e não se sobrepor a ela.

Além do que, por força dos Princípios da Reserva Legal e da Legalidade, previstos respectivamente, no inciso II, do art. 5.º e no caput, do art. 37, da Constituição Federal de 1988, somente através da lei alguém pode ser compelido a praticar ou deixar de praticar qualquer ato.

Neste sentido também são os ensinamentos do professor Celso Antônio Bandeira de Mello[ix], ao lecionar a respeito do regulamento ante o Princípio da Legalidade.

“…O texto Constitucional brasileiro, em seu art. 5.º, II, expressamente estatui que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

“Note-se que o preceptivo não diz “decreto”, “regulamento”, “portaria” , “resolução” ou queijandos. Exige lei para que o Poder Público possa impor obrigações aos administrados. É que a Constituição brasileira, seguindo tradição já antiga, firmada por suas antecedentes republicanas, não quis tolerar que o Executivo, valendo-se de regulamento, pudesse, por si mesmo, interferir com a liberdade ou a propriedade das pessoas…”

“…Em estrita harmonia com o art. 5.º, II, precitado, e travando um quadro de cerrado dentro do qual se há de circunscrever a Administração, com todos os seus órgãos e auxiliares personalizados, o art. 84, IV, delimita, então, o sentido da competência regulamentar do Chefe do Poder Executivo ao estabelecer que ao Presidente da República compete “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. Nisto se revela que a função regulamentar, no Brasil, cinge-se exclusivamente à produção destes atos normativos que sejam requeridos para “fiel execução” da lei. Ou seja: entre nós, então como se disse, não há lugar senão para os regulamentos que a doutrina estrangeira designa como “executivos”.

“…Reforçando, ainda mais, as dicções mencionadas, o art. 37 estabelece, enfaticamente, que: “A Administração Pública direta e indireta , de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade (…)” etc…”

“…Em suma: consagra-se, em nosso Direito Constitucional, a aplicação plena, cabal, do chamado princípio da legalidade, tomado em sua verdadeira e completa extensão. Em conseqüência, pode-se com Pontes de Miranda, afirmar: “Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso do poder regulamentar, invasão de competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem a categoria de lei…” .

No caso das autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a exigência de submissão do candidato aos exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos tem que vir expressa na lei que as institui, não podendo, a princípio, elas se servirem de outros estatutos do ente federado ao qual pertencem para inserirem no Edital de Concurso Público a exigência do candidato prestar tais espécies de exames, pois, elas possuem autonomia, sendo criadas e extintas por leis específicas, conforme se depreende da leitura dos incisos XIX e XX , do art. 37, da Constituição Federal de 1988[x].

II.2 – REQUISITO ESPECÍFICO: OBJETIVIDADE DO EXAME, que tem por base os Princípios Constitucionais da Isonomia, da Impessoalidade e da Moralidade Administrativa, previstos respectivamente nos arts. 5.º caput e 37, caput ambos da Constituição Federal de 1988[xi], significando que os exames psicológicos, psiquiátricos e psicotécnicos têm que estar relacionados com a atividade a ser desempenhada futuramente pelo candidato, NÃO SE ADMITINDO exames de conteúdo subjetivo que em nenhum momento se refiram à atividade a ser por ele exercida, pois, modernamente se entende que mesmo pessoas portadoras de determinadas perturbações psíquicas possuem direito a exercerem uma atividade profissional, desde que a patologia não influencie no trabalho a ser exercido.

Caso se permita ao Administrador agir de forma diferente, estará ele escolhendo a seu bel prazer quem deverá ingressar no serviço público, discriminando e afastando candidatos que pensem de forma diferente ou que por razões não declaradas não haja o interesse do ingresso dele na entidade ou instituição pública.

A este respeito são os ensinamentos do professor José dos Santos Carvalho Filho[xii].

Em estudo que fizemos a respeito, procuramos demonstrar que, por largo período as pessoas se insurgiam contra esse exame porque não se lhes permitia a verificação dos resultados. Concluímos, ao final, que a validade do exame psicotécnico estava subordinada a dois pressupostos necessários: o real objetivo do teste e o poder de revisão, para o fim de evitar qualquer forma de subjetivismo que vulnere o princípio da impessoalidade na administração.

Atualmente, está em curso de pacificação o entendimento de que o exame psicotécnico deve permitir ao candidato a avaliação do resultado. Em caso decidido pelo STF, o eminente Relator, Min. Francisco Rezek, deixou averbado que

“Não pode a administração travestir o significado curial das palavras, qualificando como exame à entrevista em clausura, de cujos parâmetros técnicos não se tenha notícia”.

E rematou o ilustre Relator:

“Não é exame, nem pode integrá-lo, uma aferição carente de qualquer rigor científico, onde a possibilidade teórica do arbítrio, do capricho e do preconceito não conheça limites”.

A decisão é irretocável e indica que não se pode considerar legítimo o exame em qualquer de suas etapas, quando a Administração promove entrevistas, diálogos, dissertações orais, sem que possa o candidato ter parâmetros para verificar o resultado. Sendo o exame calcado em pressupostos científicos e objetivos, terá licitude, pois que ao interessado será permitido confrontar o resultado a que chegaram os examinadores…”.

Neste sentido também são os ensinamentos do professor Celso Antônio Bandeira de Mello[xiii].

“… Os concursos públicos devem dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados. Sem isso ficariam fraudadas suas finalidades. Logo, são inválidas disposições capazes de desvirtuar a objetividade ou o controle destes certames. É o que, injuridicamente, tem ocorrido com a introdução de exames psicotécnicos destinados a excluir liminarmente candidatos que não se enquadrem em um pretenso “perfil psicológico”, decidido pelos promotores do certame como sendo o “adequado” para os futuros ocupantes do cargo ou do emprego…”

“…Exames psicológicos só podem ser feitos como meros exames de saúde, na qual se inclui a higidez mental dos candidatos, ou no máximo — e ainda assim, apenas no caso de certos cargos ou empregos — para identificar e inabilitar pessoas cujas características psicológicas revelem traços de personalidade incompatíveis com o desempenho de determinadas funções. Compreende-se, por exemplo, que um teor muito alto de agressividade não se coadunaria com os encargos próprios de quem deva tratar ou cuidar de crianças em creches ou escolas maternais. 24….”

E conclui o autor na nota de rodapé 24, fls. 258, do já citado livro”… Reconhecer que um dado traço de personalidade apresenta incompatibilidade com determinada atividade não é a mesma coisa que exigir que os candidatos estejam ajustados a um determinado esquema psicológico proposto como “padrão” previamente definido e qualificado como sendo o “perfil psicológico”, fora da qual o concorrente será eliminado…”.

Sobre a importância da objetividade dos exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos são os ensinamentos do professor J. Alves Garcia[xiv] a respeito dos requisitos morais e intelectuais de um perito.

“…Quando, no curso de um processo civil ou criminal, a Justiça achar útil ser informada sobre o estado mental da pessoa ou das pessoas em causa, ela poderá apelar para os conhecimentos de um ou de vários médicos. O psiquiatra designado pela Justiça para esclarece-la com a sua ciência toma o título de perito, e as operações a que se entrega para tal fim constituem a perícia. O resultado de suas investigações, consignado por escrito, chama-se relatório ou laudo…” .

E continua o ilustre autor às págs. 554 e 555.

Vamos resumir, segundo o Professor Simonin, os requisitos morais e intelectuais do perito;

A objetividade, para não estender-se ou perder-se em abstrações, sistemas ou modas científicas ou filosóficas.

O sentido realístico, que permite conceder aos fatos o seu valor real, para separa-los de considerações ou convenções sentimentais que os falsifiquem ou que os adornem de elementos morais que os agravem ou dissimulem.

A capacidade de reflexão e de bom senso, para reduzir um problema, por mais delicado que se apresente, a suas linhas essenciais e a termos simples.

A prudência, porque a causa próxima dos fatos e a sua natureza íntima às vezes escapam às nossas averiguações e não comportam mais do que simples presunções.

A imparcialidade,, pois, como já dissemos, o perito serve à Justiça, e não às partes.

A estas qualidades fundamentais é necessário ainda acrescentar, em vista da evolução que sofrem os tempos que atravessamos, o espírito jurídico e o senso sociológico, pois o perito freqüentemente há de ocupar-se de textos jurídicos, cuja interpretação deve influir em suas decisões. E como considera o homem o seu meio, em interação necessária, terá que atuar na diversidade de seus trabalhos em um campo de ação mais além da profissão médica, há de agir com a virtuosidade de um sociólogo

Também a este respeito é a posição dos Tribunais

CONCURSO PÚBLICO – TESTE PSICOLÓGICO – CARÁTER ELIMINATÓRIO – INADMISSIBILIDADE

É inadmissível reconhecer-se aos chamados testes psicológicos o caráter de prova eliminatória, a decidir, subjetivamente, os destinos do cidadão.

O art. 37 da CF consagra os princípios em que se deve pautar a Administração Pública, sendo incisivo quanto à acessibilidade dos cargos públicos a todos os brasileiros que preencham os requisitos da lei, dependendo a investidura da aprovação em concurso público de provas e títulos[xv].

Para sintetizarmos a importância da objetividade nos exames psicológicos, psicotécnicos e psiquiátricos citamos o VOTO do Ministro do Supremo Tribunal Federal, OCTÁVIO GALLOTTI[xvi] citado no item II.1, deste trabalho, que retrata uma experiência pessoal dele ao se submeter a exame psicotécnico para obter a renovação da carteira de motorista quando foi considerado insano e constata quão ambígua pode ser a decisão dos técnicos neste assuntoque consideraram em concursos assemelhados o mesmo candidato apto para exercer cargo público de procurador em um concurso e inaptopara exercê-lo em outro.

“…Tanto a Constituição como a Lei 1341/51, esta no artigo 3º, estabelecem que o ingresso na carreira do Ministério Público Federal se faz por meio de concurso de provas e títulos.

No caso, os impetrantes, todos três, foram aprovados nas provas e nos títulos, e, no entanto, não obtiveram êxito no final do concurso. Isso só se pode explicar, Sr. Presidente, pelo fato de que o exame psicotécnico, no qual foram eliminados, foi enquadrado nas instruções, no edital do concurso, como incluído na prova de sanidade física e mental, ou seja, tratar-se-ia de um exame de sanidade mental. Esse enquadramento, Sr. Presidente, é que não posso deixar de contestar.

Em certa manhã do ano de 1974, era eu Presidente do Tribunal de Contas da União, tive que comparecer a um instituto credenciado pelo DETRAN, a fim de prestar exame psicotécnico, exigido para renovação da carteira de motorista. Estava consciente, e até receoso, de que pudesse sair daquele laboratório, perdendo a licença de motorista. O que jamais poderia prever, Sr. Presidente, é que, na alternativa do insucesso, de lá saísse considerado insano mental, por alguém.

Mostra o exemplo que a prova em questão não é um exame de saúde, aliás nem mesmo ministrado por psiquiatras. É uma prova de habilitação.

O que os aplicadores dos testes procuram determinar é aquilo a que chamam o perfil do candidato e isso também explica, Sr. Presidente, por que um dos impetrantes, tendo sido habilitado para o concurso de Procurador do Estado de São Paulo, pelo mesmo Instituto, não foi aprovado no atual, porque ele, esclareceriam os psicólogos, com naturalidade, certamente preenchia o perfil de Procurador do Estado de São Paulo, mas não, agora, o de Procurador da República, ao ver daqueles d. Profissionais. Por esse motivo também, centenas de outros candidatos foram eliminados no notório concurso de Juiz do Estado de Tocantins — o primeiro para a Magistratura do novo Estado — porque, dizia-se então, não se ajustavam ao desejável perfil do “juiz tocantinense”.

Trata-se, portanto, realmente, de uma prova específica de habilitação e não de saúde, higidez ou sanidade.

Ora, a lei não exige essa espécie de prova de habilitação para o concurso, ora em apreciação.

Se lei houvesse seria de examinar-se a sua constitucionalidade, bem como as condições em que é realizado o exame.

Mas situando-se à margem da previsão legal, a espécie de prova, de cujo resultado adveio a eliminação dos impetrantes, defiro-lhes a segurança, tal como os Srs. Relatores e demais eminentes colegas que até agora se pronunciaram.”

II.3 – REQUISITO ESPECÍFICO: RECORRIBILIDADE DA DECISÃO, que significa que tem que se permitir sempre ao candidato à possibilidade de se recorrer do conteúdo do laudo, sob pena de se violar os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, previstos no inciso LV, do art. 5.º da C.F., de 1988[xvii].

A este também respeito são os ensinamentos do professor Hely Lopes Meirelles[xviii] ao lecionar sobre concurso público.

“Os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada para que os candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas”.Como os atos administrativos, devem ser realizados pelo Executivo, através de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos, dos quadros do funcionalismo, ou não, e com recurso para órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis”

Também neste sentido são os ensinamentos do professor Celso Antônio Bandeira de Mello[xix].

“… De toda sorte, é indispensável que os nomes dos responsáveis pelos sobreditos exames psicológicos sejam dados a público, para que possa ser aquilatada sua aptidão. Além disto, tais exames hão de ser revisíveis, reconhecendo-se ao candidato, nesta fase de reapreciação, o direito de indicar peritos idôneos para o acompanhamento e interpretação dos testes e entrevistas…”

Também a este respeito é a posição dos Tribunais

Ementa

Mandado de Segurança. Concurso Público. Agente Fiscal. Candidato aprovado nas provas de conhecimentos e títulos, mas eliminado no Exame Psicológico. Análise subjetiva. Recurso administrativo Vedado. Ato ilegal e arbitrário.

Ordem concedida. Apelação desprovida. Sentença confirmada em grau de reexame.

A entrevista psicológica de candidato a cargo público, por ser essencialmente subjetiva, não pode dispor caráter eliminatório, apresentando-se ilegal e arbitrário o ato impeditivo de prosseguir no certame o candidato que, aprovado nas provas de conhecimentos e títulos, acabou por ser considerado inapto ao exercício da função com base na conclusão do psicólogo, prevendo o edital a irrecorribilidade da decisão. [xx]

III – Conseqüência de não se atender aos 03 (três) Requisitos de todo laudo psicológico, psicotécnico ou psiquiátrico em concurso público.

A principal conseqüência[xxi] é a invalidação na modalidade de anulação desta exigência contida no Edital por ser um ato ilegal, podendo ser efetuada pela própria Administração de ofício ou pelo Poder Judiciário mediante provocação, produzindo, por ser um ato declaratório, efeitos “ex tunc”, retroativos, portanto, a época da lesão, com o aproveitamento da fase objetivando comprovar a aptidão técnica através de exames de provas ou de provas e títulos, pois, esta fase está amparada pelo Princípio da Legalidade, já que está prevista expressamente nos incisos I e II, do artigo 37, da Carta Magna de 1988.

IV – Ações Competentes:

As ações competentes podem ser, a princípio, de duas (02) espécies. São elas: o Mandado de Segurança ou uma Ação Cognitiva (ação de conhecimento).

O Mandado de Segurança, quando o candidato, sobretudo, objetivar o seu ingresso no Serviço Público e puder instruir a ação com todas as provas necessárias a concessão da segurança, do ”mandamus”, e estiver no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da lesão de direito, pois, este prazo possui natureza decadencial, conforme se depreende da leitura dos artigos 6º e 18 da lei n.º1.533, de 31/12/1951 c/c o inciso LXIX, do art. 5º, da CF. 1988.

A Ação Cognitiva ou de conhecimento que pode ser, conforme o objetivo do candidato-autor, Declaratória ou Condenatória.

A Ação Cognitiva Declaratória, objetiva obter do Poder Judiciário uma DECLARAÇÃO de que a exigência contida no Edital de Concurso Público do candidato se submeter a exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos não respeitou, conforme o caso, os Princípios da Legalidade, Isonomia, da Impessoalidade, da Moralidade Administrativa, do Contraditório e da Ampla Defesa, para a propositura, posteriormente, de uma outra ação, como por exemplo: uma ação indenizatória quando não interessar mais ao candidato o seu ingresso na Instituição Pública que o inabilitou, pois, nesta espécie de ação a prestação jurisdicional se exaure com a DECLARAÇÃO do DIREITO prestada pela Justiça, conforme se depreende da leitura do inciso I, do artigo 4.º do Código de Processo Civil.

A Ação Cognitiva Condenatória objetiva que o Poder Judiciário, em um primeiro momento, DECLARE que a exigência contida no Edital de Concurso Público do candidato se submeter a exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos não respeitou, conforme o caso, os Princípios da Legalidade, Isonomia, da Impessoalidade, da Moralidade Administrativa, do Contraditório e da Ampla Defesa e em seguida CONDENE a Administração Pública a contratar, caso se trate de emprego público, ou a nomear, caso se trate de cargo público, o candidato injustamente inabilitado no certame, sob pena de pagar uma multa pecuniária diária, conforme se depreende da leitura do art. 287, do Código de Processo Civil.

Devendo se registrar que há no caso em estudo um concurso de ações, pois, existe a disposição do autor, a princípio, 03 (três) ações para a defesa de seu direito. Contudo, caso ele exerça o seu direito através de uma delas e haja a prolação de uma sentença de mérito, não poderá ele exercer este direito através das outras ações[xxii].

V – Conclusão:

Em face do exposto conclui-se que a Administração Pública, seja ela Direta ou Indireta, pode incluir nos Editais de Concurso Público a exigência do candidato de se submeter a exames psicológicos, psicotécnicos ou psiquiátricos, desde que se respeitem (03) três requisitos. São eles: um requisito geral, anterior a própria realização do Concurso, que tem por fundamento o Princípio da Legalidade, previsto no caput e nos incisos I e II, do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que é a previsão expressa na lei que instituiu o concurso público e dois requisitos específicos, relacionados diretamente com a elaboração e a conclusão dos laudos, que são a objetividade do exame e a recorribilidade da decisão, que tem por fulcro os Princípios da Isonomia, da Impessoalidade, da Moralidade Administrativa e do Contraditório e da Ampla Defesa, previstos, no caput e no inciso LV, do artigo 5º e no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, gerando, o seu descumprimento a anulação desta exigência contida no Edital e o conseqüente aproveitamento das etapas que objetivam comprovar a aptidão técnica do candidato, através da prestação de provas ou de provas e títulos, por estar esta etapa prevista expressamente nos incisos I e II, do art. 37, da Constituição Federal de 1988.

Sendo sempre bom lembrar, os ensinamentos do saudoso professor Hely Lopes Meirelles[xxiii] sobre a importância do Concurso Público.

“…Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos…”

O presente artigo foi publicado na Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano 23, n. 55, p. 48-62, jan/mar 2002.

NOTAS DE RODAPÉ:

[i] Vocabulário jurídico, 11. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1989. 4v, p.110, negrito nosso.

[ii] Dicionário de tecnologia jurídica. No fim deste vol.: Brocardos e axiomas de direito romano e direito francês. 11. ed. rev., ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1982. 2v. p.789, negrito nosso

[iii] Novo dicionário aurélio da língua portuguesa, 2. ed. rev. e ampliada. 18. tiragem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.1492, negrito nosso.

[iv] Art. 37 – “…A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e da complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado de livre nomeação e exoneração;

[v] Curso de direito constitucional positivo, 16. ed. rev. e atualizada nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 20 de 15.12.1998) São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999 , p. 659, destaque nosso.

[vi] Direito administrativo brasileiro. 24. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestro Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999, p. 387, destaque nosso.

[vii] MS 20.972-1 – DF – TP- j. 6.12.89- rel. Min. Carlos Madeira-DJU 8.5.92

[viii] TRF-1ª R. – Ac. unân. da 1ª T. publ. no DJ de 20-11-95 – Rem. ex-officio em MS 94.01.23151-6-60 – Rel. Juiz Aldir Passarinho Junior – Adv: Célio Medeiros Cunha; in ADCOAS 8151141

[ix] Curso de direito administrativo. 13. ed. rev., ampliada e atualizada até a EC n.o. 31/2000 São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2001, p. 310 – 311, destaque nosso.

[x] Art 37 – inciso XIX –“… somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação…” e inciso XX – “…depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada…”;

[xi] Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência

[xii] Manual de direito administrativo. 4° ed. rev., ampliada e atualizada com a EC n.o. 19/98 (reforma administrativa) e EC n.o. 20/98 (reforma da previdência). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1999, p. 428, destaque nosso.

[xiii] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit. p. 257-259, destaque nosso.

[xiv] Psicopatologia forense: para médicos, advogados e estudantes de medicina e direito. 3. ed. refundida e atual. Rio de Janeiro: Forense,1979, p. 549 – 554 – 555, destaque nosso.

[xv] TJ-BA – Ac. unân. da 4ª Câm. Cív. julg. em 7-8-96 – Ap. 22.838-8-Capital – Rel. Des. Paulo Furtado; in ADCOAS 8152370

[xvi] arresto prolatado no MS 20.972-1 – DF – TP- j. 6.12.89- rel. Min. Carlos Madeira – DJU 8.5.92,

[xvii] Artigo 5 o. – LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[xviii] MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit. p. 388, destaque nosso.

[xix] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit. p. 258, destaque nosso.

[xx] Acórdão (TJ-PR) (Reex. Necessário 45.521-6) (Ac. 12.355) Remetente: Dr. Juiz de Direito Apelante: Estado do Paraná Apelado: Aluisio Neves Relator: Des. Maranhão de Loyola

[xxi] A este respeito é o inciso XXXV do art. 5.º, da CF de 1988 que consagra o sistema de controle único, também denominado de sistema anglo – saxão, dos atos administrativos em virtude do qual “…a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito…” e às súmulas n.s. 346 e 473, do Supremo Tribunal Federal que estipulam respectivamente que: “…A administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos…” e “…A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-lo por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em tais casos, a apreciação judicial…”

[xxii] A este respeito ler SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil: adaptadas ao novo código de processo civil. 11. ed. São Paulo : Saraiva, 1984. 1v, p. 191 – 193.

[xxiii] MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 387, destaque nosso

Referências Bibliográficas

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FILHO , José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 4° ed. rev., ampliada e atualizada com a EC n.o. 19/98 (reforma administrativa) e EC n.o. 20/98 (reforma da previdência). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1999

GARCIA, J. Alves. Psicopatologia forense: para médicos, advogados e estudantes de medicina e direito. 3. ed. refundida e atual. Rio de Janeiro: Forense,1979.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmulas 346 e 473. Regulam a revogação e a anulação dos atos administrativos por parte da Administração Pública.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. MS 20.972-1 – DF – TP- j. 6.12.89- Relator: Ministro Carlos Madeira -DJU 8.5.92.

BRASIL. Tribunal Federal de Recursos da 1.a. Região. Acórdão Unânime da 1ª Turma. MS 94.01.23151-6-60 – Relator: Juiz Aldir Passarinho Junior, publicada no DJ de 20-11-95 ( in ADCOAS 8151141).

BAHIA. Tribunal de Justiça. Acórdão Unânime da 4ª Câmara Cível. Ap. 22.838-8 – Capital . Julgado em 7-8-96. Relator: Desembargador Paulo Furtado (in ADCOAS 8152370).

PARANÁ. Tribunal de Justiça. Reexame. Necessário 45.521-6. Acórdão n.o. 12.355 Relator: Desembargador Maranhão de Loyola.

* SERGIO BAHIENSE COLÃO
Advogado no Rio de Janeiro

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