Do contrato de seguro no direito brasileiro: uma análise quanto as responsabilidades no combate a fraude
Resumo
A maioria da população sabe dos benefícios de se ter um seguro, mas nem todos têm a renda necessária para garantir-se de uma perda. Apesar do esforço das seguradoras em baixar os preços, estas, esbarram no maior inimigo do mercado segurador: a fraude.
Apesar de ser um crime previsto no Código Penal Brasileiro, a fraude é uma ocorrência extremamente corriqueira no mercado segurador, sendo praticada tanto por bandidos experientes quanto por pessoas comuns.
Intróito
A importância sócio-econômica dos contratos de seguro[1] nos dias atuais é resultado da imensa quantidade de contratações de diversas modalidades, pois estes garantem aos seus consumidores tranqüilidade e segurança, eis que, ocorrido o sinistro coberto pelo contrato de seguro, o prejuízo que teria o segurado será suportado pelo segurador, pois com o recebimento dos prêmios de seus segurados, este forma um fundo que propicia o pagamento das indenizações.
O contrato de seguro é, primordialmente um contrato de boa-fé[2]. A boa-fé é exigida tanto ao segurado, quanto ao segurador, prevendo a lei sanções para quem contratar de má-fé, conforme se verifica nos artigos 762[3], 765[4], 766 [5]do Código Civil.
Para se determinar o preço do seguro, o segurador contrata um atuário com a missão de estabelecer a importância do prêmio a ser pago pelo segurado para que se garanta o risco, através do cálculo das probabilidades.
Em síntese, o processo de construção do preço de um produto, sob o ponto de vista do risco consiste na avaliação do risco passado, nas características do produto que se pretende oferecer e, finalmente, na capacidade de se prever os riscos futuros.[6]
A Fraude
Um fato tem causado graves distorções nos preços do seguro, especialmente no Brasil. Trata-se da fraude, que tem proporcionado prejuízos relevantes às seguradoras, à economia nacional e, em última instância, à sociedade.
Quem acaba pagando o preço além das seguradoras, são os bons consumidores, uma vez que a fraude afeta diretamente os preços do seguro.
As dificuldades para a expansão mais rápida do mercado de seguros, esta justamente, no custo, porque todos estão cientes da sua importância e, na maioria das vezes, só não a contrata por falta de renda. E o custo só vai baixar se diminuirmos a sinistralidade. Portanto, assim, como os consumidores, as seguradoras têm maior interesse na redução do preço do seguro até para ampliar o seu mercado e a sua base de clientes.
A fraude é “má-fé, artifício malicioso, usado para prejudicar, dolosamente, o direito ou os interesses de terceiro” [7], ou seja, é crime e assim deve ser tratado.
A Fenaseg[8] estima prejuízos anuais entre 10% e 15% dos sinistros pagos, com os golpes fraudulentos. Essa é apenas uma estimativa, feita com base na expediência internacional, pois não existem pesquisas sobre as perdas causadas por sinistros pagos indevidamente. No ano 2003 foram pagos R$ 20 bilhões de sinistralidade, cerca de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões foram pagos indevidamente.[9]
Esses crimes podem ser cometidos por quadrilhas, criminosos que optaram pôr fazer da fraude um meio de vida, como também por cidadãos comuns, independentemente da classe social a que pertençam. Não é difícil, hoje em dia, conhecer alguém que já tenha batido o carro e feito um acerto para fraudar a companhia seguradora, ou tenha ocultado informações quanto ao uso do veículo para baratear o custo do seguro, enfim, são diversas ocorrências, que a área de sinistros de uma seguradora manipula diariamente.[10]
Do ponto de vista legal não existem mecanismos que possibilitem à seguradora selecionar seu segurado, por outro lado, os custos administrativos aumentariam, substancialmente, se as seguradoras tivessem de fazer uma avaliação prévia e criteriosa do segurado.[11]
Uma pesquisa encomendada pela Fenaseg revela que 67% dos entrevistados, atribuem à impunidade as fraudes no setor. A eficácia do combate à fraude, como a qualquer outro crime, repousa na certeza de sua punição, independente da pena a ele cominada.[12]
Uma prática comum são as ações judiciais movidas por segurados insatisfeitos pela recusa da seguradora no pagamento da indenização ou reparo do dano.
No entanto, são raros os casos de ações judiciais movidas contra segurados fraudulentos. E ainda temos no judiciário, magistrados protecionista, garantindo a fraudadores o recebimento de indenizações indevidas.
Comprovação da Fraude
Comprovar que houve fraude em um sinistro não é tarefa fácil e os fraudadores sabem disso. Além do que, prevalece a crença de que as seguradoras são empresas ricas e poderosas e tudo podem. Contudo, as pessoas esquecem que a fraude acaba sendo paga pelo bom consumidor, pois está embutida nas estatísticas que servem de base para a determinação do preço do segurado, como já dissemos.[13]
Sem dúvida, o meio mais inequívoco de comprovar a fraude é através do Inquérito Policial. No entanto, é sabido que este instituto, conduzido pela autoridade policial, não é eficaz, seja pela resistência a sua abertura ou pela demora na sua conclusão. Por certo, existe a prioridade ao combate a outros crimes que afligem mais a sociedade, como os resultantes do emprego de violência ou grave ameaça, tráfico de entorpecentes e outros tanto.[14]
É legalmente permitido que as seguradoras façam a sua própria investigação para apurar possíveis fraudes permitindo a negativa do sinistro pleiteado.
A despeito, o Promotor Bastos[15], foi mais além:
É claro que não se pode coonestar qualquer ilegalidade neste procedimento investigatório, parcial que o é por excelência: não me venham às seguradoras com grampos telefônicos, com assunção de culpa mediante coação, enfim, com nada que atente contra os direitos fundamentais do investigado. Respeitado isto, é perfeitamente lícito e incontroverso as investigações das próprias seguradoras, podendo perfeitamente servir de base à denúncia, com dispensa do inquérito policial. Ganha-se, assim, em celeridade e eficiência, desde que bem feita à investigação. (grifei)
E completou:
Por derradeiro, faço uma sugestão, que é a celebração do convênio entre o Ministério Público e a FENASEG, para a remessa direta das peças de informação recolhidas pelas próprias seguradoras, cabendo ao Promotor com atribuição oferecer diretamente denúncia – com imenso ganho de tempo – ou, se necessário, realizar diretamente as investigações imprescindíveis ao exercício imediato da ação penal, ou até mesmo mandar instaurar inquérito policial, caso a complexidade das investigações assim o recomendo.
É essencial que as seguradoras atentem para o papel fundamental que uma sindicância pode ter no combate a fraude, não somente na negativa da indenização, como também em uma ação penal.
Tem se evoluído no sentido dos Tribunais aceitarem o conjunto de provas levantadas pela sociedade seguradora quando não existe a tão desejada confissão ou outros meios de provas levantadas pelo inquérito policial e o Tribunal é obrigado a analisar as provas indiciárias e presunções.
Na grande maioria das vezes, as seguradoras têm apenas indícios da fraude, e no Brasil a prova indiciária ainda engatinha pelos tribunais.
A jurisprudência é uníssona:
Seguro – furto de veículo – negativa de cobertura ao argumento de que o segurado praticou fraude – ônus probandi que incumbe à seguradora – subsistência do dever de indenizar o prejuízo – pedido ressarcitório procedente – Apelo desprovido.
Ao segurador cabe, para exonerar-se da obrigação de indenizar assumido no contrato de seguro, o ônus da prova de sua irresponsabilidade. Na dúvida responde pela obrigação. (grifo nosso)[16]
E ainda: “Cumpre à seguradora o ônus probandi consistente na alegativa de não ser o veículo furtado, cuja indenização securitária é perseguida, mas sim outro objeto do pacto. Sem a prova inconcussa de tal fato subsiste o dever de indenizar pelo segurador. (grifei)[17]
Mas, uma nova visão do Judiciário com relação à fraude no seguro, renasce a esperança no combate a esse mal. Apesar de ainda muito tímido no meio jurídico, já é possível perceber o reconhecimento dos “indícios de fraude”.
No mês de abril o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgamento de apelação Cível nº 596/01, consagrou de vez a força dos indícios, ao declarar:[18]
[…] improcedente o pleito indenizatório com base em contrato de seguro de incêndio, se as inúmeras provas indiciarias e presunções contidas nos autos levam à conclusão de que o evento foi provocado, decorrendo da combustão de querosene e gasolina em chumaços de pano encontrados no local, bem como quando não resta demonstrada a existência de prejuízo, conforme conclusão da perícia contábil realizada. (grifei)
Nesse sentido ainda, decidiu o Tribunal: “Os indícios quando concludentes e todos desfavoráveis ao réu, autorizam uma sentença condenatória” (A.C. n º 01.021992-1, Rel. Genésio Nolli, grifo nosso).
Apesar de ainda ser o início de uma longa transformação, podemos considerar que é um bom começo.
Alegações Finais
O combate à fraude é antes de tudo, uma medida de proteção ao consumidor honesto. É preciso um empenho conjunto no combate a este crime tão nocivo ao mercado segurador, como também para a própria sociedade brasileira.
É preciso combater essa cultura, em relação à fraude securitária, em que gente comum se transforma em criminoso.
Por mais esforços que se façam, nenhum segmento sozinho, conseguirá obter sucesso com uma ação isolada. È necessário insurgir permanentemente frente a esse mal com a união das seguradoras, as delegacias de polícia e o Ministério Público.
Referências
BASTOS, Marcelo Lessa. O Ministério Público no Combate à Fraude nos Seguros. Palestra proferida no evento da FENASEG/MPRJ em 25 out. 2004. Disponível em: < http://www.fdc.br/o_ministerio_publico_.htm>. Acesso em 02 de nov.. de 2004.
BRASIL. Código Civil: Lei 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 196 p.
BRASIL. Dicionário Jurídico. 6º ed.atual. São Paulo: Rideel, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos: 19º ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização – FENASEG. Disponível em:
MARENSI, Voltaire Giavarina. O Seguro no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Síntese, 2000. 760 p.
MELLO, Sérgio Ruy Barroso de. Combate á Fraude contra o Seguro. Disponível em: < http://www.evirt.com.br/colunistas/sergioruy03.htm.>. Acesso em 02 de nov. de 2004.
MENDONÇA, Luiz Furtado de. O Seguro em Retalhos. Rio de Janeiro: Funenseg, 1997. 421 p.
PONTES, Marco Antônio T. de. A Fraude nos Seguros. Disponível em:
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Disponível em:
SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no cotidiano. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
[1] DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 488. “O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das parte (segurador) se obriga para com outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de risco futuros, previsto no contrato.”
[2] Ibid p. 492, “ …pois o contrato de seguro, por exigir uma conclusão rápida, requer que o segurado tenha uma conduta sincera e leal em suas declarações a respeito do seu conteúdo e dos riscos, sobe pena de receber sanções se proceder com má-fé”.
[3] BRASIL. Código Civil: Lei 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Artigo 762 “Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.”
[4] Ibid., artigo 765 “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fe e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.”
[5] Ibid., artigo 766 “Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença de prêmio.”
[6] PONTES, Marco Antônio T. de. A Fraude nos Seguros. Disponível em
[7] Conforme Dicionário Jurídico, 6º ed.atual. São Paulo: Rideel, 2002
[8] “A Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização – FENASEG, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, é uma associação sindical de grau superior, para fins de estudo, coordenação, proteção e representação legal das categorias econômicas do seguro privado e da capitalização.
Fundada em 25 de junho de 1951, por assembléia de delegados de cinco sindicatos de seguradoras: Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, com o objetivo de promover o desenvolvimento ordenado e eficiente desses mercados, definindo e defendendo seus direitos, e representando politicamente a categoria. Foi oficialmente reconhecida em 30 de novembro de 1953.
Atualmente a FENASEG congrega os oito sindicatos regionais de seguros privados, estabelecidos nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo; e tem como afiliadas 130 empresas, sendo que 116 operam em Seguro e, destas, 37 operam também em Previdência Complementar Aberta, e 14 operam em Capitalização.
As empresas associadas à FENASEG representam 98,6% do volume da arrecadação do mercado de seguros, previdência complementar aberta e de capitalização.” Disponível em
[9] Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 8. Informação disponível em
[10] PONTES, Marco Antônio T. de. A Fraude nos Seguros. Disponível em
[11] PONTES, Marco Antônio T. de. A Fraude nos Seguros. Disponível em
[12] Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 8. Informação disponível em
[13] PONTES, Marco Antônio T. de. A Fraude nos Seguros. Disponível em
[14] BASTOS, Marcelo Lessa. O Ministério Público no Combate à Fraude nos Seguros. Palestra proferida no evento da FENASEG/MPRJ em 25 out. 2004. Informação disponível em < http://www.fdc.br/o_ministerio_publico_.htm >. Acesso em 02 de nov. de 2004.
[15] Id.
[16] SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Disponível em:
[17] Ibid. AC nº 00.009290-8, de Blumenau, rel. Des. Anselmo Cerello.
[18] MELLO, Sérgio Ruy Barroso de. Combate á Fraude contra o Seguro. Disponível em:
* Patrícia Andréia Heck
Acadêmica de Direito do VI Semestre do Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI