Aspectos gerais da locação de imóvel urbano

1. Intróito

O presente estudo tem por escopo fazer uma exposição, ainda que resumida, dos aspectos principais da locação do imóvel urbano, de acordo com a Lei nº 8.245/91. Não faremos, todavia, aqui, uma análise exaustiva do assunto, assim como não trataremos, também, dos aspectos processuais decorrentes do exame desta espécie contratual, consagrados pela chamada Lei do Inquilinato. Procuraremos, destarte, tão-somente contribuirmos para um maior entendimento do instigante tema, elucidando-o mediante linguagem clara e didática o quanto possível.

2. Modalidades

Podemos identificar três modalidades de locação:

– A locação de coisas, que iremos analisar doravante;

– A locação de serviços, que no Direito moderno, apesar de ainda tratada pelo novo Código, foi absorvida em parte pelo contrato de trabalho, disciplinado pela legislação trabalhista;

– A locação de obra, que resultou no moderno contrato de empreitada.

3. Legislação aplicável

O nCC trata quase que seguidamente destas três aludidas espécies contratuais. A locação imobiliária é disciplinada pela chamada Lei do Inquilinato – Lei nº 8.245/91, após vários diplomas legais haverem regulado a matéria, agora revogados pela nova Lei.

As disposições do nCC acerca da locação de coisas se aplicam aos bens móveis e, somente supletivamente, aos imóveis, quando não houver disposição específica pela Lei do Inquilinato.

O art. 1º da Lei 8.245/91 aponta quais são as locações que continuam a ser reguladas pelo CC e pela legislação especial:

1. de bens dos entes federativos e das respectivas autarquias e fundações públicas. O fundamento para esta vedação é o interesse público, que não permite que suas locações sujeitem-se ao regime privado.[1] É de se salientar que as sociedades de economia mista e empresa pública, porque de Direito Privado, submetem-se às regras da Lei do Inquilinato;

2. de vagas autônomas de garagem. Não se excluem, porém, as vagas ou espaços de estacionamento ligados a uma locação de imóvel. Destarte, desde que não haja qualquer vinculação com o imóvel locado, as disposições acerca do contrato de garagem é que serão aplicadas;[2]

3. dos espaços de publicidade. É o que ocorre com qualquer espaço publicitário em prédio alheio, que deverá estar submetido às regras do poder de polícia que a ordem jurídica, nos arts. 29 e 30 da Constituição, mediante lei votada pelo corpo legislativo, concede às Autoridades Municipais na regulação do interesse local;

4. as locações referentes aos apart-hotéis, hotéis residência e equiparados. Sílvio Venosa entende que nestas modalidades de moradia, o que há é contrato de hospedagem e não de locação, sob o argumento de que o pagamento é feito na forma de diárias e não de aluguel. A importância desta distinção está em que, uma vez não acolhida pela Lei do Inquilinato, a relação de hospedagem não sujeita a parte contratante à ação de despejo, sendo cabível ação possessória para a restituição do imóvel;[3]

5. o arrendamento mercantil (leasing). O fundamento de sua exclusão do âmbito da Lei 8.245/91 é o de que o pagamento que se faz nestes casos não é mero aluguel, podendo também servir de pagamento parcial do bem arrendado. Não bastasse esta significante diferença, o instituto é regulado por lei própria – Lei nº 6.099/74, regulamentada pela Resolução nº 351/75 do Banco Central.

Relevante salientar que encontram-se, ainda, fora do alcance da Lei do Inquilinato a locação de bens móveis, com já observamos, assim como os imóveis rurais, entendidos estes últimos conforme sua destinação e não de acordo com a sua localidade. Em suma, a Lei 8.245/91 se aplica aos imóveis urbanos destinados à residência ou à atividade comercial.

4. Conceito e natureza jurídica da locação de coisas

O nCC, em seu art. 565, conceitua locação de coisas como o contrato através do qual “uma das partes se obriga a ceder a outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. A locação de gozo envolve, além do uso, a apropriação, também, dos frutos. No caso de locação somente do uso da coisa, o contrato se aproximará do comodato, com a significante diferença da remuneração. Não podem ser objeto de locação coisas consumíveis pelo uso, tais como energia elétrica, gás, calor etc. O termo arrendamento pode ser utilizado como sinônimo de locação, sendo aquele utilizado entre nós com mais freqüência às locações imobiliárias rurais

A locação possui natureza jurídica de contrato bilateral, comutativo, oneroso, consensual, de relação duradoura e não solene.

É bilateral pois cria obrigações recíprocas para ambas as partes. A importância prática desta característica é a possibilidade de se invocar o princípio da exceção de contrato não cumprido, consubstanciado nos arts. 476 e 477 do nCC; é comutativo porque as obrigações são de plano conhecidas dos contratantes no momento da conclusão da avença; é oneroso, vez que exige dispêndio de ambas as partes, sendo aluguel o termo utilizado para representar o valor da retribuição pela locação. Note-se que se a cessão da coisa for a título gratuito, o contrato será o de comodato; é negócio consensual porque independe da entrega da coisa para que se aperfeiçoe. Assim, o locador obriga-se a ceder a coisa, mas a tradição não é essencial ao negócio; é contrato de relação duradoura (ou de execução continuada), sendo-lhe essencial o decurso de prazo, seja determinado ou não; é, também, não solene uma vez que a lei não lhe exige forma especial, podendo ser verbal, conquanto na Lei do Inquilinato o contrato escrito conceda maior proteção ao inquilino.

Há certa digressão doutrinária acerca da caracterização do contrato de locação como intuitu personae, haja vista as disposições restritivas a respeito da cessão e sublocação. Sílvio Venosa ressalta que “sem dúvida há acentuado conteúdo de confiança pessoal depositada na pessoa do locatário”.[4] Para Orlando Gomes, porém, a locação é contrato impessoal, sob o fundamento de que “a morte de qualquer dos contratantes não o extingue. Admite, ademais, a cessão”.[5]

5. O sistema adotado pela Lei nº 8.245/91

A Lei do Inquilinato pode ser sistematizada em três grupos distintos de locação, que nortearão o presente estudo:

Locação residencial, subdividida em: a) com prazo certo igual ou superior a trinta meses, contratada por escrito; b) com prazo indeterminado ou inferior a trinta meses.

Locação não-residencial, subdividida em: a) locação comercial com direito à renovatória; b) outras locações livres.

Locação especial, tendo por objeto imóveis destinados à temporada.[6]

6. Locação residencial

6.1 com prazo certo igual ou superior a trinta meses, contratada por escrito

As principais características desta forma de locação residencial resumem-se em:

a) direito de retomada no vencimento, independentemente de motivação (denúncia vazia);

b) inocorrência de prorrogação legal obrigatória após o vencimento;

c) ocorrendo a prorrogação tácita, ainda assim ficará assegurada a possibilidade de denúncia vazia ao locador, desde que este notifique o locatário no prazo de 30 dias.

Assim, estabelece o art. 46 da Lei 8.245/91 que nos casos de locação com prazo certo igual ou superior a trinta meses, contratada por escrito, a resolução ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. No entanto, findo o contrato e permanecendo o locatário no imóvel locado por mais de 30 dias sem oposição do locador, ocorrerá a prorrogação tácita da locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato (art. 46, par. 1º da Lei 8.245/91). Neste último caso, poderá o locador reaver o imóvel a qualquer tempo, porém, com a exigência de que notifique previamente o locatário, concedendo prazo de 30 dias para a desocupação. Destarte, nesta forma de locação, findo o contrato por prazo determinado, o locador tem o prazo de 30 dias para ajuizar ação de despejo, sob pena de ficar obrigado a notificar o locatário.

6.2 com prazo indeterminado ou inferior a trinta meses

Os efeitos principais desta modalidade de locação residencial são os seguintes:

a) ocorrência de prorrogação legal compulsória após o vencimento;

b) o direito de retomada depende de motivação (denúncia cheia) e só é possível nos casos elencados na Lei;

c) a denúncia vazia somente será admitida após 05 anos de vigência ininterrupta da locação (art. 47, V).

Assim, nas locações avençadas com prazo indeterminado ou inferior a trinta meses, com a exceção do inciso V do art. 47, não há a possibilidade de denúncia imotivada do contrato, operando, com isso, a sua prorrogação automaticamente. Somente poderá ocorrer a retomada justificadamente na forma de um dos cinco incisos do art. 47, quais sejam:

I – nas hipóteses do art. 9º: (I) por mútuo acordo; (II) em decorrência da prática de infração legal ou contratual; (III) em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos; (IV) para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel, ou podendo, ele se recuse a consenti-las.

O distrato permite o desfazimento de qualquer relação contratual, autorizando, desta forma, o despejo. Quanto às infrações legais ou contratuais, os deveres e do locador e do locatário estão estampados na lei nos arts. 22 e 23. Evidentemente, se a infração for do locador esta permitirá somente eventual indenização ao inquilino e não o despejo, que se refere às infrações do locatário. A obrigação de pagar aluguel é descrita no art. 23, I, sendo essencial ao contrato de locação. No que toca às reparações urgentes no imóvel determinadas pelo Poder Público, deve o inquilino não só consentir com a realização dos reparos emergenciais como também comunicar esta necessidade ao locador.

II – em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário estiver relacionada com o seu emprego.

Nesta hipótese a norma procurou envolver zeladores, vigias, porteiros etc. Desfeito o vínculo trabalhista, abre-se ensejo ao despejo. No art. 59, par. 1º, II, abre-se a possibilidade de despejo liminar nestes casos, evitando-se que o empregador tenha que tolerar ex-empregado no local até a sentença.

III – se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio.

Importante fazer-se a distinção de uso próprio, que refere-se à qualquer utilização que se faça do imóvel, residencial ou não, e de uso residencial, i. e., exclusivamente residencial. A lei permite a retomada do imóvel justificada no primeiro caso somente ao próprio locador, seu cônjuge ou companheiro. Para ascendente ou descendente a finalidade deve ser o uso exclusivamente residencial. A jurisprudência já fixou entendimento de que, neste último caso, a norma se aplica também aos afins, permitindo que os sogros do locador sejam beneficiados (JTACSP 106/403, 106/411).

IV – pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinqüenta por cento.

Esta hipótese de desfazimento da locação não se confunde com aquela consubstanciada no inciso III do art. 9º. Isto porque, neste art. 47, IV, a demolição, edificação ou reforma no prédio locado dá-se por iniciativa do locador e não do Poder Público. Importante notar que a lei exige não só a demolição como também a ulterior edificação, preenchidos os requisitos de acréscimos mínimos do imóvel.

V – se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar 05 (cinco) anos.[7]

Este inciso cuida da denúncia imotivada da locação, na modalidade ora estudada. Destarte, caso tenha o locador preferido locação verbal ou, se por escrito, por período inferior a 30 meses, deverá aguardar os cinco anos para poder, imotivadamente, despejar o seu inquilino.

7. Locação não-residencial

7.1 locação comercial com direito à renovatória

O fundamento principal desta modalidade de locação é proteger o fundo de comércio, o ponto, em uma palavra: o aviamento. Desta forma, previnem-se os lucros cessantes derivados da interrupção da atividade e da necessidade de se deslocar o estabelecimento.

Importante salientar que o direito à renovação é norma cogente, de expressa disposição pelo art. 45, não sendo possível a dispensa pelas partes de seus efeitos.[8]

O art. 51 da Lei 8.245/91 fixa os requisitos necessários para a renovação, assegurando-a ao empresário que explora o mesmo ramo de atividade econômica por, no mínimo, três anos consecutivos, em imóvel locado por escrito e por prazo determinado mínimo de cinco anos, computadas as renovações sucessivas.[9]

A lei estende a proteção também às indústrias e sociedades civis com fins lucrativos, desde que, por óbvio, preencham os requisitos legais.

A renovação compulsória, se impossível a consensual, será possível mediante ajuizamento de ação renovatória pelo empresário-locatário no prazo decadencial que compreende o período de um ano no máximo a seis meses no mínimo imediatamente anteriores ao término do contrato em vigor. A legitimidade ativa para a propositura da ação se estende ainda aos cessionários ou sucessores da locação e, no caso de sublocação total do imóvel, o direito à renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário (art. 51, par. 1º, Lei 8.245/91).

O art. 52 trata das hipóteses em que o locador não estará obrigado a renovar o contrato de locação:

I – se por determinação de Poder Público tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade.

O fundamento desta possibilidade de não-renovação do imóvel reside, na primeira hipótese, na eventual sanção a ser imputada ao locador em caso de descumprimento de determinação oficial do Poder Público. Na segunda hipótese, a conveniência do locador em retomar o prédio locado com o escopo de promover sua valorização, maximizando o seu valor.

II – se o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.

Aqui, o locador pode retomar o imóvel para uso próprio, ou seja, até mesmo para uso exclusivamente residencial, se o imóvel assim comportar. Para as demais pessoas arroladas neste inciso, é necessário que a retomada se destine ao requisito exigido pela lei.

Importante analisarmos as exceções que se opõem ao inciso transcrito. Assim, na hipótese descrita, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences, como se sucede, e.g., com postos de serviços e abastecimento de automóveis. Outra exceção à norma aludida diz respeito às locações de espaço em shopping centers, que não são abrangidas pelo dispositivo. Nestes casos, o locador não poderá se opor à renovação com fundamento no inciso II do art. 52.

Afora esta hipóteses legais, o locador poderá opor-se à renovação se comprovar melhor proposta de terceiro. Abre-se, contudo, ao locatário replicar se aceita as condições propostas para a melhor locação, caso em que obterá direito à renovação pretendida, eliminando o fato obstativo.

O parágrafo terceiro do art. 52 da Lei 8.245/91 estabelece, ainda, que o locatário terá direito à indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.

Em síntese, caso seja julgada procedente a pretensão renovatória, mantém-se a locação, devidamente atualizada; julgada improcedente, desfaz-se a locação, com ou sem direito a indenização, conforme o caso.

7.2 outras locações livres

Distinção importante a se fazer, no que toca às locações não-residencias, refere-se ao fato de estarem acobertadas ou não pela ação renovatória. Caso a resposta seja negativa, o contrato submeter-se-á aos princípios gerais da Lei 8.245/91, sujeitando-se à denúncia imotivada após findo o prazo determinado.[10]

A lei mantém, portanto, a regra geral da denúncia vazia para os imóveis não residenciais, não fazendo maiores restrições para o exercício do direito de retomada do locador.[11]

Por outro lado, no tocante às locações celebradas com hospitais, estabelecimentos de saúde e de ensino, templo religiosos, a Lei é ainda mais protetiva no que toca à rescisão do contrato do que naquelas locações acobertadas pela ação renovatória.

Neste contexto, o art. 53 da Lei 8.245/91 traça as condições especiais para o eventual desfazimento do vínculo locatício que envolva estabelecimentos desta natureza, de evidente significância social e humanitária, exigindo, para a sua rescisão, que ocorra as situações descritas no já estudado art. 9º (I), caindo-se na vala comum de todas as locações; ou se o locador pedir o imóvel para demolição, edificação licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinqüenta por cento da área útil (II).

Nas precisas palavras de Sílvio Venosa: “a lei parte para uma grande restrição ao direito de propriedade e suprime destas locações o sistema ordinário do art. 56, qual seja, a denúncia vazia das locações não residenciais. Trata-se de proteção maior que a conferida pela ação renovatória, uma vez que a permanência da locação independe de qualquer iniciativa do locatário. Também o prazo de desocupação, quando decretado o despejo nas situações permitidas, é mais elástico (art. 63, par. 3º)”.[12]

8. Locação para temporada

O artigo 48 da Lei 8.245/91 considera locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Esta forma de locação do imóvel urbano refere-se a situações transitórias, salvaguardando os interesses de ambos os contratantes e fornecendo instrumentais necessários para coibir fraudes.

Importante aspecto da locação para temporada é a necessariedade de contrato escrito, uma vez que a lei exige, para esta modalidade, prazo determinado. Caso seja ajustada verbalmente, o contrato amoldar-se-á às regras do art. 47. O mesmo se sucederá caso o locatário permaneça no imóvel além do prazo permitido e sem oposição do locador.[13] Aqui, é mantida a relação locatícia, mas com modificação de sua causa.

Podem haver situações, porém, que façam relativizar a exigência legal de prazo máximo para a locação para temporada, como nos casos de locação para tratamento de saúde em que, e. g., contrariamente ao previsto pelas partes, se estendeu além dos noventa dias fixados pela norma. A matéria, porém, merece maiores cuidados no caso concreto.

A peculiaridade desta forma de locação diz respeito à forma de pagamento que permite, excepcionando a regra geral, que o aluguel e demais encargos sejam pagos e recebidos antecipadamente,[14] levando-se em conta ser contrato de curta duração.

9. Outros aspectos importantes

9.1 Alienação do imóvel durante a locação

A alienação do imóvel durante a locação permite a denúncia do contrato, devendo esta ser exercida no prazo de 90 dias, contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo-se, após este prazo, a concordância com a manutenção da locação. Esta regra aplica-se a todas as modalidades de locação, com a exceção daquelas contratadas por prazo determinado, com cláusula de vigência e devidamente registradas no registro imobiliário competente. [15] O fundamento desta orientação legal reside no fato de que o novo adquirente é estranho ao pacto locatício, salvo o registro imobiliário que faz tornar público o contrato.

9.2 Morte do locador e do locatário

Tanto a morte do locador quanto a do locatário não faz desaparecer a relação locatícia. No primeiro caso, a locação transmite-se aos herdeiros (art. 10); no segundo, a lei elenca a ordem de sub-rogação (art. 11): nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica do de cujus , desde que residentes no imóvel (I); nas locações com finalidade não residencial, o espólio e, se for o caso, seu sucessor no negócio (II). A razão da distinção se dá tendo-se em vista o caráter intuitu familiae do contrato de locação residencial.

Importante observar que a fiança, sendo garantia pessoal, extingue-se com a morte do locatário, devendo ser apresentada nova garantia se assim exigir o locador. Outra observação refere-se à ocupação ilegítima do imóvel em caso de morte do locatário, por pessoas estranhas à ordem legal. Neste caso, a ação cabível não será o despejo e, sim, a possessória, pois serão considerados intrusos, não participantes da relação locatícia.[16]

9.3 Separação e divórcio do locatário

Nas hipóteses de separação ou divórcio a locação se estenderá com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel locado (art.12), devendo esta sub-rogação ser comunicada por escrito ao locador que poderá exigir, no prazo de 30 dias, a substituição do fiador ou oferecimento de nova garantia dentre as admitidas pela lei,[17] sendo esta, na verdade, a finalidade da comunicação ao locador.

9.4 Cessão, sublocação e empréstimo do imóvel em locação

Trata-se de vedação legal a transferência do contrato de locação e a cessão sem o prévio consentimento expresso do locador (art. 13), podendo, em caso de sublocação não consentida, dar margem à rescisão da do contrato.

A sublocação, como ocorre com qualquer contrato derivado, haverá de seguir o contrato-base, não podendo, desta forma, permitir o que este proíbe. Assim, extinto o contrato-base, seja qual for a sua causa, serão também extintas as eventuais sublocações, ressalvados direitos indenizatórios em favor do sublocatário contra o sublocador (art.15). Por fim, o art. 21 estipula expressamente que o aluguel da sublocação não poderá exceder o da locação, estando autorizado ao sublocatário reduzi-lo até o valor que seria permitido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3a ed. São Paulo : Atlas, 2003.

GOMES, Orlando. Contratos. 18a ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999. (edição atualizada por Humberto Theodoro Júnior).

PICANÇO. Melchiades. A força eterna do Direito. Rio de Janeiro : Peneluc, 1996.

SLAIBI FILHO, Nagib. As leis que regem as locações de prédio urbano no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3791.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : contratos em espécie. 2a ed. São Paulo : Atlas, 2002.

[1] Nagib Slaibi Filho observa que “quanto à locação de prédios públicos urbanos, observa-se que a Constituição de 1988 conferiu às entidades federativas (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal – embora este não tenha sido mencionado no referido parágrafo único) o poder de dispor sobre o regime jurídico de seus bens inclusive imóveis, o que se pode verificar pela ausência de previsão de legislação privativa ou complementar da União nos arts. 22 e 24 da Carta Magna. Mas a Constituição brasileira − instituindo o nosso peculiar Pacto Federativo, que compreende três esferas governamentais, União, Estados e Municípios − limita a autonomia legislativa das entidades federativas, pois declara, por exemplo, que os bens públicos não podem ser usucapidos (art. 183, § 3º, art. 191, parágrafo único) e que as contratações realizadas pelo Poder Público devem obedecer ao procedimento licitatório (art. 37, XXI)”. As leis que regem as locações de prédio urbano no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3791.

[2] O contrato de garagem é contrato complexo e atípico, compreendendo as espécies contratuais da locação de coisas, do depósito e da prestação de serviços. É diverso, portanto, do contrato regido pela Lei do Inquilinato.

[3] Direito civil : contratos em espécie. 2a ed. São Paulo : Atlas, 2002, p. 145. O autor observa, porém, que ainda não há legislação própria cuidando da matéria

[4] Op. cit., p. 135.

[5] Contratos. 18a ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999. (edição atualizada por Humberto Theodoro Júnior), p. 275.

[6] Esta a sistematização proposta, dentre outros, por Humberto Theodoro Júnior em nota de atualização à obra de Orlando Gomes. Contratos. 18a ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 288-289.

[7] Sílvio Venosa aponta ser este o dispositivo mais importante do art. 47 da Lei 8.245/91, “sendo um dos dispositivos fundamentais da nova lei em relação à legislação pretérita”. Op. cit., p. 149.

[8] Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto. Afirma Sílvio Venosa: “não pode o contrato impedir ou dificultar o direito à renovação, porque qualquer cláusula neste sentido é nula de pleno direito”. Op. cit., p. 152.

[9] Waldo Fazzio Júnior. Manual de Direito Comercial. 3a ed. São Paulo : Atlas, 2003, p. 100.

[10] Art. 56. Nos demais casos de locação não residencial, o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.

Parágrafo único. Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado.

Art. 57. O contrato de locação por prazo indeterminado pode ser denunciado por escrito, pelo locador, concedidos ao locatário trinta dias para a desocupação.

[11] Sílvio Venosa explica esta opção legislativa: “a finalidade especulativa, na maioria das vezes, da locação não residencial, é incompatível com restrição ao exercício do direito de retomada.” Op. cit., p. 151.

[12] Op. cit., p. 158. Dispõe o art. 63: Julgada procedente a ação de despejo, o juiz fixará prazo de trinta dias para a desocupação voluntária, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes:

§ 3° Tratando-se de hospitais, repartições públicas, unidades sanitárias oficiais, asilos e estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, e o despejo for decretado com fundamento no inciso IV do art. 9° ou no inciso II do art. 53, o prazo será de um ano, exceto nos casos em que entre a citação e a sentença de primeira instância houver decorrido mais de um ano, hipótese em que o prazo será de seis meses.

[13] Art. 50. Findo o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel sem oposição do locador por mais de trinta dias, presumir-se-á prorrogada a locação por tempo indeterminado, não mais sendo exigível o pagamento antecipado do aluguel e dos encargos.

Parágrafo único. Ocorrendo a prorrogação, o locador somente poderá denunciar o contrato após trinta meses de seu início ou nas hipóteses do art. 47.

[14] Art. 49. O locador poderá receber de uma só vez e antecipadamente os aluguéis e encargos, bem como exigir qualquer das modalidades de garantia previstas no art. 37 para atender as demais obrigações do contrato.

[15] Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

§ 1º Idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo. § 2º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo – se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação.

[16] Sílvio Venosa. Op. cit., p. 162.

[17] Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: I – caução; II – fiança; III – seguro de fiança locatícia.

Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.

* Lucio Picanço Facci
Advogado do escritório Fontes, Oliveira, Gonçalves & Navega, no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

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