1. Introdução
Após dez anos de tramitação na Câmara, período em que recebeu quase 500 emendas, o texto da nova Lei de Falências foi aprovado em 15 de outubro de 2003, em Plenário, por 245 votos a 24 e sete abstenções.
O Projeto de Lei n. 4.376/93, na forma do substitutivo apresentado pelo relator da matéria, deputado Osvaldo Biolchi (PMDB-RS), cria as recuperações extrajudicial e judicial como procedimentos para se tentar evitar a falência, estabelecendo regras que preservam a existência de empresas em dificuldades. O relator introduziu em Plenário novas alterações ao texto encaminhado no final de julho deste ano, que constavam de destaques de votação em separado dos partidos da base aliada. Isso permitiu a retirada desses destaques e acelerou a votação da matéria.
Na votação do projeto, o deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS), leu declaração de voto de integrantes da bancada do PT que votaram contra o texto. Eles argumentam que o projeto não trouxe avanços para os trabalhadores e manteve privilégios do Sistema Financeiro Nacional no recebimento dos créditos das empresas em falência.
Já o relator Osvaldo Biolchi disse que a lei da recuperação judicial é um fato novo no País e no mundo, argumentando que: “Constitui um instituto ímpar com o qual banimos a concordata. A concordata e a falência, como estão sendo aplicadas, causam fraudes aos credores, trabalhadores e empresários”.
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, agradeceu aos líderes partidários que colaboraram com o debate, e para ele, “a Câmara oferece à sociedade brasileira um texto que corresponde à realidade atual do País”.
Pela nova lei, a empresa em crise financeira vai ter seis meses para se reerguer. Se não conseguir, a Justiça declara sua falência. É mais uma vitória do governo, que se apóia no tripé: reforma tributária, reforma da previdência e na Lei de Falências para baratear o crédito no País.
A proposta vai substituir a Lei de Falências, que tem quase 60 anos. A principal mudança é o fim da concordata. O projeto cria a recuperação judicial de empresas, e o empresário vai ter seis meses para fazer um acordo com trabalhadores, governo e credores. Se não houver acordo, a Justiça decreta a falência da empresa.
Pela lei atual, a concordata pode estender-se por muitos anos. No primeiro ano do acordo, a empresa deve acertar as dívidas com os trabalhadores. Depois, simultaneamente, quitar débitos com o governo e os credores financeiros, na proporção de um para um.
Hoje, após pagar os trabalhadores, as empresas devem primeiro acertar as dívidas com o governo e depois com os credores. Para a oposição, a proposta do governo é tímida.
A matéria é de interesse do Ministério da Fazenda, que pretende aumentar o número de empresas recuperadas. Hoje, de cada dez empresas que pedem concordata, oito acabam na falência e fecham postos de trabalho.
O projeto acaba com a concordata, que permite a muitos empresários rolar as dívidas por anos a fio, e cria a recuperação da empresa.
Depois de muitos anos de discussões na Câmara, o governo Lula conseguiu aprovar o texto principal da nova Lei de Falências. A proposta agora segue para o Senado.
Abaixo, comentaremos algumas das mudanças da nova lei, que abandona a falência e a concordata, passando à regulamentação da recuperação de empresas e liquidação.
2. Imóvel na planta
Dentre as modificações feitas está a exclusão do artigo que tratava do direito real nos empreendimentos imobiliários. O dispositivo tornava ineficaz a constituição de direito real de garantia em relação aos imóveis vendidos na planta. Mas essa ineficácia seria válida somente se o comprador tivesse quitado o compromisso de compra e venda, ou quando as quantias liberadas pelo credor à empresa devedora não tivessem sido aplicadas diretamente na construção do empreendimento.
3. Ações e créditos trabalhistas
Outro ponto reformulado retira do texto a possibilidade de as ações trabalhistas em curso contra o devedor serem processadas perante a Justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, assim como a faculdade de o credor requerer a reserva da importância estimada até o trânsito em julgado da sentença.
O relator também excluiu do projeto, no caso da recuperação judicial, a garantia de prioridade dos créditos trabalhistas individuais sobre o pedido de restituição do adiantamento em contrato de câmbio para exportação; e a possibilidade de qualquer credor pedir a recuperação judicial do devedor. A expressão “pessoa física” foi retirada do artigo que lista os beneficiários da lei para adequá-la ao novo Código Civil, que usa a expressão “empresário” para aqueles que exerçam profissionalmente atividade econômica organizada.
4. Recuperação extrajudicial
Pelo texto aprovado, para que um processo de recuperação extrajudicial seja iniciado, o empresário em situação de insolvência deverá apresentar a seus credores – excluídos os trabalhadores e o Fisco – uma proposta de recuperação, que, se aceita pela maioria dos credores em Assembléia Geral, será levada ao Judiciário para homologação. O juiz apreciará os eventuais pedidos de impugnação formulados por credores insatisfeitos com o acordo. Caso as impugnações não sejam acatadas, o acordo será homologado, cabendo sua gestão às partes envolvidas.
5. Recuperação judicial
Diferentemente da extrajudicial, a recuperação judicial não tem início com uma tentativa direta de acordo entre devedor e credores. Nesse mecanismo, o devedor apresenta ao Judiciário um plano de recuperação, contendo um diagnóstico da situação da empresa e sua proposta para a renegociação das dívidas. A proposta será submetida a uma Assembléia Geral de Credores, que pode aprová-la, rejeitá-la ou propor um plano alternativo. Rejeitadas todas as alternativas de plano de recuperação, o juiz decretará de imediato a falência da empresa.
Para requerer sua própria recuperação, a empresa e seus proprietários devem atender a determinados requisitos, como não estar em falência; não ter requerido recuperação judicial há menos de cinco anos; e não ter sofrido condenações pelos crimes previstos no projeto. Entre esses crimes estão o de gerir fraudulentamente a empresa; prestar informações falsas a fim de induzir o juiz; e ocultar bens da empresa sob recuperação judicial ou falência.
6. Mecanismos de recuperação
A nova Lei de Falências estabelece um elenco de opções que poderão ser consideradas para a elaboração do plano de recuperação judicial. Dentre elas, constam a concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações; a cisão, incorporação, fusão e transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral ou cessão de suas cotas ou ações; a substituição total ou parcial dos administradores; o aumento de capital social; o arrendamento, de preferência às sociedades cooperativas formadas por empregados da própria empresa; a celebração de acordo coletivo de trabalho, inclusive para reduzir salários e aumentar ou reduzir a carga horária dos trabalhadores; a venda parcial dos bens; a constituição de sociedade de credores; e a administração compartilhada.
7. Empresas atingidas
Atualmente, a concordata e a falência só atingem as empresas comerciais. Bancos, por exemplo, submetem-se a um regime de liquidação extrajudicial imposto pelo Banco Central. De acordo com o projeto, continuarão sujeitos à recuperação e à falência todas as sociedades empresárias e simples, bem como os empresários que exerçam atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Permanecem de fora os agricultores que exploram propriedades rurais apenas para fins de subsistência de suas famílias; as sociedades cooperativas; o profissional liberal e sua sociedade civil; e o artesão.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista, que hoje estão fora do Direito Falimentar, serão submetidas a uma legislação específica. Do mesmo modo, ficam de fora as instituições financeiras públicas e privadas; cooperativas de crédito; empresas de previdência privada e operadoras de planos de saúde; e sociedades seguradoras, de capitalização e consórcios.
8. Comitê de Recuperação
Outra novidade da recuperação judicial é a figura do Comitê de Recuperação. Sua instalação não é obrigatória e dependerá exclusivamente de decisão judicial que leve em conta o grau de complexidade da recuperação em questão e o porte econômico-financeiro da empresa envolvida. O comitê será composto por um representante dos empregados; outro da classe de credores com garantia real ou privilégios especiais; e um terceiro da classe de credores quirografários, subordinados ou com privilégios gerais. Aos membros do comitê, em conjunto com o administrador judicial, caberá fiscalizar a gestão do empresário em recuperação, além de diagnosticar a situação econômico-financeira da empresa, incluindo detalhes de natureza contábil e administrativa dos negócios. A remuneração do administrador judicial não poderá exceder a 5% do valor a ser pago aos credores e será fixada pelo juiz de acordo com a complexidade do trabalho. Para o relator, esse comitê “poderá ser de grande valia para o êxito das empresas de médio e grande portes”.
9. Prazos para dívidas
Atualmente, em caso de concordata, a lei estabelece o pagamento da dívida em dois anos, sendo 40% no primeiro e 60% no segundo. O projeto não define prazo para o término da recuperação judicial, mas ela ficará sob tutela judicial por até dois anos.
10. Micro e pequenas empresas
Diferentemente do previsto para as empresas de maior porte, o projeto estabelece que, para os micro e pequenos negócios em procedimento de recuperação judicial, os débitos existentes serão pagos em 36 meses, sendo a primeira parcela paga em 180 dias após a apresentação do pedido de recuperação judicial em juízo. Esse prazo poderá ser prorrogado pela autoridade judiciária por até um ano, desde que haja anuência da maioria dos credores. O parcelamento dos débitos tributários das empresas optantes pelo Simples será objeto de lei específica.
Durante todo esse período, a empresa não poderá aumentar gastos, despesas ou contratar empregados, exceto se houver expressa concordância do juiz, ouvidos os credores.
Já a falência das micro e pequenas empresas deverá ocorrer em um prazo de cinco anos. O tratamento das dívidas trabalhistas também será diferenciado. Elas não poderão comprometer mais do que 30% do ativo circulante da empresa; se for superior, o juiz determinará um novo critério de rateio.
11. Prioridades no recebimento
Pela legislação atual, em caso de falência os credores recebem os valores que lhes são devidos na seguinte ordem: créditos trabalhistas; dívidas tributárias; credores com garantia real (hipoteca, penhor); credores com privilégios de acordo com o estabelecido pela legislação civil; e, por último, os quirografários, como são chamados os que não têm qualquer prioridade no recebimento.
O projeto estabelece que, na recuperação judicial, a ordem de classificação dos créditos será definida no plano aprovado, assegurada a prioridade para os créditos individuais derivados das relações de trabalho (salários e indenizações).
No caso da falência, a classificação obedecerá à seguinte ordem: créditos derivados das relações de trabalho; créditos fiscais; créditos com direitos reais de garantia; créditos com privilégio especial; créditos com privilégio geral; créditos quirografários; e créditos subordinados.
O texto estabelece ainda que as despesas com os procedimentos de recuperação judicial e falência serão consideradas extraconcursais, o que significa que terão prioridade no recebimento, não integrando a lista de credores. Nesse grupo, encontram-se os novos créditos que forem oferecidos ao devedor durante a fase de recuperação judicial. O objetivo é estimular que os credores continuem apostando na recuperação da empresa, possibilitando novos aportes de recursos ou mercadorias.
12. Venda antecipada de bens
Outra novidade do conceito de falência é a venda antecipada de bens, que deverá ser realizada de acordo com a seguinte ordem de preferência: alienação do estabelecimento em bloco; alienação de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; e alienação parcelada ou individual dos bens.
A venda antecipada pretende evitar que os bens se deteriorem ou se desvalorizem ao longo do tempo, além de possibilitar a diminuição de possíveis desmandos, manipulações e desvios que costumam ocorrer na fase de arrecadação da falência. Os bens arrecadados no início da falência também poderão ser dados em pagamento, observada a ordem de preferência dos credores, após a respectiva avaliação. O processo de falência, todavia, não poderá perdurar por prazo superior a quatro anos, cabendo ao juiz tomar todas as providências para a responsabilização civil e criminal dos responsáveis.
13. Fraudes e penalidades
O projeto dedica um capítulo especial aos chamados crimes falimentares, estabelecendo um conjunto de penas a que estarão submetidos os que forem condenados. As punições previstas incluem a inabilitação para o exercício de atividade empresarial; incapacidade para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das empresas sujeitas à lei; e impossibilidade de gerir a empresa por mandato ou gestão do negócio. As penas incluem também reclusão e multa.
14. Código Tributário
O Plenário também aprovou, por 316 votos a 3, o Projeto de Lei Complementar n. 72/2003, na forma de emenda substitutiva global apresentada pela base governista. O projeto modifica dispositivos do Código Tributário Nacional para adequá-lo às alterações que serão promovidas pela nova Lei de Falências. Em razão da impossibilidade de um acordo entre as lideranças partidárias, foi rejeitado o parecer do deputado Aroldo Cedraz (PFL-BA), que era contrário à emenda substitutiva.
15. Créditos tributários
O texto aprovado pelo Plenário introduz nova preferência dos créditos tributários em relação aos outros no processo de falência, colocando-os em igualdade de condições com os créditos garantidos por ônus real, até o limite do valor do bem sobre o qual incide esse ônus. Fica garantida, entretanto, a primazia dos créditos derivados da relação trabalhista, inclusive nos casos de acidentes de trabalho. Já a multa tributária terá preferência apenas sobre os créditos subordinados.
Outra alteração permite ao juiz determinar a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor com débitos inscritos na dívida ativa da Fazenda Pública, caso ele não pague nem apresente bens à penhora no prazo legal, ou se não forem encontrados esses bens. A emenda substitutiva também retirou do texto do projeto o artigo que excluía os bens dados como garantia de ônus real daqueles que responderão pelo pagamento do crédito tributário, exceto na parte que excedesse aos créditos já garantidos. Dessa forma, permanece a redação atual do art. 184 do Código Tributário Nacional.
Os créditos tributários vencidos e vincendos, exigíveis no decurso do processo de falência, serão considerados despesas extraconcursais, pagáveis preferencialmente a quaisquer outros. Essas regras serão aplicadas também no caso da recuperação judicial. O texto acrescenta dispositivo ao Código Tributário para estabelecer exceção à regra de sucessão tributária (responsabilidade pelos impostos) no caso de compra de estabelecimento comercial, industrial ou profissional de empresa em processo de falência por meio de qualquer modalidade de alienação judicial. Se a empresa estiver em recuperação judicial ou extrajudicial, suas filiais ou unidades produtivas isoladas enquadram-se na mesma condição.
16. Venda da empresa
Pelo texto, se a empresa estiver em processo de falência, o dinheiro da venda ficará depositado em juízo por um ano até que a Fazenda Pública apresente seus créditos. Essa exceção na aplicação das regras da sucessão tributária não se aplica quando o comprador for parente em linha reta ou colateral até o quarto grau de sócio ou titular, pessoa jurídica controlada ou controladora da que estiver em falência ou recuperação; ou se ele for identificado como agente do falido ou em recuperação com o objetivo de fraudar a sucessão tributária. Outra alteração introduzida no Código Tributário Nacional determina que o prazo de cinco anos para pedido de restituição de imposto sujeito a lançamento por homologação inicia-se no momento do pagamento.
17. Conclusão
O projeto aprovado é um grande avanço e será fundamental para as empresas, que só irão à falência se não tiverem condições de se recuperar no prazo estipulado pelo juiz. O objetivo da nova lei é atacar diretamente as causas gerenciais que provocaram o endividamento das empresas.
Após a aprovação da matéria, que será agora apreciada pelo Senado, a sociedade brasileira terá uma legislação adaptada à realidade do País e que estimula a recuperação das empresas.
O texto aprovado acaba com a concordata e estabelece a recuperação judicial da empresa, prevendo que essa recuperação judicial e a falência poderão incidir sobre o empresário e a pessoa física que exerça atividade econômica em nome próprio e de forma organizada. O pedido de recuperação judicial deve ser feito pelo próprio empresário, desde que ele exerça as atividades há pelo menos dois anos.
A nova lei aprovada pela Câmara dos Deputados, se também assim o for pelo Senado, será benéfica para o Brasil. A lei vigente no País é a de 1945, quando a realidade econômica era completamente diferente.
A concordata hoje serve apenas para que a empresa tenha um prazo maior para quebrar ou ser vendida. A empresa não é recuperada. Com a nova Lei de Falências, teremos instrumentos jurídicos para que ela se recupere.
O Projeto de Lei n. 4.376/93 tem semelhanças com a lei dos Estados Unidos. A primeira lei americana sobre o assunto foi editada na década de 30. Em 1970, houve algumas alterações que continuam valendo atualmente. Nos Estados Unidos a lei trata da reorganização de sociedades.
A primeira lei francesa sobre o assunto foi feita na década de 60 e reformada em 1985. Temos ainda Argentina, México, Itália, Alemanha e Portugal como modelos avançados na área de reestruturação de empresas em crise financeira.
Vários países defendem a necessidade de juízes especializados para julgarem processos sobre recuperação de empresas em crise econômica. No Brasil deveria acontecer o mesmo, havendo inclusive varas especializadas em causas de direito empresarial e societário como experiência recente do Rio de Janeiro.
Em São Paulo não temos varas de falências como a exemplo de Minas Gerais, Rio de Janeiro e outros Estados do país.
Diante de tantos novos acontecimentos, e após ter sido aprovado pela Câmara, o texto da lei segue para apreciação e votação no Senado Federal.
A lei aprovada pela Câmara poderá sofrer alterações no Senado e, se isso acontecer, voltará à Câmara para nova apreciação.
* Maria Bernadete Miranda
Mestre em Direito Comercial pela PUCSP, Professora de Direito Comercial no Centro Universitário Fieo e no Centro Universitário Nove de Julho. Advogada.