Diante de uma cognição perfunctória das normas informativas do corpo constitucional, podemos, in concreto, e a partir da observância dos preceitos fundamentais pela Carta embalados, destacamos os preceitos normativos que mais faticamente suscitam o debate entre a moral e o direito. Isso porque um ordenamento jurídico vem compilar normas de aceitação social que não conflitam com a moral e os costumes arraigados em cada cultura.
O nosso Estado Democrático de Direito concebido pela Constituição Federal de 1988 firma a realização dos direitos e garantias fundamentais, desdobrando-se em princípios de observância suprema pelos cidadãos que por esta se encontram amparados. As garantias versam quanto ao direito à liberdade, à igualdade, veda a discriminação pelo preconceito. A proteção aos direitos humanos encontra sua expressão maior no princípio da isonomia como meio de reprimir injustiças.
O texto constitucional ao produzir os princípios que alberga, elenca, logo em seu art. 1º, III, o respeito à dignidade à pessoa humana, seguido-se, com o art. 3º, IV , a ascensão da proteção do bem de todos, sem preconceitos de sexo, cor, idade, origem, e ainda outras formas de discriminação que venham afrontar os direitos do homem. A máxime da Constituição encontra-se, de forma explícita, no art. 5º, I – com o princípio da igualdade entre os homens, individualmente considerados e suas relações.
A proteção à liberdade de opção sexual encontra-se enfeixada nos princípios acima enunciados. Mesmo diante dos cânones fundamentais do Estado Democrático de Direito, não há amparo à discriminação à homossexualidade. A orientação sexual deverá ser concebida em meio às liberdades conferidas ao homem. A identificação do sexo da pessoa escolhida para uma vida em comum, não fora repudiado pelo contexto da norma legal, para que venha a suportar um tratamento diferenciado, sob pena de violar princípios consagrados pela moral. A liberdade expressa-se na conduta assumida por cada um e observando-se as limitações legais.
A dignidade da pessoa humana seria violada com o desrespeito, pelo Estado, quanto à opção sexual de cada um. A conscientização milenar de que a instituição da família é intocável, ganhou, não apenas com a Constituição de 1988, mas também com a legislação ordinária, um alargamento do seu conceito para reconhecer a união estável. Certo é que não houve previsão quanto ao reconhecimento expresso de outras formas de união para a concepção de matrimônio ou parceria entre pessoas do mesmo sexo, mas também não há como conceber, diante dos princípios orientadores da vida social, a inércia da sociedade em reconhecer outras uniões conjugais em meio às garantias constitucionais, do contrário, haveria um comprometimento da própria estrutura da Lei Maior, por representarem seus princípios a base de todo o arcabouço normativo vigente.
A hermenêutica dos objetivos fundamentais da República não permite a discriminação. Se não há como vislumbrar o amparo normativo para com relações constituídas a margem dos preceitos do casamento civil, também não seria justo o repúdio completo, uma vez que dessas relações anômalas também nascem relações que precisam ser reguladas pelo Direito.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 não reprimiu o homossexualismo, tanto que vedou a discriminação de cunho sexual em vários dispositivos seus, enunciando, principalmente no artigo 5° e seus incisos, a segurança e respeito aos direitos, não só de brasileiros residentes no Brasil, mas também de estrangeiros em trânsito no território brasileiro. Sua enumeração sedimenta princípios norteadores do nosso Estado, preservando a vida individual de cada cidadão, e deste para com a sociedade. São fundamentais em sua índole e supremos quanto às garantias que acolhe.
Dentre os Princípios que preserva o texto constitucional, destacamos a liberdade garantida aos indivíduos e o direito de propriedade, limitados apenas quando o exercício deste direito venha a contrariar o ordenamento jurídico ou os direitos de outro indivíduo. Expressas-se o Princípio da liberdade pela livre convicção que possa simpatizar o ser humano, seja para determinar suas filosofia de vida política, religiosa, sexual, ou ainda para influenciar seu comportamento. Quando a Lei proíbe determinada conduta, o faz expressamente. A inexistência de previsão ou vedação legal questiona a liberdade de arbítrio do cidadão. Os direitos garantidos sobre a propriedade expressam-se, basicamente, na aquisição e disposição do bem juridicamente tutelado.
A orientação sexual não encontra regulamentação legal. Consuetudinariamente a sociedade construiu valores superiores às normas, mas estes determinam situações não normatizadas quando excitadas. Nesse contexto enquadramos as indagações quanto à aceitação de comportamentos sexuais destoantes dos preceitos convencionais – o homossexualismo.
O entendimento de que não há impedimento legal para a regulamentação da união entre homossexuais gerou uma série de debates, questionamentos mesmos sobre a interpretação de dispositivos normativos já existentes, bem como a possibilidade de regulamentação de uniões homoafetivas. Até a axiologia de conceitos normativamente já definidos seriam alvo de inquirição quanto aos seus elementos, sua abrangência., ou mesmo as condições de modificação para alcançar as mudanças de comportamento sexual entre as pessoas.
Assim, considerando-se a polêmica que cerca as relações entre pessoas do mesmo sexo, deve-se priorizar os aspectos jurídicos que dessas surgem e, para tanto, não identificamos, ao longo do texto constitucional, proibição legal à garantia de liberdade para sua existência, fator inerente ao próprio princípio da liberdade.
Do ponto de vista da moral, a resistência à regulamentação legal da união entre homossexuais, encontra nas normas pertinentes ao direito de família, mormente aos preceitos e definições trazidas pela Carta Constitucional, fundamentação para seu repúdio. Do mesmo modo que não há autorização, também inexiste proibição. Mas em verdade, a discussão ganha uma falsa pauta de assuntos, uma vez que não reclama a agressão aos institutos anteriormente existentes, mas tão só a necessidade de proteção de situações oriundas dessas relações, as quais, ao fim, estariam apenas pugnando pelo reconhecimento de direitos já garantidos como o direito de propriedade e liberdade, por exemplo.
A constituição da família pelos laços tradicionais de natureza civil será responsável pela constituição de muitas relações sociais como direitos sobre patrimônio, obrigações alimentares, condições para suceder e para beneficiar-se uns dos outros, os quais aderem a convivência em comum. A união entre duas pessoas do mesmo sexo é construída por pessoas maiores e capazes para o exercício da vida civil, que procuram garantir, muitas vezes, um patrimônio em comum, ou mesmo individual, compartilhado com um parceiro de sua livre escolha, considerando-o com certos privilégios e vantagens diante de seus demais parentes. Essa situação é perfeitamente amparada por lei quando consideramos os princípios acima enunciados, razão pela qual, argumentos que lhes afrontem, não merecem prosperar, visto que seria uma discussão desnecessária diante dos princípios constitucionais em vergasta.
Ademais, não só os princípios da liberdade e os direitos sobre a propriedade precisam ser ressaltados, mas também a garantia ao acesso a Justiça quando diante dos conflitos emanados das relações homoafetivas. Para que não haja declarações de Juízos tomando-se por incompetentes para apreciar sobre o reconhecimento de sociedades de vida em comum entre pessoas do mesmo sexo, sobre partilha entre massa imobiliária, constituída em conjunto, condição de dependente, direito a prestações alimentícias ao consorte que não demonstrar em condições de prover, sozinho, seu sustento, após ter despendido esforços e dedicação numa relação em parceria com alguém do mesmo sexo, tudo é matéria que conduz a vasta discussão jurídica.
A proposta de Emenda a Constituição nº 139/95 da ex-Deputada Marta Suplicy, indica a alteração dos art. 3º e 7º da Constituição Federal, com o propósito de incluir, expressamente, a proibição de discriminação em razão de opção sexual. Trata-se de uma proposta à sociedade para que esta acompanhe o tratamento diferenciado da conduta afetiva, considerando os princípios já existentes, e garantindo, através da força das normas constitucionais, a exclusão da marginalidade de comportamentos, os quais vinculam efeitos pessoais e patrimoniais, obtendo, assim, o reconhecimento de sua existência pelo Estado.
A imposição de preconceito afronta as liberdades fundamentais. O direito a ser conferido aos casais homossexuais, antes de perturbar os cânones dos direitos de família, urge, na realidade, pelo reconhecimento de aspectos jurídicos emanados dessas relações, razão pela qual não se pode negar sua recepção pela tutela jurisdicional do Estado. E, assim deve ser, principalmente quando o próprio ordenamento jurídico proporciona interpretação favorável ao exercício de liberdades. A Constituição não proíbe as relações entre pessoas do mesmo sexo e garante a opção de livre orientação sexual para cada indivíduo.
* Elaíne Cristina de Oliveira e Melo
Advogada, pós-graduada pela ESMAR – Escola Superior de Magistratura do Rio Grande do Norte e UnP – Universidade Potiguar do RN, Professora Substituta da UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Professora da Faculdade UnP e Professora da Faculdade Mather Christ