Mecanismos de mudança constitucional

Cuida-se a presente dissertação de um ensaio, objetivando algumas colocações que creio de grande importância em relação ao assunto, máxime em virtude das distorções que decorrem deste tão defendido e apregoado instituto que mereceu profundas análises dos mais renomados juristas como Roubier, Gabba, Lassale, Jezé, Clóvis Beviláqua, Limongi França e outros que citarei não menos conhecidos.

A grande dificuldade deste assunto é justamente a necessidade de conciliar os interesses particulares com a da ordem pública. Entendo que o direito adquirido não pode estar na contramão do interesse coletivo, uma vez que aquele é manifestação de interesse particular que não pode prevalecer sobre o interesse geral. Senão vejamos: desde que o povo seja capaz de organizar o Estado e exercer o governo, soberanamente, é ele o titular do poder constituinte, sendo capaz de criar ou alterar a ordem jurídica do Estado, claro que exercido será constituída uma Assembléia Constituinte com mandato para fazer uma constituição nos moldes do interesse coletivo.

No dizer de Bourdau, o poder constituinte é “aquela potência criadora da ordem jurídica da qual fixa os princípios e estabelece os instrumentos”.

E necessário ressaltar, no entanto que o princípio constitucional do direito adquirido é mandamento universalmente aceito e dele não abrindo exceção o ordenamento pátrio, podemos observar no artigo 60 parágrafo 4, inciso IV da CF 88 que equipara o direito adquirido na categoria de cláusula pétrea.

A carta Magna de 88 não inseriu em seu texto o significado de direito adquirido somente fazendo alusão em seu artigo 5º, inciso XXXVI, assim encontramos a definição legal na esfera infraconstitucianal no artigo 6º. do Código Civil (Dec. Lei 4657/42).

O direito adquirido é derivado de acquisitus do verbo latim acquisere, este direito entende-se como aquele em que é o estado de direito que uma lei traz a alguém e que pode ser exercido atualmente uma vez que sua força foi tirada do texto passado e que não pode desaparecer diante de leis posteriores que lhe negem este mesmo direito.

Podemos observar como característica intrínseca do direito adquirido a patrimonialização que o direito anterior conferiu a seu titular com vistas a assegurar este mesmo direito em virtude de sua possível mudança posterior feita por novo ordenamento, denotando o princípio da imutabilidade e irrevogabilidade do estado passado.

A história do ordenamento jurídico brasileiro demonstrou que este desde a constituição de 1936 tente harmonizar as disposições novas com o direito adquirido anteriormente. O debate gira em torno da amplitude do poder originário e do poder constituinte de revisão, de emenda ou de reforma com vistas ao direito adquirido. Alguns consideram este poder ilimitado outros equiparam o direito adquirido as cláusulas pétreas como veremos abaixo:

Para Pontes de Miranda a Revisão Constitucional e a Emenda não tocam o que diz respeito aos direitos adquiridos uma vez que a própria constituição assegura a permanência de situações jurídicas pré-estabelecidas não fazendo distinção de sua proveniência sejam elas de direito privado ou público.

Dizem ainda que os princípios fundamentais e as cláusulas pétreas funcionam como limites materiais do exercício da revisão que traz consigo a característica de poder atingir a constituição totalmente e de uma só vez e a Emenda restrita a alguns pontos.

Quanto a irretroatividade das leis Antônio Joaquim Ribas e Rui Barbosa asseveram que não se trata de uma absoluta irretroatividade das leis aos casos passados e sim que a norma aplicada a fatos consumados à luz da lei anterior não poderá deixar de lado, sob nenhum aspecto o respeito aos Direitos adquiridos.

Já para Neri Silveira o poder constituinte originário sempre se caracterizou pôr sua ilimitação no que concerne a sua amplitude de modificação inserir no texto constitucional editado disposição que venha alcançar direito adquirido, como é o caso do artigo 17 dos ADCT da CF 88 uma das raras e explícitas recusas a aplicação do direito adquirido.

Na mesma linha de pensamento o jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho “em princípio, não pode haver nenhum direito oponível a constituição, pois trata-se de fonte primária de todos os direitos e garantias do indivíduo, tanto na esfera publicista quanto na privatística. Uma reforma constitucional não pode sofrer restrições com fundamento na idéia genérica do respeito ao direito adquirido.

Diante do estudado penso que o poder constituinte sendo um mecanismo de mudança constitucional pode dispor sobre direitos adquiridos vedando-os ou mantendo-os a exemplo do artigo 17 do ADCT já mencionado, uma vez que este poder emana do povo que através de seus constituinte decidem o melhor caminho para a sociedade no que concerne a Constituição, sendo assim como já me referi acredito que se o constituinte achar que aquele direito adquirido fere os direitos da coletividade, não vejo o porque dele ser manutenido, pois como já dito o desejo da coletividade deve ser priorado diante do do particular para que se tenha uma Constituição mais realista e voltada o para a justiça social. Fecho esta dissertação respaldado no artigo 28 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que diz “um povo tem, sempre, o direito de rever, reformar e de mudar sua constituição. Uma geração não pode sujeitar a suas leis as gerações futuras” ou seja se o poder constituinte emana originariamente do povo este não admitindo tais direitos adquiridos não se vê abrigado a aceitá-los e querendo-os modificar deverá utilizar através de seus representantes mecanismos de mudança constitucional.

*MARIO ANTONIO LOBATO DE PAIVA
Advogado-titular do escritório Paiva Advocacia; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional; Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática; integrante de la Red Mexicana de Investigadores del Mercado Laboral; colaborador de várias revistas jurídicas; Autor de diversos artigos e livros

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