SDE investiga mais de 200 denúncias de cartéis

por Fernanda Pecora, Patrícia Nogueira e Paulo Eduardo de Campos Lilla

O combate aos cartéis tem sido a prioridade das autoridades de defesa da concorrência do mundo todo devido aos graves danos que essas práticas anticompetitivas causam à livre concorrência no mercado, além dos elevados prejuízos ao bem estar dos consumidores.

No Brasil, temos observado uma mudança de foco na atuação das autoridades antitruste, tradicionalmente mais centradas na análise das fusões e aquisições, para dar mais prioridade à repressão das infrações à ordem econômica, sobretudo no que concerne aos cartéis. O atual secretário de Direito Econômico tem afirmado constantemente que o cartel é a mais grave e danosa conduta anticompetitiva por prejudicar diretamente os consumidores. Em outras palavras, como os concorrentes acordam em simplesmente não competir entre si, não há como os consumidores aproveitarem os benefícios da livre concorrência.

O cartel pode ser definido como um acordo horizontal entre concorrentes de um mesmo mercado relevante, expresso ou tácito, para eliminar a livre concorrência através de fixação de preços, redução da produção, divisão de mercados, fraudes licitatórias, restrições de tecnologia, dentre outras práticas que viabilizam o aumento arbitrário dos lucros, impedindo a entrada de novas empresas no mercado e causando prejuízos aos consumidores.

Geralmente, a probabilidade de eficácia de um cartel é maior em mercados oligopolizados, caracterizados pela existência de poucas empresas competindo entre si. Ora, quanto menor o número de empresas atuantes, mais fácil será a adoção de políticas uniformes e trocas de informações e menos complexo o controle para que não haja traição de um dos participantes do cartel.

Outra característica que pode ser apontada é a existência de barreiras à entrada de novos competidores, necessárias para manter a estabilidade do cartel, a alta concentração econômica e o elevado poder de mercado dos co-participantes. Na ausência de tais barreiras, se as empresas envolvidas no cartel aumentarem rapidamente seus lucros, novas empresas serão encorajadas a entrar nesse mesmo mercado como potenciais competidores e essa concorrência não é bem vinda em ambientes cartelizados.

Os cartéis são mais comuns em mercados com elevada homogeneidade de produtos ou serviços, ou seja, em que bens ou serviços são perfeitamente substituíveis. Também não é rara a participação de sindicatos ou associações de classe na coordenação do cartel, promovendo reuniões para o acerto de preços ou de comportamento entre concorrentes.

A prática de cartelização vem sendo muito discutida nos últimos anos devido à atuação repressora dos órgãos de defesa da concorrência no Brasil (SDE — Secretaria de Direito Econômico, Seae — Secretaria de Acompanhamento Econômico e Cade — Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que vem se intensificando após investigações e condenações, tanto na esfera administrativa como criminal, de diversas empresas envolvidas nesse tipo de infração à ordem econômica. Soma-se a esse fato, a atuação coordenada da Polícia Federal e do Ministério Público com a SDE, que, juntos, realizam interceptações telefônicas, buscas e apreensões de documentos, além de inspeções nas sedes das empresas envolvidas. A conseqüência direta dessas investigações conjuntas foi o aumento significativo do número de processos administrativos instaurados nos últimos anos.

Para se ter uma idéia, conforme dados divulgados pela própria SDE, houve um aumento significativo do número de processos administrativos instaurados entre os anos de 2002 e 2004. Atualmente, a SDE investiga mais de 200 denúncias de cartel. Em 2003, a Secretaria executou a primeira busca e apreensão de documentos, juntamente com a Polícia Federal e Ministério Público. Desde então, aproximadamente 15 mandados de busca e apreensão foram cumpridos, quase sempre resultando na instauração de procedimentos administrativos.

Em caso de condenação por prática de cartelização, as empresas envolvidas estarão sujeitas à multa de 1% a 30% de seu faturamento bruto no último exercício. No caso de administrador direta ou indiretamente responsável pela infração cometida pela empresa, a multa a ser aplicada será de 10% a 50% do valor da multa aplicável à empresa. Nesse caso, a responsabilidade é pessoal e exclusiva do administrador.

No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível, portanto, a utilização do critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6 mil a 6 milhões de Ufirs — Unidade Fiscal de Referência ou padrão superveniente.

Além das multas, considerando-se a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas outras penas, tais como proibição de contratar com instituições financeiras, proibição de participar de licitações, recomendação aos órgãos públicos competentes para que não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados incentivos fiscais, dentre outras medidas. Vale lembrar ainda que, além de ilícito administrativo, a prática de cartelização poderá configurar crime contra a ordem econômica, nos termos da Lei 8.137/90, sujeitando o administrador à pena de reclusão ou detenção de 2 a 5 anos ou multa.

Diante desse cenário, entendemos ser extremamente necessário que a cultura da concorrência esteja cada vez mais difundida no país, permitindo que as empresas passem a criar mecanismos eficazes que viabilizem o cumprimento da legislação antitruste, tais como eles programas de prevenção de infrações à ordem econômica. Estarão, com isso, evitando penalidades severas e prejuízos à imagem dessas empresas no mercado e, sobretudo, aos seus consumidores.

A disseminação da cultura da concorrência no Brasil, principalmente no que se refere ao combate aos cartéis, será extremamente benéfica a consumidores, empresas e também ao mercado como um todo. Aos consumidores porque terão a sua disposição produtos e serviços eficientes a preços justos; às empresas tendo em vista que poderão tomar as devidas precauções para evitar a celebração de acordos restritivos, identificando prontamente a incidência de ilícitos dessa natureza em suas operações rotineiras; e, por fim, ao mercado, beneficiado pela livre concorrência entre as empresas, o que certamente levará ao aumento acentuado dos fluxos de comércio e de investimentos e, conseqüentemente, ao desenvolvimento econômico.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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