por Por Pedro Luis Oberg Feres
Discute-se, atualmente, a tão aguardada e, ao mesmo tempo, a tão polêmica questão da recente implementação em nosso Ordenamento Jurídico, por meio da Emenda Constitucional nº 45 de 31 de dezembro de 2004, do artifício judicial das súmulas vinculantes.
Por meio de referidas súmulas, hoje previstas no art. 103-A da Constituição Federal (1), depois de pacificado o entendimento de determinada matéria no Supremo Tribunal Federal e tendo sido proferidas diversas decisões subseqüentes no mesmo sentido sobre determinado assunto, poderão os ministros desta Corte impor seu posicionamento a todos os demais magistrados, que não mais estarão aptos a decidir em sentido diferente. As súmulas vincularão, também, todos os órgãos da administração pública direta e indireta.
Por conta desses robustos efeitos, inúmeras discordâncias vêm sendo manifestadas pelos mais diversos doutrinadores. De outro lado, não menos juristas manifestam sua concordância com o instituto, considerando-o um importante pilar na luta contra a morosidade processual de que sofrem nossos tribunais, sejam eles da Justiça Federal ou Estadual.
Os debates doutrinários, que aparentemente não chegarão a um consenso tão logo, levam em consideração um principal argumento a fim de afastar a constitucionalidade das súmulas vinculantes: vincular o posicionamento do STF a todos os demais magistrados de instancias inferiores implica o cerceamento da liberdade de criação desses julgadores e a limitação da sua independência.
Vejo, contudo, que, diante da presente realidade, na qual o número de processos judiciais e de recursos extrapola em muito as possibilidades dos recursos materiais e humanos que possuem nossos órgãos judiciários, fazer valer o entendimento já pacificado do STF a todos os demais magistrados se mostra absolutamente necessário.
Ademais, essa nova fórmula não configura qualquer limitação à liberdade de criação e à independência desses magistrados.
Realmente, estando o entendimento acerca de determinada matéria sedimentado pela Corte Suprema, de nada valerão decisões em sentindo contrário proferidas pelas instancias inferiores, eis que, por mais criativas que possam parecer, deverão ser reformadas por oportunidade da apreciação de recurso a ser interposto. Tal procedimento faz com que prevaleça a coerência das decisões do judiciário e fique resguardado o princípio da segurança jurídica, que possibilita a previsibilidade dos acontecimentos, não sujeitando os jurisdicionados a inesperadas e indesejadas surpresas.
Ademais, cumpre salientar que a atual morosidade dos órgãos públicos, especialmente do Poder Judiciário, contribui em muito para o atraso econômico do país, eis que inúmeras questões importantes e de grande relevância nacional ficam estacionadas por excessivos anos.
A título exemplificativo, cite-se a questão da majoração da base de cálculo da COFINS, que, em razão do grande número de processos existente, já tramita em nossas cortes por aproximadamente 7 anos e, no momento, encontra-se sob pedido de vista do Ministro Eros Grau, por tempo indeterminado.
Relações privadas levadas a conhecimento do magistrado, por sua vez, podem perdurar por muito mais tempo, mormente quando também levado em conta o trâmite do processo de execução de sentença.
Entendemos, portanto, que a inclusão da Súmula Vinculante em nosso ordenamento jurídico configura enorme avanço para a justiça pátria, bem como para a sociedade como um todo, que não só terá maior previsibilidade dos fatos, como deverá observar uma maior celeridade processual.
Medidas Cautelares em ADIs
Antes de adentrarmos na questão das Medidas Cautelares em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), cumpre-nos tecer a seguinte comparação destas com o instituto acima analisado:
Parece-nos evidente que as súmulas vinculantes possuem, em seu bojo, aparente semelhança com as decisões proferidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, bem como às medidas cautelares nelas atribuíveis.
De fato, se de um lado as referidas súmulas pacificam em definitivo (2) o entendimento acerca de determinada matéria, obrigando os demais magistrados a adotarem o mesmo entendimento e os órgãos da administração pública a obedecerem ao comando exarado, de outro lado as cautelares em ADIs (liminares) suspendem a eficácia de determinado dispositivo normativo, excluindo-o – ainda que não definitivamente – do ordenamento jurídico e servindo, na prática, de guia – mas não imposição – para os demais magistrados solucionarem os processos até então instaurados.
Contudo, pouco questionamento se faz nos dias de hoje acerca dessas medidas cautelares, ignorando-se a sua imensa importância e seus incontáveis riscos para o sistema jurídico pátrio.
Para que se possa melhor entender a questão, confira-se o teor dos artigos 10 e 11 da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe, in verbis:
“Art. 10. Salvo no período de recesso, a Medida Cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.
§ 1o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.
§ 2o No julgamento do pedido de Medida Cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal.
§ 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a Medida Cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.
Art. 11. Concedida a Medida Cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I deste Capítulo.
§ 1o A Medida Cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa.
§ 2o A concessão da Medida Cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.” (grifamos)
Do dispositivo supra, notamos algumas importantes peculiaridades:
Primeiramente, vê-se que as medidas cautelares em ADIs são concedidas sem profundo debate versando sobre a matéria, de modo que o posicionamento dos magistrados, ainda que ouvindo as partes, podem ser dotados de incerteza e, portanto, falhos.
Ademais, permite o §3º, do artigo 10, que os ministros poderão deferir a Medida Cautelar pretendida sem que antes sejam ouvidos os órgãos ou autoridades públicas das quais foi emanado o dispositivo legal ou ato questionado, sendo certo que, nesse caso, a questão será ainda menos discutida e, portanto, a convicção dos ministros poderá ser ainda mais incerta e falha.
Por fim, impossível deixar de notar que, nos termos do inciso I, do artigo 11, podem os ministros conceder efeito ex tunc à decisão proferida.
Ou seja, da combinação dos dispositivos supra, tem-se que, após pouca reflexão acerca de determinada matéria, pode o STF retirar do ordenamento jurídico dispositivo legal ou ato que considere inconstitucional, de modo que tal decisão, de acordo com a vontade dos julgadores, poderá produzir efeitos de forma retroativa. Recorde-se, ainda, que o efeito retroativo pode ser atribuído a uma decisão proferida sem a oitiva das autoridades ou órgãos públicos interessados no processo.
Parece-nos clara, então, a certeza no sentido de que a Medida Cautelar atribuída em ADI pode prejudicar imensamente as relações jurídicas, havendo, ainda, grande risco de ofensa ao princípio da segurança jurídica, bem como a inúmeras outras garantias constitucionais, as quais poderão ser restringidas em situações particulares.
Não podemos deixar de elencar que, evidentemente, os nobres ministros, notórios conhecedores do Direito, procuram analisar a questão da melhor forma possível. Mas também é impossível deixar de observar que a Medida Cautelar é concedida sob a ótica da cognição sumária dos autos, havendo o grande risco de a sua fundamentação ser absolutamente equivocada e ter sido causado o caos, mormente quando se considera a hipótese do §3º, do artigo 10.
Conclusão
Da sucinta, porém clara análise ora feita, concluímos que as súmulas vinculantes, por serem proferidas após profunda análise da questão a ela relacionada e após estudos de prolongados debates doutrinários e jurisprudenciais, certamente possuirão maior convicção e certeza em sua fundamentação, estando as possibilidades de erro imensamente diminuídas quando comparadas às das medidas cautelares em ADIs.
Estas, por sua vez, ainda que exaradas com todo o
particular cuidado dos ministros do STF, uma vez que não há profunda análise da matéria nem prolongadas discussões sobre o tema, poderão ser atribuídas equivocadamente, acarretando incontáveis e irreparáveis prejuízos, bem como um caos jurídico.
Notas
1. Art. 103-A – O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
2. Vale reafirmar que o termo ‘definitivo’ aqui utilizado é relativo, eis que as súmulas vinculantes poderão ser revistas pelo STF.
(* Pedro Luis Oberg Feres é Advogado em São Paulo, Pós-graduando em Direito Tributário pela PUC-SP e sócio do Escritório Gabrilli, Sesaki e Feres Advogados.)
Revista Consultor Jurídico
Sobre o autor
Por Pedro Luis Oberg Feres: é Advogado, pós-graduando em Direito Tributário pela PUC-SP e sócio do Escritório Gabrilli, Sesaki e Feres Advogados