Com o advento do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/02) atualmente vigente, alterou-se o prazo prescricional nos casos de erro médico.
Com o Código Civil de 1916, para o erro médico, o prazo prescricional, via de regra, era de 20 (vinte) anos – prazo dominante em nossa doutrina e jurisprudência – obedecendo comando do artigo 177 do Código Civil brasileiro revogado: “As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, (…), contados da data em que poderiam ter sido propostas.”.
Vem agora a prescrição, no Novo Código Civil brasileiro de 2002. em termos de erro médico, insculpida no seu artigo 206. Mesmo que possa se pretender atribuir o prazo de 10 (dez) anos, previsto no artigo 205, do Novo Código Civil (“A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”) parece, sem sombra de dúvida, mais adequado o prazo prescricional previsto no inciso V, do parágrafo 3º, do artigo 206, do Código Civil atualmente em vigor, que dispõe, in verbis: “Prescreve:
§3º: Em 3 (três) anos:
V – a pretensão de reparação civil;”.
Sobre prescrição nos diz a “Exposição de Motivos” do Novo Código Civil: “Menção à parte merece o tratamento dado aos problemas da prescrição e decadência, que, anos a fio, a doutrina e a jurisprudência tentaram em vão distinguir, sendo adotadas às vezes, num mesmo Tribunal, teses conflitantes, com grave dano para a Justiça e assombro das partes.
Prescrição e decadência não se extremam segundo rigorosos critérios lógico-formais, dependendo sua distinção, não raro, de motivos de conveniência e utilidade social, reconhecidos pela Política legislativa.
Para por cobro a uma situação deveras desconcertante, optou a Comissão por uma fórmula que espanca quaisquer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistema do Projeto, passam a ser, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral, Título IV, Capítulo I, sendo de decadência todos os demais, estabelecidos, em cada caso, isto é, como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na Especial.
19. Ainda a propósito de prescrição, há um problema terminológico digno de especial ressalte. Trata-se de saber se prescreve a ação ou a pretensão. Após amadurecidos estudos, preferiu-se a segunda solução, por ser considerada a mais condizente com o Direito Processual contemporâneo, que de há muito superou a teoria da ação como simples projeção de direitos subjetivos.” (NOVO CÓDIGO CIVIL: Exposição de Motivos e Texto Sancionado. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002, p. 40-41).
A prescrição faz, com o passar do tempo – associada à inércia do paciente em exercer o seu direito, por um eventual dano sofrido – desaparecer a relação jurídica entre o médico e o paciente. Sobre este lapso de tempo, nos ensina Marcus Claudio Acquaviva: “O decurso de tempo é um acontecimento natural de importância inigualável para o Direito.”. E, diz mais, acentuando o caráter pacificador da prescrição: “Para outros autores, contudo, o verdadeiro fundamento da prescrição residiria na ordem social, na segurança das relações jurídicas. (…) O interesse do titular do direito, que ele foi o primeiro a desprezar, não pode prevalecer contra o interesse mais forte da paz social. (…) A prescrição portanto, vem a ser medida de política jurídica, ditada no interesse da harmonia social. (DICIONÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO ACQUAVIVA. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira Ltda., 1995, p.1128).
Inicia-se a contagem do prazo prescricional no instante em que o paciente pode já fazer o exercício do seu direito – reparação de eventuais danos sofridos – e não o faz. Assim, ao se consumar o prazo prescricional, desaparece a força jurídica – a pretensão – do paciente sujeitar o médico ao seu direito. Extingue-se, no terreno jurídico, a pretensão do paciente, no que tange à reparação dos danos que porventura tenha sofrido em decorrência de um eventual erro médico.
Não se esgota no artigo acima mencionado, a determinação do prazo para a prescrição quando se tratar de erro médico. Temos, também, como regra de transição, no Novo Código Civil brasileiro de 2002, o artigo 2.028 (“DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS”), que nos diz: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”. Como o tempo estabelecido era de 20 anos – era vintenária a prescrição em casos de erro médico – naqueles casos em que, da data da constatação do dano ao paciente até a dia da entrada em vigor do Novo Código Civil de 2002, já transcorreu um prazo de 10 (dez) a 20 (vinte) anos, o prazo prescricional é de 20 (vinte) anos – como previa o Código Civil de 1916, revogado.
E, sempre se deve levar em consideração nesta relação – prestação de um serviço – médico e paciente, a possibilidade da incidência das regras do “Código de Defesa do Consumidor – CDC” (Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990). Esta lei, em seu artigo 27, caput, dispõe: “Prescreve em cinco anos, a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”, podendo a jurisprudência e a doutrina brasileiras tenderem para, na prestação jurisdicional, utilizar este prazo de 5 (cinco) anos – qüinqüenal – como prescricional em casos de erro médico.
Como estamos no primeiro ano de vigência do Novo Código Civil de 2002, muito se pode ainda aguardar da exegese deste novel Código, mormente no que tange aos artigos aqui referidos e de outros porventura considerados como aplicáveis na prescrição do erro médico. Mas para um entendimento geral, inicial, da prescrição do erro médico, face ao novo diploma legal material da área civil, estes conceitos, aqui expostos, são fundamentais para a compreensão dos novos prazos que ficaram estabelecidos com a revogação do Código Civil brasileiro de 1916. Resta aguardar, que a doutrina e a jurisprudência pátrias definam a sua adequada aplicação pelos nossos Tribunais.
Cite-se também o artigo 202 do Novo Código Civil brasileiro que estabelece: “A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:”. Portanto o prazo prescricional só será interrompido (assim, pois, reiniciando-se a contagem do prazo novamente, integralmente) em uma ocasião, nos casos de erro médico. Sobre isto, nos diz Carlos Roberto Gonçalves o seguinte: “O art. 202, caput, expressamente declara que a interrupção da prescrição “somente poderá ocorrer uma vez”. A restrição é benéfica, para não se eternizarem as interrupções da prescrição.” (DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Parte Geral. Volume 1, Saraiva: São Paulo, 2003, p.476). E, nos diz mais: “A inovação é salutar, porque evita interrupções abusivas e a protelação da solução de controvérsias.” (op. cit., p.477).
No que se refere, nos casos de erro médico, à prescrição a favor do Estado – prescrição da pretensão aos direitos pessoais de pacientes contra o Estado – quando o responsável pelo eventual erro seja o ente público prestador do serviço médico-hospitalar que causou dano ao paciente, esta é regida pelo que vem insculpido no Decreto nº20.910, de 06.01.1932, mormente o que vem disposto no artigo 1º desse diploma, que dispõe: “As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram”. Decreto este com força jurídica de lei, característica de período em que o Chefe de Governo brasileiro legislava.
Em 19 de agosto de 1942 o Decreto-lei nº4.597 regulamentou o que estava disposto no Decreto nº20.910/32. Vale citar deste Decreto-lei o seu artigo 2º que estabelece: “O Decreto nº20.910, de 06.01.1932, que regula a prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos”. Portanto as autarquias e fundações de direito público estão sujeitas à prescrição de 5 (cinco) anos – prescrição qüinqüenal.
Diz o mesmo Decreto-lei nº4.597, em seu artigo 3º, o seguinte: “A prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.”, dando assim características especiais ao reinício da contagem do prazo prescricional, após interrupção que porventura tenha ocorrido. A exegese deste artigo é objeto da Súmula nº383 do Supremo Tribunal Federal – STF, que reza: “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo”. Há pois uma redução na contagem do prazo no seu reinício, após a interrupção, caracterizando um privilégio do Estado no terreno jurídico da prescrição.
A prescrição, em termos de erro médico, com o Novo Código Civil brasileiro de 2002, sofreu uma redução do seu prazo. Mas, a par desta verdade, há que se aguardar o comportamento da jurisprudência e da doutrina, decorrência natural dos julgamentos pelos Tribunais, face às nuances que poderão se apresentar, para se aquilatar como serão as decisões jurídicas frente aos casos concretos.
* Neri Tadeu Camara Souza
Advogado e Médico em Porto Alegre-RS