A EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO E OS CRIMES FALIMENTARES TIPIFICADOS PELA LEI N. 11.101/2005

Ricardo Andreucci

A nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005) introduziu profunda mudança na disciplina do crime falimentar, que é caracterizado após a decretação da falência ou da concessão da recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial.

Muitas figuras típicas presentes na legislação falimentar anterior (Dec.-lei n. 7.661/45) deixaram de existir, sendo certo que algumas vieram a lume, enquanto outras tiveram sua estrutura modificada, com imposição de penas mais severas.

É sabido que, além da previsão do art. 5.º, XXXIX, da Constituição Federal, o princípio da legalidade vem estampado no art. 1.º do Código Penal, estabelecendo que ninguém pode ser punido se não existir uma lei a qual considere o fato praticado como crime (nullum crimen, nulla poena sine lege), princípio esse que tem sua complementação no princípio da anterioridade (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege), devendo a lei estabelecer previamente as condutas consideradas criminosas, cominando as penas que julgar adequadas, para afastar o arbítrio do julgador e garantir ao cidadão o direito de conhecer, com antecedência, quais são os comportamentos considerados ilícitos.

Como conciliar, pois, a vigência e a revogação sucessivas de leis penais no ordenamento jurídico, cada qual tratando do crime de forma diversa? Para a solução dessa questão, temos dois princípios que regem os conflitos de Direito Intertemporal: o princípio da irretroatividade da lei mais severa, segundo o qual a lei penal mais severa nunca retroage para prejudicar o réu, e o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, segundo o qual a lei penal mais benigna sempre retroage para beneficiar o réu.

A nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas ensejou, portanto, hipóteses de abolitio criminis (quando a nova lei suprime normas incriminadoras anteriormente existentes, deixando o fato de ser considerado crime), como no caso do anterior art. 186, que não encontrou similar na nova legislação, o qual previa, por exemplo, punição ao devedor que, concorrendo com a falência, tivesse efetuado gastos pessoais ou de família, manifestamente excessivos em relação ao seu cabedal (inc. I), ou que tivesse abusado da responsabilidade de mero favor (inc. IV), ou, ainda, que tivesse suportado prejuízos vultosos em operações arriscadas, inclusive em “jogos de Bolsa” (inc. V). Isso ocorreu também em relação a algumas figuras tipificadas no art. 188 da lei anterior, como no caso de perdas avultadas em operações de puro acaso, como jogos de qualquer espécie (inc. V), ou quando o falido era leiloeiro ou corretor (inc. IX).

Ocorreram, outrossim, com a nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, hipóteses de novatio legis incriminadora (quando a nova lei incrimina fatos antes considerados lícitos, ou seja, o fato passa a ser considerado crime), como no caso dos novos crimes de violação de sigilo empresarial (art. 169); de divulgação de informações falsas (art. 170); de indução a erro (art. 171); de favorecimento de credores (art. 172), com a ressalva do inc. II do art. 188 da lei anterior; de desvio, ocultação ou apropriação de bens (art. 173), com a ressalva do inc. III do art. 188 da lei anterior, o qual tipificava apenas a conduta de desviar bens; de aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174); de exercício ilegal de atividade (art. 176). Nesses casos, ante a inexistência de lei anterior que os definia, somente serão alcançados pela nova legislação os fatos praticados após o decurso do prazo de 120 dias (vacatio legis) da data da sua publicação (9 de fevereiro de 2005). Durante o período de vacatio legis, vige a lei antiga, mantida a tipificação anterior dos crimes falimentares.

Por fim, com o advento da nova legislação falimentar, ocorreram hipóteses de novatio legis in pejus (quando a lei nova modifica o regime penal anterior, agravando a situação do agente), uma vez que as penas privativas de liberdade foram sensivelmente exacerbadas. É o caso, dentre outros, do crime do art. 187 da lei anterior, punido com reclusão de 1 a 4 anos, o qual foi substituído pelo art. 168 da nova lei, que prevê pena privativa de liberdade de reclusão de 3 a 6 anos e multa, além de várias causas de aumento de pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) previstas no § 1.º, incs. I a V. Também a habilitação ilegal de crédito, que era punida pelo art. 189, II, com pena de reclusão de 1 a 3 anos, passou a ser tratada pelo art. 175 da nova lei, sendo punida com reclusão de 2 a 4 anos e multa. O crime de violação de impedimento, o qual, na lei antiga, era previsto pelo art. 190, com pena de detenção de 1 a 2 anos, passou, pela nova lei, a ser tratado pelo art. 177, sendo cominada pena de reclusão de 2 a 4 anos. Nesses casos, como a lei nova é mais severa, não ocorrerá a retroatividade, podendo ter lugar, no julgamento dos fatos ocorridos na vigência da Lei anterior, sob a vigência da lei nova, o fenômeno da ultra-atividade, ou seja, a aplicação de uma lei que tem eficácia preservada mesmo depois de cessada a sua vigência, abrangendo os fatos praticados durante a vigência da anterior, mais benigna.

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