Breves notas acerca da prisão

Tema muito recorrente, o estudo da prisão ostenta determinadas peculiaridades que demandam uma análise mais detalhada.

1. Legitimidade da prisão e reserva da jurisdição

A prisão, como medida restritiva do direito de liberdade de locomoção, direito fundamental de primeira geração, a fim de se mostrar legítima, deve atentar para duas exigências: observância da reserva legal e da reserva da jurisdição.

A reserva legal implica a necessidade de previsão legal da prisão. A reserva da jurisdição, por sua vez, significa a necessidade de controle jurisdicional sobre a medida restritiva do direito de liberdade. Tal controle jurisdicional, no entanto, mostra-se diferenciado em algumas situações, uma vez que ocorre, preferencialmente e via de regra, antes da decretação da prisão. Na prisão em flagrante, na prisão decretada durante o estado de sítio e o estado de defesa e na prisão militar por transgressão disciplinar, o controle jurisdicional é diferenciado em relação ao momento.

No caso da prisão em flagrante, o controle jurisdicional realiza-se a partir da comunicação da prisão ao juiz, o qual tem a possibilidade de ratificá-la, deferir a liberdade provisória ou mesmo relaxar a prisão, caso seja ilegal. Nesse instante, diz-se que a prisão em flagrante, até então ato administrativo, jurisdicionaliza-se.

Na hipótese da prisão decretada durante o estado de sítio e o estado de defesa, o controle perfaz-se não somente a partir da comunicação da prisão à autoridade judiciária mas também em função da possibilidade de impetração do habeas corpus, cujo âmbito de conhecimento, nesses casos, limita-se aos aspectos da legalidade, jamais adentrando o mérito da prisão.

Finalmente, no caso da prisão militar por transgressão disciplinar, o controle jurisdicional se faz por meio do habeas corpus, cujo objetivo de impugnação restringe-se aos aspectos da legalidade, não alcançando o mérito da decisão que determinou a medida restritiva.

2. Espécies de prisão e a prisão nas hipóteses de extradição, expulsão e deportação

São espécies de prisão: a) prisão pena, a qual, além de expressar a satisfação da pretensão punitiva estatal ou a realização do Direito Penal objetivo, caracteriza-se pela definitividade; b) prisão processual, de natureza cautelar, cuja finalidade é resguardar a efetividade dos fins da persecução criminal, caracteriza-se pela provisoriedade; c) prisão civil ou por dívida, admitida tão-somente nas hipóteses do depositário infiel e do devedor de alimentos[1]; d) prisão militar, seja por crime militar, hipótese em que é determinada por autoridade judiciária, seja por transgressão disciplinar, hipótese em que é decretada pelos integrantes das Forças Armadas, das Polícias Militares ou dos Corpos de Bombeiro; e) prisão administrativa, decretada por órgão estranho à estrutura do Poder Judiciário, não detém a função jurisdicional stricto sensu. É inconstitucional por não observar a cláusula da reserva da jurisdição. No caso da prisão do falido, a Lei de Falências[2] prevê duas hipóteses distintas de prisão. No art. 14, trata-se de modalidade de prisão preventiva, ao passo que, no art. 35, tem-se hipótese de prisão administrativa, reconhecidamente inconstitucional nos termos da Súmula n. 280 do Superior Tribunal de Justiça. Não é possível, porém, afirmar o banimento da prisão administrativa do sistema, tendo em vista a previsão constitucional da prisão militar por transgressão disciplinar. A própria Constituição Federal (CF) tratou de mitigar a regra da reserva da jurisdição em matéria de prisão.

Questão sempre polêmica envolve ainda a prisão decretada nos processos de extradição, expulsão e deportação, nos termos da Lei Federal n. 6.815/80, Estatuto do Estrangeiro, arts. 61, 69 e 81, respectivamente. Dispõe essa Lei que a competência para a decretação da prisão nessas hipóteses é do Ministro da Justiça, o que é inaceitável, tendo em vista a adoção da cláusula da reserva da jurisdição em matéria de prisão, ressalvada a exceção acima apontada. A Lei n. 6.815/80, nesse particular, não foi recepcionada pela CF de 1988.

A extradição, diferentemente da expulsão e da deportação, é o único procedimento que possui uma fase administrativa e outra judicial perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, nos processos de extradição, a prisão somente poderá ser decretada pelo STF, de ofício ou por provocação do Ministro da Justiça. Nos processos de expulsão e de deportação, todavia, não existe fase judicial, há apenas fase administrativa. A determinação da expulsão é atribuição exclusiva do Presidente da República e a deportação, da Polícia Federal[3]. No tocante à decretação da prisão nos processos de expulsão e de deportação, entretanto, o que se coloca em discussão é a competência para a sua deliberação. Como já assinalado, ao Ministro da Justiça é defeso determinar a prisão nessas circunstâncias. No caso da expulsão, considerando tratar-se de ato de iniciativa exclusiva do Presidente da República, a prisão deverá ser decretada pelo STF e por iniciativa do Ministro da Justiça. Ressalta-se que é reconhecida a competência originária do STF para conhecer e julgar o habeas corpus quando a autoridade coatora for o Presidente da República. Na deportação – de atribuição da Polícia Federal – a competência para a decretação da prisão é da Justiça Federal de Primeira Instância, após provocação daquela ou do Ministro da Justiça. Além do mais, a Justiça de 1.º Grau é competente para julgar o habeas corpus quando a autoridade coatora for o Delegado da Polícia Federal. Ocorre, no entanto, que, embora seja aceita a possibilidade de prisão nesses casos, a natureza de tal modalidade é discutível. Não é possível encaixá-la na classificação enumerada anteriormente. Da mesma forma, não se pode qualificá-la como prisão administrativa, uma vez que é decretada pelo Poder Judiciário. Resta, então, apenas uma alternativa, considerá-la como hipótese de prisão inominada, com finalidade cautelar, qual seja a proteção da soberania nacional, dado o fundado receio de risco que a liberdade da pessoa a ser extraditada, expulsa ou deportada possa representar à ordem interna.

3. Momento da prisão e restrições legais

Quanto à efetivação da prisão, tem-se que ela pode ultimar-se em qualquer momento do dia ou da noite[4], ressalvadas algumas restrições.

A primeira restrição consta no art. 5.º, XI, da CF, o qual trata da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, afirmando que somente será admitido o ingresso na residência na hipótese de prisão em flagrante, por determinação judicial, desastre ou para prestar socorro. Enquanto a prisão em flagrante pode ser efetivada em qualquer instante do dia ou da noite, com ou sem consentimento do titular do domicílio[5], a prisão por ordem judicial ocorre apenas durante o dia, salvo se houver o consentimento do titular da residência. No processo penal, considera-se dia o período das 6 às 18 horas.

A segunda restrição está no Código Eleitoral[6], segundo o qual ninguém poderá ser preso desde cinco dias antes das eleições e até 48 horas depois, a não ser que haja prisão em flagrante delito, para cumprimento de pena ou violação do salvo-conduto. Trata-se de restrição cuja finalidade é a preservação do direito ao voto, direito fundamental. Não há impedimento para a prisão ser decretada nesse período, no entanto a ordem não poderá ser executada. É importante salientar, entretanto, que a restrição da lei eleitoral não é absoluta, não sendo legítima sua aplicação quando não estiver caracterizado o fim ao qual se destina. Assim, por exemplo, no caso do estrangeiro residente no País ou ainda daquele que está com a prisão preventiva decretada e é surpreendido tentando embarcar no aeroporto para o exterior, não se vislumbra a finalidade da lei eleitoral, não sendo vedada, portanto, a privação da liberdade aquém das hipóteses legalmente autorizadas.

4. Conclusão

As questões abordadas evidenciam a necessidade de o intérprete compatibilizar a legislação ordinária com a CF, principalmente em matéria de prisão, cujo tratamento constitucional mostra-se bastante detalhado.

[1] Na hipótese da prisão civil do depositário infiel, apesar da contraposição do texto constitucional com o Pacto de São José da Costa Rica, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é pela prevalência do primeiro.

[2] Dec.-Lei n. 7.661/45.

[3] É a Polícia Federal que realiza o policiamento de fronteira.

[4] Art. 283 do Código de Processo Penal (CPP).

[5] O estado de flagrância considerado nesse caso é o flagrante próprio ou real (art. 302, I, do CPP), justamente porque o domicílio não pode servir de abrigo para a prática de infrações penais.

[6] Lei Federal n. 4.737/65.

* Fábio Ramazzini Bechara
Promotor de Justiça. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (FDDJ) e do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

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