Novos tipos penais criados pela Lei n. 10.886, de 17 de junho de 2004
Art. 129 do Código Penal
“Violência Doméstica
§ 9.º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1.º a 3.º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9.º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).”
Comentários
Nos termos do § 9.º do art. 129, acrescentado pela Lei n. 10.886/2004, com o nomen juris “violência doméstica”, se a lesão corporal for provocada em ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o agente conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a pena é de detenção, de 6 meses a 1 ano. Trata-se de uma figura típica qualificada, cominados mínimo e máximo da pena, aplicável somente à lesão corporal leve dolosa (figura típica simples), excluída a forma culposa (§ 6.º). As lesões de natureza qualificada pelo resultado (§§ 1.º a 3.º), quando presente a violência doméstica, têm disciplina diversa (§ 10 do art. 129). Presente uma circunstância especial do § 9.º (exemplo: prevalecimento das relações domésticas), prevista também como agravante genérica (art. 61 do CP), aquela prefere a esta.
Na Lei n. 10.886/2004, a violência doméstica também é descrita como causa de aumento da pena. De acordo com o § 10 do art. 129, ainda com o nomen juris “violência doméstica”, nas hipóteses de lesão corporal grave, gravíssima e seguida de morte (§§ 1.º a 3.º), se provocado o resultado em ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o sujeito conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a pena é acrescida de um terço. Cuida-se de causa de aumento de pena, uma vez que o legislador não comina mínimo e máximo e, sim, impõe um acréscimo. Quanto aos conceitos de cônjuge, companheiro, relações domésticas, coabitação e hospitalidade, prevalecem os mesmos do art. 61 do CP. Presente no fato uma circunstância especial do § 9.º (exemplo: relação de parentesco), prevista também como agravante genérica (art. 61 do CP), aquela prefere a esta, impondo-se a pena da agravação específica (pena do § 10).
O legislador, além de proteger a incolumidade física individual, pretende também, por intermédio da agravação da pena, tutelar a tranqüilidade e harmonia familiares. Esses bens jurídicos secundários são lesados nos seguintes casos:
a) Em razão de parentesco ou convivência familiar. Em primeiro lugar, o tipo menciona as figuras do ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro. Cremos que não é imprescindível a coabitação entre o autor e a vítima, i.e., basta existir relação doméstica, familiar, para incidir o tipo. Exemplo: por ocasião de uma visita, um irmão agride outro, ferindo-o, apesar de morarem em cidades diferentes. É também sujeito passivo a pessoa “com quem” o agente “conviva ou tenha convivido”. Não se pode restringir sua aplicação ao regime de união estável. De ver-se que o tipo fala expressamente em “companheiro”. Por isso, a convivência, desde que seja doméstica, faz incidir o tipo. Exemplo: moradores de um aposento de república de estudantes. Se a convivência é passada (tenha convivido), acreditamos que a melhor interpretação exige que a lesão corporal tenha sido provocada em razão da vivência anterior ocorrida entre autor e vítima.
b) Prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Prevalecer tem o sentido de valer-se, aproveitar-se, utilizar-se. A figura penal leva-nos a entender a expressão como “em razão de”, ou seja, o âmbito familiar, doméstico, surge como pressuposto lógico e necessário da adequação típica.
No § 9.º, a pena é de detenção, de 6 meses a 1 ano. A lesão corporal simples, art. 129, caput, do CP, comina pena de detenção, de 3 meses a 1 ano. Como veremos, na verdade não há alteração legislativa substancial por diversas razões:
a) Crime de menor potencial ofensivo. Como ocorre na lesão corporal leve (art. 129, caput), a violência doméstica constante do § 9.º é delito de menor potencial ofensivo. Na fase policial, dispensa-se o flagrante delito se o autor comprometer-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal, elabora-se o termo circunstanciado etc. Assim, tratando-se de lesão corporal leve, excluídas as graves, gravíssimas e seguidas de morte (art. 129, §§ 1.º, 2.º e 3.º), a competência é dos Juizados Especiais Criminais (art. 61 da Lei n. 9.099/95, alterado pela Lei n. 10.259/2001).
b) Transação penal. Não é afastada a sua possibilidade com a alteração da pena mínima (art. 76 da Lei n. 9.099/95).
c) Sursis processual. É cabível (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
d) Penas restritivas de direitos. São cabíveis (art. 44 do CP).
e) Ação penal. Tratando-se de lesão corporal leve (§ 9.º), a ação penal pública depende de representação (art. 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais). Na hipótese de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte (§§ 1.º, 2.º e 3.º) praticada em qualquer das circunstâncias definidoras da violência doméstica (§ 9.º), a ação penal é pública incondicionada.
Como se vê, a alteração legislativa foi praticamente inócua.
* Damásio E. de Jesus
Presidente e Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus