por Antonio Carlos de Oliveira Freitas
Um cheque pode ser passado com data posterior de compensação? De acordo com a chamada Lei do Cheque (7.357/85), a definição técnica desse título é de “ordem de pagamento à vista”. Entretanto, a sociedade em constante mutação criou diferenciação, a qual, pelo rigor da lei, não poderia conter a denominação de cheque na acepção jurídica do termo.
A referida lei, anterior à Constituição de 1988, foi por esta recepcionada e permanece vigente até hoje. Insta acrescentar a inegável diminuição da emissão de cheques nos últimos tempos em razão do avanço na utilização dos cartões eletrônicos.
Vale, ainda, expor o disposto no artigo 887 do Código Civil, onde conceitua título de crédito como documento necessário ao exercício de direito literal e autônomo nele contido, somente produzindo efeito quando preenchidos os requisitos da lei.
A partir desses conceitos surgiram confusões relacionadas ao cheque, dentre elas a existente entre título de crédito e título executivo extrajudicial, institutos jurídicos distintos. No primeiro caso há a figura definida pelo artigo 887 do Código Civil e, no segundo, a do título executivo extrajudicial, este criado por questão de política legislativa (artigo 585, Código de Processo Civil). Portanto, nem todo título executivo extrajudicial é título de crédito, mas a afirmação contrária é válida.
A figura do chamado cheque pré-datado ou pós-datado, pelo rigor exacerbado da lei, não existiria, mas o Direito não pode desamparar àqueles que buscam a solução de seus conflitos junto ao Poder Judiciário.
A omissão na solução de conflitos suscitados pelas partes não é possível. Da mesma forma o Código Civil e o Código de Processo Civil impõem que, omissa a lei, o magistrado se socorrerá da analogia, dos usos e costumes para solucionar o problema, não podendo deixar de apreciar a questão sub judice.
Os cheques pós-datados começaram a ser questionados na justiça, em virtude da ausência de previsão legal. Tais títulos devem ser respeitados, pois, por meio do costume são utilizados em grande escala pelo comércio.
Cediço que as leis são rígidas, pois, caso contrário, haveria instabilidade social, mas não podem permanecer imutáveis ante a evolução da realidade social. Essa peculiaridade se operou com a Lei do Cheque.
Diante disso, o cômputo da data base do início da contagem do prazo para apresentação dos cheques começou a ter interpretações diferentes e equivocadas.
Em reiteradas decisões, inclusive precedentes do Superior Tribunal de Justiça, muitos juízes de primeiro grau e algumas Câmaras de Tribunais estaduais, permaneceram prestigiando a interpretação restritiva e não extensiva da Lei do Cheque, o que é equivocado.
A expressão “Bom Para”, inserida no cheque, visa exprimir a estipulação de comum acordo entre as partes (emitente e credor) para cumprimento da obrigação em data diferente da sua efetiva emissão para apresentação e deve ser respeitada. A data a posteriori há de prevalecer, sob pena de o credor ao descumpri-la estar sujeito a ressarcir o emitente pelos danos a ele causados.
O tema é relevante, pois tem repercussão imediata nos meios de cobrança judicial. O cheque, se prescrito, possibilita ao credor se valer da Ação Monitória, na qual se busca a formação de título executivo judicial para, posteriormente, tentar a recuperação do crédito, via expropriação de bens.
Por outro lado, a ausência da ocorrência da prescrição poderá de imediato, sem a necessidade de protesto, possibilitar o ajuizamento da Ação de Execução contra o emitente do título e obter a satisfação do crédito de modo menos tormentoso.
Outro ponto fundamental está no fato de a apresentação do cheque pós-datado ocorrer antes da data pactuada entre as partes envolvidas. Nessa hipótese haverá o dever de indenizar o emitente por danos morais e/ou materiais, desde que comprovados esses últimos.
Deve ser ressaltado o momento de início da contagem do prazo prescricional, onde não há que se falar na data de sua primeira apresentação. Com relação à matéria, a 12ª Câmara do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em sede de recurso de Apelação nº 882.608-4, deu provimento por maioria de votos, nos seguintes termos: “EMBARGOS À EXECUÇÃO – Cheques pré-datados – Descaracterização – Impossibilidade do lapso prescricional ser contado nos moldes estabelecidos pela Lei nº 7.357/85, à vista do entendimento de que a apresentação antes da data avençada sujeita o favorecido ao pagamento de indenização ao emitente – Início a contar da apresentação – Recurso provido.”
Ora, note-se que mesmo evidente a impossibilidade de existência de dois pesos e duas medidas, há pensamentos dissonantes, como no caso acima, onde um dos integrantes da Câmara julgadora foi contrário ao entendimento dos demais membros da Corte.
Patente no caso de cheques pós-datados o dever de ser respeitada a data pactuada entre as partes para que se tenha início o prazo de apresentação do título, 30 dias para mesma praça de pagamento e 60 dias com praças distintas. Assim, o cômputo será a partir do término do prazo para apresentação, sendo a base a data posterior inserida — “Bom Para” — e não a de sua efetiva emissão.
Assim, ultrapassados 30 ou 60 dias da apresentação, inicia-se a contagem dos seis meses para o título se caracterizar como prescrito. Portanto, seria absurdo prestigiar o inadimplemento partindo-se de premissa equivocada, ou seja, considerando válido o cheque pós-datado, mas mantendo o cômputo para início da contagem do prazo prescricional como sendo o da data de sua efetiva emissão.
Situações como a acima mencionada podem ser resolvidas de modo mais célere, diminuindo o acúmulo de recursos aos tribunais, com a Súmula vinculante, recentemente aprovada por Emenda Constitucional. Trata-se de instrumento cujo efeito pode ser benéfico, mas de se observar com cautela, pois poderá conter entendimento equivocado, gerando problemas por vezes intransponíveis.
Desse modo, o mais prudente é, não somente levar em consideração a aplicação da lei de modo sistemático, mas também confrontar o caso concreto com a realidade da sociedade, com o intuito de a decisão judicial não se tornar inócua, afastando-se de seu fim maior, qual seja, a busca pela Paz Social.
Revista Consultor Jurídico