Multa penal: Superior Tribunal de Justiça firma posição sobre competência e atribuição para sua execução
Nos termos do art. 51 do Código Penal, com redação da Lei n. 9.268, de 1.º de abril de 1996, transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da multa penal deve ser considerado dívida de valor, aplicando-se as normas da legislação relativa à divida ativa da Fazenda Pública.
Sobre a inovação, formaram-se duas correntes:
1.ª) tornando-se irrecorrível a condenação penal, o valor da multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública, não se procedendo mais à execução de acordo com os arts. 164 e ss. da Lei de Execução Penal, deixando, assim, de ser da competência da Justiça Criminal e de atribuição do Ministério Público. Nesse sentido: TACrimSP, AE n. 1.054.103, 12.ª Câm., Rel. Juiz João Morenghi, RT, 745/590. A condenação a multa continua guardando sua natureza criminal, passando a execução a apresentar caráter extrapenal, a ser promovida pela Fazenda Pública. Nesse sentido: TJSP, AE n. 218.817, Rel. Des. Canguçu de Almeida, j. 16.12.1996, JTJ, 191/343; RT, 540/596; TACrimSP, AE n. 1.042.957, RT, 743/653; TJSP, AE 264.655, 6.ª Câm. Crim., Rel. Des. Otávio Henrique, RT, 763/564;
2.a) a atribuição para a execução da multa penal permanece com a titularidade do Ministério Público na Justiça Criminal. Para essa corrente, a competência é do Juízo da Execução Penal, com o rito da Lei de Execução Fiscal, instituída pela Lei n. 6.830/80. Nesse sentido: TACrimSP, Ag. em Exec. n. 1.036.425, 11.ª Câm., Rel. Juiz Xavier de Aquino, RT, 740/620; TACrimSP, Ag. em Exec. n. 1.038,277, 14.ª Câm., Rel. Juiz Haroldo Luz, RT, 744/600.
Para nós, que adotamos a primeira corrente, a multa permanece com seu caráter criminal, subsistindo os efeitos penais da sentença condenatória. A execução é que se realiza em termos extrapenais (Código Penal Anotado, 10.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 190, nota ao art. 51). Caso a Lei n. 9.268/96 não tivesse produzido esse efeito quanto à competência para a cobrança da multa, de observar-se, como fez o Juiz Rui Stoco do TACrimSP, que o “legislador não altera a lei para que fique como dantes” (RJTACrimSP, 46/23).
A 6.ª Turma do STJ, no REsp n. 218.007, de São Paulo, Rel. o Ministro Vicente Leal, apreciando o art. 51 do CP em face da Lei n. 9.268/96, na esteira de nosso entendimento, decidiu, por votação unânime, pela “legitimidade da Fazenda Pública e ilegitimidade do Ministério Público” para promover a execução do valor da multa penal, constando da ementa do acórdão: “A titularidade para promover a execução, visando a cobrança de dívida decorrente de sentença criminal, passou a ser regulada pela Lei n. 6.830/80 e a ser ajuizada pela Fazenda Pública, perdendo o Ministério Público a legitimidade para propô-la” (j. 13.2.2001, DJU 5.3.2001, p. 245). De modo que a execução não se realiza mais na Justiça Criminal. Como observou o relator, “a intenção do legislador foi buscar um procedimento rápido e eficiente na execução da multa criminal, retirando-a da competência do juízo penal e transferindo a legitimidade de sua cobrança do Ministério Público para a Fazenda Pública. Sendo assim, transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena de multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública e sua execução não se procederá mais nos termos dos arts. 164 e seguintes da Lei de Execução Penal e sim nos moldes do que dispõe o procedimento estatuído pela Lei n. 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal), que regula a cobrança da dívida ativa em favor da Fazenda Pública. Em conseqüência, claro está que palco próprio para a execução da pena de multa não é mais o juízo penal, mas sim o da Fazenda Pública, bem como que a legitimidade da cobrança da multa não mais está afeta ao Ministério Público Estadual e sim aos Procuradores da Fazenda Pública”.
O STJ já vinha perfilhando esse entendimento: Rec. Especial n. 151.285, 1.ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, RT, 762/577; REsp n. 166.536, 1.ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 8.6.98, v. u., DJU 10.8.98 (citando nossa posição).
Resta uma questão: a execução é de atribuição da Fazenda Nacional ou Estadual?
Responde o STJ: “a cobrança da multa penal incumbe à Procuradoria da Fazenda Estadual. Conflito que não se estabelece com a Fazenda Nacional por ser da alçada estadual a cobrança” (Confl. de Atrib. n. 105, Paraíba, 1.ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18.12.2000, v. u., DJU 5.3.2001).
Esse entendimento, agora abraçado pela 1.ª Seção do STJ, já era por nós adotado em agosto de 1995, em parecer que oferecemos à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Nele, dizíamos que “o montante do recolhimento das multas cobradas pela Justiça Federal faz-se em favor da União, enquanto as arrecadadas pela Justiça Estadual permanecem em poder do Estado-membro.” Essa tese – prosseguia o parecer – “atende aos princípios de justiça, celeridade, conveniência, certeza e proporcionalidade, além de apresentar o suporte do bom senso. Com efeito, é justo que a União recolha o montante das multas penais impostas pela Justiça Federal; os Estados, pela Justiça Estadual. Além disso, o repasse aos Estados de recursos arrecadados pela União é moroso, não atendendo ao reclamo da celeridade que exigem os assuntos penitenciários. Por fim, na tese aceita pelo parecer, a arrecadação e o emprego dos recursos tornam-se certos e proporcionais. O repasse aos Estados pela União, forma oblíqua de distribuição de recursos, pelos problemas que apresenta, não tem recebido aplausos, recomendando o bom senso a arrecadação direta e regional” (Multa penal e fundo penitenciário, in Novíssimas questões criminais, 3.ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999, p. 122-123). E, em outra oportunidade, acrescentávamos, em atenção ao referido art. 51 do CP: “Note-se que a lei não fala que o valor da multa deve ser recolhido aos cofres da União, referindo-se à Fazenda Pública. Abre espaço a que seja arrecadado aos erários estaduais, o que nos parece correto e vem acontecendo em alguns Estados, como em São Paulo” (Código Penal anotado cit., p. 191, verbete “recolhimento do valor da multa aos cofres públicos”).
* Damásio E. de Jesus
Presidente e Professor do COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS