A decadência no Direito Previdenciário brasileiro

“Tratando-se a decadência de instituto de direito material, não há como emprestar efeitos retroativos à nona edição da MP nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, pena de manifesta afronta ao disposto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e ao artigo 5º, inciso XXXVI, da CRFB/88.

Além disso, aludida Medida Provisória acarreta evidente depreciação da situação material do segurado sendo impossível aplicação imediata da norma aos benefícios concedidos antes de 27.6.97.

Assim, para a revisão da renda mensal inicial dos benefícios concedidos antes de 27.6.1997 não há prazo decadencial. Nesses casos, o pagamento das diferenças apuradas encontrará como único obstáculo o lapso temporal abrangido pela prescrição. Para os benefícios previdenciários concedidos entre 28.6.1997 e 20.11.1998 o prazo é de 10 anos. Para os benefícios concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial de cinco anos foi majorado para 10 anos pela MP nº 138/03.”

BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA

A instituição do prazo decadencial para o ato de revisão dos critérios constantes do cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) dos benefícios previdenciários é uma inovação.

A inclusão do instituto foi efetuada pela nona reedição da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 19971.

Após a edição da famigerada Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998, o caput do artigo 103 recebeu nova feição reduzindo o prazo decadencial inicial de 10 para cinco anos. (Decorrente da conversão em Lei da MP nº 1.663-15, de 22 de outubro de 1998)2. Sucede que a Lei nº 9.711, publicada no DOU de 21.11.1998, em seu artigo 30 convalidou os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.663-14, de 24.9.98, razão pela qual a norma restritiva introduzida pela MP nº 1.663-15 formalmente não foi convalidada. Este fato nos leva à conclusão de que a redução do novo prazo vigorou apenas a partir da edição da Lei nº 9.711/98.3

Em 20 de novembro de 2003, após o alvoroço nos Juizados Especiais Federais e nas Agências do INSS, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva publicou a Medida Provisória nº 138/034, alterando novamente o prazo decadencial para 10 anos.

DECADÊNCIA: INSTITUTO DE DIREITO MATERIAL

Atualmente, no caso de o valor da renda mensal inicial do segurado ter sido calculado de forma equivocada, após o transcurso do prazo decadencial de 10 anos o erro tornar-se-á definitivo. Anteriormente, era possível sanar o vício a qualquer momento, entretanto, as diferenças devidas relativas a competências anteriores ao qüinqüênio legal não poderiam ser cobradas por conta dos efeitos da prescrição.5

Porém, há de observar-se que, como o direito de revisão está vinculado ao aspecto temporal, os benefícios concedidos sob a égide da MP nº 1.523, de 27 de junho de 1997, estão sujeitos à novel decadência: os anteriores são a ela estranhos.

Esta noção conceitual é fundamental. E assim entendo por razões simples. Um benefício implantado antes da nova norma estava desvinculado do fator tempo. A inclusão da decadência em sua definição representaria evidente depreciação da situação material do segurado. O que ocorreria em tal caso seria indevida retroatividade da lei prejudicial.6

No ordenamento jurídico brasileiro, as leis destinam-se a regrar fatos que lhe são posteriores. A aplicação da lei nova ao fato pretérito é viável, mas exige clara previsão normativa. A lei é sempre prevista para regulamentar o futuro, salvo expressa exceção e desde que não lesione as normas constitucionais.

O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial, estabelecido pela nona edição da Medida Provisória nº 1.523/97, de 27.6.97, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material. Para os benefícios previdenciários concedidos entre 28.6.97 e 20.11.98 o prazo é de 10 anos. Para os benefícios concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial de cinco anos foi majorado para 10 anos pela MP nº 138/03.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:

“Recurso Especial – Previdenciário – Benefício – Revisão da Renda Mensal Inicial – Prazo Decadencial – Artigo 103 da Lei nº 8.213/91, com a Redação da MP nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.728/97 – Aplicação às Relações Jurídicas Constituídas sob a Vigência da Nova Lei. 1. O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário, estabelecido pela Medida Provisória nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, que alterou o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto

de direito material. 2. Precedentes. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ – REsp. nº 479964/RN – 6ª Turma – DJ10.11.03 – p. 220 – Rel. Min. Paulo Gallotti).”

“Processual e Previdenciário – Recurso Especial – Dissídio não Caracterizado – Revisão de Benefício – Prazo Decadencial – Artigo 103 da Lei nº 8.213/91, com a Redação da MP nº 1.523/97 Convertida na Lei nº 9.528/97 e Alterado pela Lei nº

9.711/98. I – Desmerece conhecimento o recurso especial, quanto à alínea c do permissivo constitucional, visto que os acórdãos paradigmas se referem aos efeitos de lei processual, enquanto o instituto da decadência se insere no campo do direito material. II – O prazo decadencial do direito à revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, instituído pela MP nº 1.523/97,

convertida na Lei nº 9.528/97 e alterado pela Lei nº 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27.6.97, data da nona edição da MP nº 1.523/97. III – Recurso conhecido em parte e, nessa desprovido. (STJ – REsp nº 254.186/PR, 5ª Turma, Relator o Ministro Gílson Dipp, DJU de 27.8.01).”

Assim, tratando-se a decadência de instituto de direito material, não há como emprestar efeitos retroativos à MP nº 1.523/97, pena de manifesta afronta ao disposto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, e ao artigo 5º, inciso XXXVI, da CRFB/88.

Ressalta-se, ad cautelam, que a regra de caducidade abrange somente os critérios de revisão da renda mensal inicial. Não pode ser invocada para afastar ações revisionais que visam a correção de reajustes aplicados erroneamente às prestações previdenciárias. Nesses casos, o pagamento das diferenças apuradas encontrará como único obstáculo o lapso temporal abrangido pela prescrição.7

RESTRIÇÃO À APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI NOVA AOS BENEFÍCIOS EM MANUTENÇÃO

Esquecendo agora a lícita retroação, muitos operadores do Direito e toda a imprensa nacional sustentaram – nos últimos dias – que a MP nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, teria aplicação imediata, apanhando as relações jurídicas em curso.

Ocorre que a aplicação imediata da lei nova encontra restrição quando a nova regra for prejudicial ao segurado. No caso em tela, é impossível incidência imediata da MP nº 1.523/97, sob pena de quebra do princípio de proteção ao hipossuficiente. Se a legislação dá novo tratamento à relação de direito previdenciário, ampliando os direitos do destinatário da norma, esta a ele aproveitará. Caso contrário não. Não há, nessa construção normativa, retroatividade, somente aplicação imediata, mas sempre na pressuposição de vantagem ao segurado.8

In casu, a instituição do prazo decadencial pela MP nº 1.523/97 não pode ter aplicação imediata aos benefícios em manutenção porque a nova norma não é mais benéfica aos segurados da Previdência Social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção deste pequeno ensaio é contribuir de alguma forma para o aperfeiçoamento do estudo sobre a questão e a conclusão que se impõe é a seguinte:

Segundo tranqüilo entendimento a instituição do prazo decadencial nas ações de revisão da renda mensal inicial somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir da vigência da nona edição da MP nº 1.523/97, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material.

Além disso, aludida Medida Provisória acarreta evidente depreciação da situação material do segurado sendo impossível – ao meu ver – aplicação imediata da norma aos benefícios concedidos antes de 27.6.1997.

Em termos práticos: para a revisão da renda mensal inicial dos benefícios concedidos antes de 27.6.1997 não há prazo decadencial. Nesses casos, o pagamento das diferenças apuradas na ação revisional encontrará como único obstáculo o lapso temporal abrangido pela prescrição. Para os benefícios previdenciários concedidos entre 28.6.1997 e 20.11.1998 o prazo é de 10

anos. Para os benefícios concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial de cinco anos foi majorado para dez anos pela MP nº 1.38/2003.

Ressalto, ainda, que a regra de caducidade abrange somente os critérios de revisão da renda mensal inicial. Não pode ser invocada para afastar ações revisionais que visam a correção de reajustes aplicados erroneamente às prestações previdenciárias.

NOTAS

1 Confira a redação original do art.103 da Lei nº 8.213/91: “Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em cinco anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes”.

E agora confira a redação do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 dada pela nona reedição da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997: “É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”.

2 “Art. 103. É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”.

3 Cf. Rocha, Daniel Machado da; Baltazar Júnior, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 3. ed., Porto Alegre, Liv. do Advogado, 2003, p. 294.

4 “Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.”

5 Súmula nº 85 do STJ – “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas às prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação.”

6 Cf. Pereira, Hélio do Valle. Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário. in Revista de Previdência Social, v. 23, nº 226, p. 751-763, set. 1999.

7 O preceito contido no artigo 79 da Lei nº 8.213/91 impede também o curso dos prazos de prescrição e decadência contra menor, incapaz ou ausente.

8 Cf. Pereira, Hélio do Valle. Idem, Ob. cit., v. 23, nº 226, p. 751-763, set. 1999.

* Bruno Marcos Guarnieri
Advogado em Aracaju (SE) e sócio da Kravchychyn & Barreto Advogados Associados

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