Breve explanação acerca dos Crimes Contra a Ordem Tributária

SUMÁRIO: 1. Noções introdutórias – 2. Da legislação específica dos crimes tributários – 3. Da conceituação prática dos “crimes contra a ordem tributária” – 4. Crítica elaborada a respeito dos crimes descritos na Lei n.º 8.137/90 – 5. Considerações finais – 6. Referências bibliográficas.

1. Noções introdutórias

Com o advento das grandes empresas e das movimentações financeiras de cifras bastante elevadas, não poderia deixar de vir à tona, no que tange à esfera penal tributária, delitos de ordem econômica com intuito de se desviar verbas volumosas, inclusive por parte daquele que fora incumbido de resguardar o bem jurídico imediato da ordem tributária em questão, a saber: o administrador do Patrimônio Público.

É certo, inclusive, que a ordem econômica (em sentido amplo) não pode ser atingida de maneira direta, mas sim indiretamente, por atos que venham a ferir tal ordem.

O ataque a essa esfera de bens jurídicos, caracterizados como supra-individuais, se apresenta um tanto quanto facilitado, quando, ao agente, torna-se de grande veemência buscar meios delituosos para se atingir ao fim pretendido, que, além da proteção do patrimônio próprio, vem a ser o de amarrotar o bom funcionamento da ordem tributária com desvios e/ou outras formas ilegais de utilização de seu poder para a prática destes.

Não obstante, tais crimes também podem vir a ser praticados por agentes particulares, ainda que tal prática não seja levada a cabo de forma tão simples, na medida em que demanda alto conhecimento técnico para a sua consecução. Assim, por exemplo: quando provenientes de atos ilícitos praticados contra algum órgão ou setor público, ou mesmo acerca de fatos que venham a resultar de alguma forma de supressão ou mesmo a redução de um tributo ou de uma contribuição necessária.

É dessa forma, sob um prisma mais pragmático, que se caracteriza crime de ordem tributária cometida por particular.

2. Da legislação específica dos crimes tributários

De tal maneira, com os já referidos adventos (tanto na esfera da criação de novas empresas quanto acerca da proliferação de crimes de ordem tributária), se fez necessária a promulgação de uma legislação específica do tema, na qual se viesse a tipificar os crimes, em âmbito tributário, de maneira individualizada, dando a estes as devidas penas e sanções.

Tal lei foi promulgada e publicada em 27 de dezembro de 1990, durante o Governo Collor, sob o n.º 8.137, com a tipificação de dez condutas (além dos crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo), descritas logo em seus dois primeiros artigos.

No que se refere à forma de execução da lei ao caso in concretu, tem-se especificidades que devem ser respeitadas, observando a necessidade de se aplicar aos crimes tipificados, por exemplo, nos incisos I a IV, em conformidade com o caput do art. 1º da Lei, o que faz com que se projetem dificuldades para a sua realização, no plano prático.

A legislação pertinente aos “crimes contra a ordem tributária” aqui em análise está dividida em “crimes praticados por particulares”, que são aqueles descritos nos arts. 1º e 2º, elencados pelos seus respectivos incisos. Já no art. 3º, a descrição típica fica destinada às ações ilícitas praticadas por funcionários públicos no exercício de suas atividades e/ou atribuições.

EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO descreve sobre a ofensa que a lei tributária sofre quando da efetivação de um crime tido como “de ordem tributária”, dando, dessa forma, ênfase ao delito tributário como condição sine qua non da consecução do tipo penal, in verbis:

“Portanto, os crimes contra a ordem tributária ofendem o bem jurídico tutelado pela lei penal da mesma forma como ofendem a legislação tributária. Por tais razões, a infração à legislação tributária é pressuposto para a ocorrência do crime, daí por que é necessário que antes de tudo tenha ocorrido o lançamento tributário eficaz.”[1].

Entretanto, em âmbito mais restrito de análise, no que concerne a aplicação efetiva da lei n.º 8.137/90 a despeito do crime de omissão de recolhimentos de tributos e contribuições necessárias, por parte do agente ativo do delito, tem-se os ensinamentos de MARCELO MACHADO BERTOLUCI:

“(…) Torna-se fundamental que os aplicadores da Lei n.º 8.137/90 adentrem nas circunstâncias de cada fato específico. Importante, neste sentido, conhecer o ciclo produtivo da atividade econômica na qual está inserido o devedor. O ‘deixar de recolher tributos ou contribuições devidas’ pode resultar do propósito puro e simples de não adimplir ou, então, da absoluta impossibilidade material de fazê-lo à míngua de recursos financeiros, ou, talvez, da decisão do contribuinte em utilizar os recursos de que dispõe para efetuar outros pagamentos indispensáveis para que a empresa continue em atividade.”[2].

Com as exposições críticas elaborada por ambos os autores, verifica-se a preocupação de que se deve buscar o aniquilamento da prática ilícita destes crimes de grande potencial ofensivo desde a sua origem.

Assim, não se pode deixar para “remediar” atos que tem por finalidade ferir a ordem tributária somente após a sua consecução, sob pena de vir a fomentar ainda mais a concretização desse tipo penal, por não haver uma fiscalização eficiente e sancionador o bastante.

De tal maneira, faz-se nítida a aceitação de que a necessidade de se ter uma legislação específica para a tipificação dos crimes de grande porte, como os são os “crimes contra a ordem tributária”, é de bom grado senão obrigatória.

Para um maior apaziguamento desta ordem, por meio estatal, é preciso colocar à fronte algo acima dos interesses particulares, que é justamente o trâmite normal da ordem tributária, como um todo.

3. Da conceituação prática dos “crimes contra a ordem tributária”

No campo teórico-legal, o art. 1º da Lei n.º 8.137/90 descreve o crime “contra a ordem tributária”, acerca da sua constituição, elencando os tipos penais. Para tanto, a constituição típica se faz quando da supressão ou redução do tributo, contribuição social ou qualquer acessório.

No que se refere aos tipos possíveis para a prática dos “crimes contra a ordem tributária”, PAULO OLÍMPIO GOMES DE SOUZA pondera duas, que se apresentam transcritas a seguir:

“A partir da edição da Lei nº 8.137/90, pode-se falar de dois tipos de crime contra a ordem tributária, a saber: a) supressão ou redução de tributo, ou sonegação fiscal, como antes era denominado (art. 1º, Lei nº 8.137/90) e b) apropriação indébita de tributo (art. 2º, Lei 8.137/90). Os envolvidos processualmente com esses crimes são: a União (tributos federais) ou Estados-membros (ICMS); os Ministérios Públicos federal ou estaduais, pois a ação penal é pública; e, finalmente, o contribuinte.”[3].

De acordo com a compreensão de ANTONIO CORRÊA acerca das considerações explicitadas pela Lei n.º 8.137/90, no que concerne aos delitos contra a ordem tributária, elencam-se duas situações fáticas em detrimento à Lei n.º 4.729/65, atualmente derrogada pela legislação analisada no presente estudo:

“A lei atual, de n. 8.137, adotou técnica legislativa diferente. Tanto assim que considera delitos contra a ordem tributária duas situações fáticas: a primeira “suprimir tributo ou contribuição ou acessório” mediante as condutas que consigna como a “supressão” ou a “redução”. Depois é que estabelece as subcondutas que podem levar à sonegação, estas constantes de numerus clausus.”[4].

Para tanto, no plano prático, pode-se caracterizar “crimes contra a ordem tributária” como aqueles que têm por escopo a deturpação de uma forma organizacional tributária, por vias ilícitas, para, com isso, se retirar proveito pecuniário próprio, induzindo, dessa forma, a erro a própria ordem tributária.

Tal assertiva se releva no fundamento de que à administração se têm prerrogativas fáticas de garantir a ordem econômica de determinado setor (seja ele em âmbito público ou privado), não podendo este “corpo maior”, que é a própria ordem tributária, portanto, estar sob uma tutela vulnerável a atos ilícitos.

4. Crítica elaborada a respeito dos crimes descritos na Lei n.º 8.137/90

O estudo de crimes sempre desperta grande interesse entre os estudiosos da área jurídica como um todo. Porém, quando se trata de matéria que envolva um interesse supra-individual, como é o caso do presente, ressalta ainda mais, o mérito de sua análise.

Isso se mostra com maior intensidade em obras que descrevem, de maneira específica, um diagnóstico profundo elaborado por renomados juristas na área tributária, na qual, um dos maiores exemplos pode-se citar ROBERTO DOS SANTOS FERREIRA, quando explicita sua crítica minuciosa no que tange aos “crimes contra a ordem tributária”:

“Os crimes tributários vêm despertando a atenção dos estudiosos do direito nos últimos anos, ante as criativas manobras evasivas do contribuinte, capazes de excluir expressivos recursos dos cofres estatais, contrapostas à multiplicação de tarefas cometidas ao Estado na atualidade, a qual cria a necessidade de aumentar sua capacidade de arrecadação tributária.”.

E continua descrevendo acerca do “dano social” que tais tipos penais vêm acarretando:

“(…) Por outro lado, o dano social provocado pelos crimes tributários não pode ser subestimado, pois o ‘custo econômico de um só destes delitos pode ser maior que o de todos os furtos e roubos que se cometem em um ano no país’.” [5].

Fica evidente, por este prisma, uma preocupação sobre estes crimes de bem jurídico supra-individual que pairam constantemente sobre a ordem econômica nacional. Isso porque fatos de grandes proporções, quando da ocorrência de um desses tipos penais, trazem uma descaracterização no plano econômico que por vezes pode não voltar ao seu status quo.

De toda sorte, a fenda aberta, por conta de atos delituosos em face da ordem tributária, descreve um elevado grau de dano, tido como “dano social”, que não pode deixar de se levar em conta. A par disso, quando do conhecimento desses atos inescrupulosos, proporciona certo “ar de perplexidade”, por parte do contribuinte.

Por fim, fica disposta a necessidade imediata da caracterização absoluta e efetiva dos tipos penais de interesse acima do particular, com a vontade de se proteger, acima de qualquer hipótese, a magnitude da circulação tributária, com o primado do interesse supra-individual em detrimento da veemência privada, sob o prisma da voluntas legis em alcançar tal “perfeição jurídica”.

5. Considerações finais

Os crimes ditos “contra a ordem tributária” se alastram de maneira constante e com uma velocidade tamanha que, por muitas vezes, o Direito Penal acaba por não alcançá-los. Crimes são cometidos e praticados, bem como imaginados, a todo tempo, e com especializações em matérias de forma bastante restrita. Fica, dessa forma, cada vez mais dificultoso ao Poder Judiciário e ao órgão policial competente, localizar e desvendar crimes dessa grandiosidade.

No que se refere à forma de como a presente matéria mostra-se explicitada, é de se concluir, a partir daí, que os crimes contra a ordem tributária apresentam-se, atualmente, bastante organizados e cada vez mais projetados, com o fim de burlar, de maneira mais astuta, as leis hoje vigentes.

No entanto, mesmo sendo crimes de dimensões exorbitantes, sempre se tem a possibilidade de atenuar seus efeitos. Essa é a verdadeira vontade das leis que tutelam bens supra-individuais, como é o caso da Lei n.º 8.137/90, dentre outras.

O fato de existirem atos ilícitos dessa natureza na esfera jurídica não descaracteriza a necessidade de existirem legislações específicas para se alcançar o bem pretendido com elas, a saber: uma autêntica ordem de determinado campo supra-individual que, no caso em tela, é a própria ordem tributária.

Porém, com a possibilidade de uma efetiva atuação dos órgãos antes referidos, tem-se a noção de que tais atos ilícitos venham a perder as devidas proporções que detém, na atualidade, trazendo à tona o “desnorteamento” e as desconstituições desses grandes blocos de criminosos organizados, dando, assim, melhor rumo às frentes econômicas do país.

Notas:

[1] Direito Penal Tributário: crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 1995, p. 119.

[2] O crime de omissão de recolhimento de tributos e contribuições: aspectos críticos. In Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago. 2000, p. 149.

[3] Crimes fiscais: duas divergências a serem superadas. In Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago. 2000, p. 143.

[4] Dos crimes contra a ordem tributária (comentários à lei n. 8.137, de 27-12-1990). 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 1996, p. 73.

[5] Crimes contra a ordem tributária. 2. ed., rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2002, p. 14/15.

Referências bibliográficas

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito Penal Tributário: crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 1995.

BERTOLUCI, Marcelo Machado. O crime de omissão de recolhimento de tributos e contribuições: aspectos críticos. In Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago. 2000.

CORRÊA, Antonio. Dos crimes contra a ordem tributária (comentários à lei n. 8.137, de 27-12-1990). 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 1996.

EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed., rev., atual., e ampl. – São Paulo: Dialética, 2002.

FERREIRA, Roberto dos Santos. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed., rev. e ampl. – São Paulo: Malheiros, 2002.

GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito penal econômico. 2. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998. – (Pesquisas tributárias. Nova série; n. 1).

PODVAL, Roberto (org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

SOUZA, Nelson Bernardes de. Crimes contra a ordem tributária e processo administrativo. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 8, mar. 1997. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2005.

SOUZA, Paulo Olímpio Gomes de. Crimes fiscais: duas divergências a serem superadas. In Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre: Síntese, jul./ago. 2000.

* Luiz Fernando Vescovi

Acadêmico de Direito do 5º ano do UnicenP – Centro Universitário Positivo e integrante do corpo discente do Núcleo de Estudos em Direito Internacional da UFPR – Universidade Federal do Paraná.

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