Acho que nós fomos longe demais

A arrecadação proveniente do Imposto de Renda – Pessoa Física, em 1995 equivalente a 2,16 bilhões de dólares, teve crescimento substancial nos últimos anos, atingindo em 2001 o patamar de 4,12 bilhões de dólares, segundo dados fornecidos pela própria Receita Federal, em seu Site.

Este substancial crescimento, de91,01% em termos reais, teve como principal fonte o “congelamento” da tabela do Imposto de Renda, o que facilmente se comprova quando analisados os dados relativos à inflação que, no período compreendido entre 1995 e 2001,representou 76,92%, segundo dados o INPC/IBGE.

As conseqüências do congelamento da Tabela do Imposto de Renda podem ser facilmente demonstradas: Um trabalhador cujo salário, de R$900,00 em 1995, tivesse acompanhado o patamar de inflação ocorrida no período, de uma condição inicial de isento, encontrar-se-ia, em2001, recolhendo o valor anual de R$1.246,19 a título de Imposto de Renda, ou seja, estaria contribuindo com o equivalente a 6,5% do seu salário, sem que tivesse obtido qualquer aumento real em sua remuneração.

Esta situação, aumento da tributação pelo Imposto de Renda em termos reais no período de 1995 a 2001, verifica-se em relação a quaisquer contribuintes, independentemente da remuneração utilizada como parâmetro.

Durante todo este período,diversas vozes se ergueram contra esta situação, aparentemente sem qualquer efeito, todavia, produziu-se um efeito avalanche, à medida que mais e mais pessoas ergueram-se contra esta situação absurda, injusta e confiscatória, atéo momento em que, o governo, pressionado, foi obrigado a ceder, e “negociou” um aumento de 17,5% na Tabela do Imposto de Renda.

Apesar de, por ser tamanha a excrescência, até parecer uma demonstração de que o governo efetivamente crê que somos todos seres desprovidos da capacidade de utilizarmos a massa existente entre nossas orelhas, visto que a “correção” da Tabela do IR representa tão-somente 22,75% da inflação ocorrida no período, o absurdo não se restringiu a este fato.

Para providenciar fundos para compensar a perda de R$1,8 bilhão, ocasionada pela “correção” da Tabela do IR,o governo inicialmente propôs que a restituição do imposto de renda fosse parcelada em vários anos, mas a indignação da população foi tamanha que rapidamente o governo arquivou esta sugestão e levantou outra: o aumento da CMPF, que também não encontrou nenhuma receptividade, visto que, se a população brasileira já não concorda com a própria existência da CPMF, que dirá do aumento da mesma. Por fim, o governo aumentou a Contribuição Social sobre o Lucro das empresas prestadoras de serviço que recolhem sobre lucro presumido, ou seja,empresas de pequeno e médio porte, sem, contudo, conseguir os recursos necessários para suprir as “perdas” provenientes da correção da tabela do Imposto de Renda, restando um buraco de R$1,7 bilhão ainda a ser coberto.

Sem saída, o governo jogou a “batata quente” nas mãos do Congresso Nacional, argumentando que, como a Lei de Responsabilidade Fiscal não permite que se tenha despesa sem a correspondente receita, caberia a este encontrar a fonte de custeio para compensar as perdas provocadas pela “correção” da Tabela do IR.

Seria de todo coerente a argumentação de que a perda de receitas deveria ser compensada por meio de incremento em outra frente se não fosse o fato de a arrecadação tributária ter atingido, em 2001, 34,02% do PIB, ou seja, de toda a riqueza produzida no Brasil, durante o ano de 2001, mais de um terço foi destinada aos cofres do governo,patamar superior ao da grande maioria dos países de primeiro mundo.

Não se pretende defender aqui o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo porque ela não determina que a “renúncia” de uma receita seja necessariamente compensada com o incremento de outra, pois, em conformidade com o art. 14, I, desta norma, o caminho natural a ser adotado para compensar a perda de receitas é a redução de despesas.

No conflito entre a rejeição da população a aumento de impostos e a ojeriza do governo em relação a redução de despesas, prevaleceu o interesse da sociedade e o governo foi obrigado a proceder a cortes no orçamento, na primeira iniciativa correlata na recente democracia brasileira pós-ditadura, posto que todas as demais vezes em que o governo “apertou o cinto”, o fez em virtude de acordo com instituições internacionais (FMI e cia.).

Contudo, como sempre há os que reclamam por qualquer coisa que aconteça, algumas vozes se ergueram para defender que cortes no orçamento seriam no mínimo um absurdo, posto que implicariam em menores investimentos em educação, saúde e segurança pública,dentre outros. Mas não se pode analisar a realidade tributária do Brasil fora da sua realidade econômica.

Para exemplificar, vamos partir da suposição de que o investimento governamental necessário para manter-se uma adequada prestação de serviços públicos (incluindo-se saúde, educação e segurança pública) seja da ordem de U$5.000,00 anuais per capita. Em um país no qual a renda anual per capita seja da ordem de U$20.000,00, isto resultaria em uma carga tributária ideal de 25% sobre o PIB. No Brasil, como a renda per capita gira ao redor dos U$5.000,00, dotar o governo de todos os recursos necessários para que este possa realizar uma adequada prestação de serviços públicos implicaria em uma carga tributária de 100%.

Portanto, na realidade econômica brasileira tem-se sempre o dilema entre a necessidade do governo de muitos recursos para poder cumprir satisfatoriamente o seu papel e a incapacidade da sociedade em prover o governo de todos estes recursos.

Esta situação não é insolúvel,como a primeira vista pode parecer. A saída que deve estar sempre sendo buscada é o ponto de equilíbrio, ou seja, um patamar de arrecadação que proporcione ao governo o maior patamar de recursos disponíveis e, ao mesmo tempo, esteja dentro do limite econômica e socialmente suportável.

Devemos objetivar o crescimento da economia brasileira para que possamos alcançar o patamar no qual os recursos necessários pelo governo encontrem-se dentro do suportável pela sociedade. Todavia, enquanto não atingido este ponto de equilíbrio, toda vez que o governo ultrapassa a linha imaginária do limite suportável, sobrecarrega de tal maneira a sociedade que acaba por impedir o desejável crescimento econômico.

Provavelmente, o que levou o governo a ceder em relação ao seu intuito inicial de buscar mais receitas e o forçou a cortes no orçamento foi a consciência de ter ultrapassado esta linha imaginária, caso contrário, o que explicaria que o Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, no ano passado, ao ser entrevistado sobre a carga tributária, tenha respondido: “Acho que nós fomos longe demais”?

* Dênerson Dias Rosa

Ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda de Goiás, é sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária

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