A evolução da humanidade dependeu e depende única e exclusivamente da proteção de um direito: o direito autoral. É importante ressaltar que falar em direito autoral está muito além da questão da propriedade, que é meramente atribuição jurídica de estado a um bem associado a uma pessoa física ou jurídica. A capacidade inventiva do homem deve ser remunerada. Criar algo novo, que agrega valor ao todo social, seja na música, na literatura, na ciência, na arte, no conhecimento, no comércio, na pesquisa, tem um valor de sobrevivência, de continuidade evolutiva que deve ser retribuída e reconhecida. O mérito de aplicar o tempo, que é o bem mais valioso que se tem, junto ao risco e ao acaso incerto, que resulta, após muitas frustrações, em uma conquista coletiva, tem de ser valorizado sob pena de estarmos regredindo séculos nos valores sociais que foram normatizados e se tornaram leis aplicáveis, quer no mundo real, quer no mundo virtual, ou em qualquer mundo, tecnológico ou não, que envolva relações interdependentes humanas.
O conhecimento do mundo na época das expedições de Marco Polo só era possível de ser transmitido oralmente, de pessoa para pessoa, após percorrer distâncias impossíveis, deixado a própria sorte. A tecnologia evoluiu para permitir que esse conhecimento fosse democratizado, desde o advento da escrita, depois do tipo que permitiu a imprensa, os livros, o telégrafo, o telefone, a máquina de xerox, o scanner, a videoconferência, a Internet, o e-learning. O mesmo com a música que passou do “ao vivo” para o rádio, para o vinil, para a fita cassete, para o CD, para o MP3. Assim como a imagem que passou da pintura, do desenho, da fotografia, da filmagem, da digitalização da imagem ao MPEG. Nenhuma dessas evoluções em nenhum momento retirou o direito do autor: muito pelo contrário, contribuiu para a disseminação de sua obra, para que todos os seus admiradores, seguidores, aprendizes pudessem tirar proveito sem ter de depender das dimensões de espaço e tempo. Tornamos imortal a invenção humana através da tecnologia, e muitas obras serão mais vivas e mais atuais do que nós em qualquer tempo que estejamos.
É claro que muito tempo passou até o Direito adotar o entendimento de que um bem imaterial merecia proteção legal, patente, royalties. Se o zero foi invenção dos chineses ou contribuição dos gregos, dos romanos, o que seja, nunca teremos certeza, não havia direito autoral naquela época. Evoluímos, e não é agora, em plena era digital, que vamos regredir. A dificuldade atual é que o feitiço virou contra o feiticeiro. O que foi feito para democratizar o acesso à obra tornou-se seu inimigo, uma vez que essa facilidade permitiu também a cópia descontrolada, o uso inadequado, a dilapidação de um patrimônio que não tem preço. A descrença no direito autoral está criando uma geração de copiadores e destruindo nossa capacidade inventiva, original. Por que criar algo novo se é melhor esperar que alguém crie para copiar? Não podemos esquecer que o direito autoral não é eterno, as obras tornam-se de domínio público, quando então, todos podem utilizá-la, mas a reserva legal de tempo, atribuída à descoberta é para incentivá-la, e isso não podemos deixar de preservar. No caso autoral, é de 70 anos; exclusivamente para software, é de 50 anos. Esta reserva é benéfica para o bem coletivo e não individual.
A Internet exige o pensamento de novos modelos de negócio e de exploração e remuneração do Direito Autoral. A tecnologia é o problema, mas é também a solução, uma vez que é possível proteger digitalmente por códigos de programação tudo o que está na Internet, por exemplo, rastrear uma foto não autorizada e exigir a retirada dela do ar e sua indenização. É claro que não se pode também fazer uma caça às bruxas, já que há o direito de fair use, que garante o uso de uma obra desde que não seja para fins comerciais, sendo informativo, deve-se mencionar o autor, e no caso da Web colocar um link para a obra original. Desse modo, cria-se uma rede de divulgação e visibilidade que está amarrada na obra verdadeira, que deve ser autorizada e creditada para tanto. Ao invés de ir contra a disseminação da imagem, o ideal é tirar proveito disso, estabelecer uma parceira de venda num modelo ganha-ganha. Isso, em se tratando do uso adequado; se o uso for inadequado, como o pornográfico, então entramos na seara criminal, e esta área já não diz respeito ao direito autoral, mas sim à proteção contra o crime, cabendo às instituições governamentais as devidas providências.
É possível a união de todos os artistas, inventores, escritores, para criação de um portal de informação que divulgue as URL e endereços daqueles que não respeitam o direito autoral. O uso da Internet para expor esse tipo de comportamento ilegal é a melhor saída. Há outras, como um processo legal, que se inicia com uma advertência para tirar do ar a obra desautorizada, dado certo cumprimento que, quando esgotado, enseja um processo civil de indenização. É possível ter o apoio de provedores, dos sites de criação e hospedagem de homepages (principalmente as gratuitas), para tirar do ar uma página que está infringindo um direito autoral. A correção dessa distorção, como visto, pode e deve ser feita pelos próprios players de mercado, de modo que possamos continuar evoluindo. Podem ser criadas versões livres e versões originais. As livres são, por exemplo, para uso de MP3 e não têm a mesma qualidade das originais. Assim, atende-se aos dois públicos: o que pode pagar e o que hoje não pode pagar mas pode tornar-se um fã fiel no futuro. Afinal, todos nós queremos ser alguém na vida.
No Brasil, a situação é regida pela Lei de Direitos Autorais – Lei n. 9.610/98 – e pelo artigo 5º, XXVII e XXVIII, da Constituição Federal de 1988; a proteção para software de computador é dada pela Lei n. 9.609/98. Há ainda a Lei de Propriedade Industrial – Lei n. 9.279/96. Todas vigentes, válidas e eficazes no mundo real e virtual. A solução pode ser feita via judicial ou via arbitragem em que se elege um árbitro comum entre as partes. Mas, como muitos domínios ficam nos EUA, é recomendável que seja criado um Tribunal para causas de e-Commerce, Consumo, Direito Autoral, a julgar o que ocorre no mundo Web. Assim como, devido às navegações e ao fluxo de mercadorias entre os quatro oceanos, foram criadas Câmaras de Comércio e a própria Lex Mercatoria. Precisamos criar a Lex Mercatoria Digital, que determina padrões de comportamento na Internet que, infringidos, penitencia o infrator à exclusão do meio, ao isolamento.
* Patrícia Peck
Advogada, especialista em Direito de Internet e Telecomunicações e estragista de comunicação. Responsável pelo planejamento estratégico da Y&R 2.1, do Grupo Young&Rubicam/ WPP. Autora da obra Direito digital, pela Saraiva.