por Raul Haidar
A Secretaria da Fazenda de alguns estados, inclusive São Paulo, vem aplicando “regimes especiais” a contribuintes do ICMS que sejam considerados inadimplentes em suas obrigações tributárias. Através desses regimes, livros e documentos fiscais do contribuinte são apreendidos e a circulação de mercadorias só é autorizada após ter o contribuinte efetuado o recolhimento do tributo, apresentando a respectiva guia ao Fisco. Talonários de notas fiscais, uma vez apreendidos, recebem um carimbo, aplicado pelo Fisco, informando que aquele documento só terá validade se acompanhado da respectiva guia de recolhimento ou se previamente visado pela autoridade.
Esse regime, segundo o Fisco, teria amparo no artigo 553 do atual Regulamento do ICMS paulista (decreto 33.118/91), cuja base legal seria o artigo 71 da lei estadual nº 6.374/89. Esse dispositivo legal tem a seguinte redação:
“Art. 71 – Em casos especiais e com o objetivo de facilitar ou de compelir a observância da legislação tributária, as autoridades que o regulamento designar podem determinar, a requerimento do interessado ou de ofício, a adoção de regime especial para o cumprimento de obrigações fiscais.”
Essa aparência de legalidade, contudo, esbarra em ampla posição jurisprudencial, que entende que o contribuinte, mesmo que esteja em débito, não pode sofrer tais sanções. Vejam-se, a propósito, as Súmulas 70 e 547 do Supremo Tribunal Federal:
Súmula 70 – “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”.
Súmula 547 – “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
Essas súmulas baseiam-se em farta, mansa e pacífica jurisprudência, podendo ser citadas as seguintes decisões:
RE 63.045-SP , in RTJ 44/442 – Sanção Fiscal – Não é lícito à Administração impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte, para compelí-lo ao pagamento de débito.”
“RE 64.054, in RTJ 44/776 – “A Fazenda Pública deve cobrar seus créditos pelo executivo fiscal, sem bloquear nem impedir , direta ou indiretamente, com invocação daqueles diplomas da ditadura, a atividade profissional do contribuinte.”
“RE 57.235, in RTJ 33/99 – “Não se permite à autoridade o bloqueio ou a suspensão das atividades profissionais do contribuinte faltoso.”
“RE 60.654 in RTJ 45/629 – “Sanção Fiscal – Interpretação do DL nº 5, de 1937, que vedava aos contribuintes o exercício de suas atividades mercantis, por estarem em débito para com a Fazenda Nacional. Revogação, em face do artigo 150 § 4º da Constituição Federal.”
Não se pode afirmar, com seriedade, que a aplicação dos chamados “regimes especiais” não implique interdição ou proibição de funcionar, já que o contribuinte pode continuar funcionando desde que pague o imposto antes das saídas das mercadorias. Ora, o funcionamento normal da empresa ocorre com o pagamento do tributo mediante lançamento nos livros fiscais e não através de guias especiais previamente visadas pelo Fisco. E, para o recolhimento, que é operação diferente do pagamento, há um prazo que se concede ao contribuinte, consoante a classificação fiscal de suas atividades.
A inobservância dos prazos de pagamento, com o fisco a exigir o pagamento antecipado, pode, perfeitamente, significar a morte econômica de uma empresa, pois não é usual, nas atividades comerciais, que os pagamentos sejam feitos antecipadamente. O contribuinte, normalmente, só recebe as importâncias correspondentes às vendas que faz (quando recebe) após a entrega das mercadorias e, usualmente, mediante a emissão de duplicatas vencíveis em determinados prazos.. A antecipação do imposto, nesses casos, é um sacrifício econômico, uma sanção administrativa não prevista na lei como passível de ser cumulada com as demais sanções aplicáveis aos casos de recolhimento fora dos prazos legais.
A punição em excesso, longe de corrigir ou punir o faltoso, leva-o à ruína, à total impossibilidade de recompor-se, de emendar-se. Se o Estado não dispõe de meios adequados para a fiscalização dos seus tributos, se o Estado não é capaz de dinamizar a máquina arrecadadora, de tal forma que a execução fiscal e mesmo os processos administrativos se arrastam longo tempo nas repartições, criem-se tais meios, reforme-se a emperrada máquina burocrática, promovam-se campanhas de incentivo à regularização (com anistias, parcelamentos, etc.), mas não fique ele, Estado, autorizado a lançar mão de meios coercitivos, injustos e ilegais, por não propiciarem defesa aos acusados, para poder arrecadar tributos que entenda devidos.
Assim, os que forem enquadrados nos regimes especiais “ex officio”, por possuírem direito líquido e certo de discutir na esfera judicial seus direitos e ainda o direito de continuar operando , mesmo quando possuam débitos, podem ingressar em Juízo com Mandado de Segurança para que tais regimes sejam suspensos, por representarem autêntica interdição de estabelecimento, contrariando as súmulas já mencionadas. Inúmeras empresas já obtiveram proteção judicial contra tais regimes, havendo até pareceres favoráveis aos contribuintes, do próprio Ministério Público, além das diversas sentenças, confirmadas nas instâncias superiores.
Revista Consultor Jurídico