A investigação criminal pelo Ministério Público

José Ribamar Sanches Prazeres

Com o escopo de introduzir a discussão do tema em epígrafe, partamos de um exemplo bastante singelo : se, por um acaso, houvesse determinado empresário que, sem a mínima preocupação ou até por completo descaso, não acompanhasse todas as etapas de produção do seu produto, e embora tendo ciência dos baixos índices, assim mesmo contenta-se com a ineficiência, deixando de exercer devidamente o controle, com certeza absoluta haveria de se concluir que esse empresário estaria correndo grande risco em incidir na falência dos seus negócios.

Agora, transportemos essa esteira pensamental, para a atividade processual penal, e acreditando existir, hipoteticamente, um promotor de justiça que descuida da produção das provas e dos elementos de indícios, relegando-os com total exclusividade à polícia, poder-se-ia, lamentavelmente, incidir no mesmo erro do empresário já observado acima, quiçá com conseqüências muito mais danosa para a sociedade, cuja repercussão contribuirá no descrédito maior da justiça, com respingo seguramente ao Ministério Público.

Ora, se é certo que alguns criticam, de maneira açodada, a possibilidade de conferir às promotorias a plena atividade de investigação dos delitos, é também certo, por outro lado, que esta situação vêm, paulatinamente, sofrendo profundas modificações, e hoje já é oposta, não faltando posições seguras, quer no âmbito doutrinário, quer, principalmente, na jurisprudência recente dos Tribunais Superiores, no sentido de que não há qualquer empecilho de natureza legal ou constitucional inviabilizando investigações criminais efetuadas por promotores, na consecução de melhor fundamentar a postulação penal perante o Poder Judiciário.

Colhe-se, a propósito, exemplo contundente observado nos diversos julgamentos realizados pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em virtude da clareza solar de suas conclusões impõe-se trazer a lume, para ratificar definitivamente esse posicionamento, embora haja ainda alguns incrédulos persistindo contrariamente, senão vejamos apenas uma ementa, face a exiguidade de espaço:

“Habeas Corpus” Substitutivo de Recurso Ordinário. Trancamento de Ação Penal. Atos Investigatórios Realizados pelo Ministério Público. Validade. Ordem Denegada.

I .São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos para instituir seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimento de denúncia.

II .Ordem que se denega.”

(Relator Ministro GILSON DIPP, Superior Tribunal de Justiça – STJ, Quinta Turma – T5, HC 7445/RJ, Habeas Corpus, DJ, data : 01.02.1999; PG:00218).

Caso não seja suficiente o julgado supra, ainda é de bom alvitre deixar registrado que nos países da Europa Ocidental, sem nenhuma exceção, confere-se de modo explícito(para eliminar as tergiversações ou tertúlias jurídicas) ao Ministério Público a atribuição, ampla e genérica, de coleta das provas e indícios de todo e qualquer delito perpetrado, pois não se concebe que exista outro órgão com maior respaldo popular e interesse no combate a criminalidade.

Aliás, sobre combate a criminalidade vale ressaltar que em recentes pesquisas, mormente em São Paulo , Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul revelaram a ineficiência da Polícia Civil, para desvendar a maioria dos casos que lhe são encaminhados, chegando mesmo em alguns distritos policiais (in casu RJ) atingirem índices nulos de apuração, ao passo que a própria sociedade se sente muita mais segura quando há participação nas apurações de um Promotor de Justiça…

Destarte, o eminente e saudoso JEREMIAS BETHAN, com sapiência peculiar afirmava que “a arte do processo não é senão a arte de administrar as provas”, revelando nessa assertiva a incomensurável importância de uma perfeita colheita das provas e dos indícios , mormente quando escoimada de toda e qualquer mácula (provas obtidas por meios ilícitos, atualmente rechaçada pela Constituição Federal de 88), pois pairam no processo penal interesses maiores da sociedade como o “jus libertatis”, o “jus puniendi” e o “jus persequndi in juditio”, consistindo em última análise na busca da verdade real, e, não apenas de um culpado qualquer, a fim de desvencilhar-se do ônus de uma investigação mais acurada e profícua.

É inegável que todas as etapas do processo são importantes, mas, também, inegável é de que a obtenção dos elementos probatórios podem ser decisivo para “gerar o estado de expectativa de uma sentença favorável, pois deve geralmente a parte interessada realizar com êxito um ato processual”, posto que “ao contrário , as perspectiva de uma sentença desfavorável dependem sempre da omissão do ato processual da parte interessada”, conforme escorreita lição do magistério de J. Goldshmidt, acompanhada por todos os grandes processualistas pátrios e alienígenas.

Tal raciocínio muito mais válido para a fase de investigação do delito, a conhecida fase pré-processual, na qual encontra-se a base, o alicerce, o fundamento, os primeiros contatos com o fato delituoso, que servirá para o Ministério Público supedanear o seu pleito punitivo junto ao Poder Judiciário, sob pena de não exercer com absoluta plenitude o “jus persequendi in judicio”, fazendo letra morta comando constitucional.

Mesmo diante da tímida previsão contida no art. 47 do Código de Processo Penal, tenho, particularmente, que não há como se negar, na visão sistêmica (aliás a mais coerente) da ordem jurídica brasileira , que já se atribui à Promotoria a atribuição de investigação dos delitos, inexistindo qualquer monopólio dessa atribuição a outros órgãos, como pensam erroneamente alguns detentores de verdades absolutas.

Com apenas uma leitura e simples atenção ao comando legal contido no art. 26, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, segundo o qual “no exercício de suas funções, o Ministério Público poderá (..) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los”, haverá de se concluir, sem qualquer dúvida, pela possibilidade de realizações de investigações criminais por parte do MP.

Inegável, portanto, que as promotorias podem requisitar (lembremos que requisitar é ordenar) as diligências investigatórias, e, ainda ,acompanhá-las, sendo esta devendo ser entendida como orientação, delimitação, inspeção e até mesmo correição, isto é, dirigir, controlar e comandar, pois a atuação direta do promotor é fundamental na produção probatória, mormente dos casos mais graves (homicídios, tráficos, estupros, corrupção, latrocínio, extorsão mediante seqüestro etc.) e com maior repercussão na sociedade, permitindo-se à polícia os mais leves em que a ordem pública haja sido pouco abalada.

É imprescindível a construção de um sólido processo, desde a fase pré-processual, mediante uma investigação extremamente enxuta e objetiva, cujos atos escoimados de vícios possam representar a credibilidade e a possibilidade futura de se obter a condenação do infrator da ordem jurídica, impedindo, dessa forma, a crescente impunidade face a insuficiência de uma investigação eficiente, tanto no aspecto da forma, quanto ao fato que se busca provar.

Por fim, não se pode olvidar a premente e constante necessidade do Ministério Público em proteger o inquérito policial contra as violações dos direitos individuais, cujo controle temos que reconhecer não tem ocorrido de forma efetiva e eficaz, façamos nossa “mea culpa” , basta apenas lembrarmos da mídia, em cujas denúncias diárias revelam ,lamentavelmente, o vigente desrespeito aos mais comezinhos princípios garantidos constitucionalmente aos indiciados em inquéritos pelas autoridades policiais.

É, pois, nesse sentido, que entendemos ser necessário e imprescindível que as Promotorias realizem, com maior segurança e sob sua direção, as investigações criminais, cuja concepção busca muito mais uma Justiça célere, eficiente e com credibilidade perante toda sociedade, o que somente ocorrerá quando houver chance de se formar um processo penal pautado na qualidade, inclusive sob o prisma de impedir que ele se torne fator de constrangimento na vida social do imputado. E isto, com certeza, só ocorrerá com a conscientização da própria comunidade jurídica brasileira, ou seja, os operadores do direito (advogados, professores, delegados de polícia, magistrados e promotores de justiça), o que nos parece, mesmo após mais de dez (10) anos da promulgação da Magna Carta de 1988, que mudou profundamente o perfil do Ministério Público, começa a dar seus sinais e incomodar as estruturas corporativistas em nosso País.

José Ribamar Sanches Prazeres. Promotor de Justiça, Titular da 15ª Promotoria Cível da Capital; Ex – Professor de Processo Penal e de Direito Constitucional do CEUMA; Assessor da Corregedoria Geral do Ministério Público; e Professor de Direito Constitucional da Escola Superior do Ministério Público(ESPMP).

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