A recente lei nº 10.792/03 prevê alterações na Lei de Execuções Penais (LEP) e no Código de Processo Penal (CPP), em relação ao CPP estabelece modificações no interrogatório. Dentre elas algumas já estavam cristalizadas pela doutrina e jurisprudência, outras eram defendidas por uma parcela minoritária dos estudiosos do direito.
Nas próximas linhas pretendemos oferecer uma breve análise sobre as principais alterações proporcionadas pela lei nº 10.792/03.
1- Presença do defensor
Conforme o artigo 185 caput, o acusado “será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”. Com essa alteração houve uma implementação do princípio da ampla defesa, pois ao tornar obrigatória a presença do defensor evita-se muitos abusos que podiam ser cometidos contra os réus.
2- Interrogatório no estabelecimento prisional
Foi acrescentado o § 1o no artigo 185 que possibilita o interrogatório do acusado preso dentro do estabelecimento prisional que se encontre recolhido caso cumpra as condições de segurança necessárias para a realização do ato.
A finalidade desse parágrafo é evitar fugas e gastos excessivos na condução de presos perigosos até o local onde seria interrogado. A prática tem demonstrado que em muitos casos é mais vantajoso que o juiz se desloque até o estabelecimento prisional do que todo um aparato de escolta seja deslocado junto ao preso até o Fórum.
3- Entrevista prévia com defensor
O artigo 185, § 2o, determina que “antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor”.
Esse direito é assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), contudo, era desrespeitado por muitos. Com essa alteração tal direito tornou-se expresso no CPP.
4- Direito de permanecer em silêncio
O revogado artigo 186 do CPP previa que o réu não estava “obrigado a responder às perguntas que lhe fossem formuladas”, porém, o seu silêncio podia ser interpretado em prejuízo da defesa.
O novo artigo 186 garante que o silêncio “não importará em confissão” nem “poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. Essa disposição serviu para deixar expresso no Código de Processo Penal uma garantia que já era prevista na Constituição Federal (art. 5o, inc. LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”) e respeitada pela doutrina e jurisprudência que asseguram o denominado “silêncio constitucional”, que impossibilita a interpretação do silêncio em prejuízo da defesa.
O revogado artigo 191 dispunha a necessidade de consignar as perguntas que o réu deixar de responder e as razões que invocar para não faze-lo. Essa disposição foi suprimida do CPP com a mesma finalidade da alteração no artigo 186 porque se o réu tem direito de permanecer calado, com certeza seria contraditório se ele tivesse que apresentar as razões do silêncio.
5- Participação das partes no interrogatório
O revogado artigo 187 previa que o defensor do acusado não poderia “intervir ou influir, de qualquer modo, nas perguntas e nas respostas”, ou seja, o interrogatório era um ato privativo do juiz, sendo que era possível a defesa e a acusação unicamente assistir o ato sem nenhuma participação efetiva. Essa previsão legal era reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, apesar de alguns doutrinadores entenderem que representava uma lesão ao princípio do contraditório que deveria nortear também o interrogatório.
O novo artigo 188 passou a admitir uma participação mais efetiva das partes ao determinar que “após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante”. Em razão disso, a partir da nova lei as partes podem influenciar nas perguntas, apontando elementos fáticos que serão esclarecidos por intermédio das perguntas apresentadas pelo juiz.
Contudo, como asseverou RENATO FLÁVIO MARCÃO1 em artigo sobre o tema, “é bem verdade que não se deve entender que a Lei autoriza às partes “intervir ou influir” diretamente nas perguntas feitas pelo juiz ou nas respostas apresentadas pelo acusado, de forma a procurar mudar uma ou outra. Também não se autorizou a formulação de perguntas pelas partes ao acusado”.
Segundo o autor, “o que está autorizada legalmente, no momento indicado e na forma evidente, é a indicação de fato a ser esclarecido, decorrendo de tal indicação a possibilidade de nova formulação de perguntas ao acusado, sempre pelo magistrado que presidir o ato”.
6- Revogação da exigência de curador
Com o advento do novo Código Civil a maioridade civil diminuiu de 21 para 18 anos, em razão disso diversos doutrinadores passaram a defender que o artigo 194 foi revogado tacitamente.
Conforme o entendimento da Mesa de Ciências Criminais, organizada pelo professor DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS2 “como o menor de 21 anos e maior de 18 não é mais relativamente incapaz podendo exercer todos os atos da vida civil, desapareceram a necessidade de curador e a figura de seu representante legal”.
Essa discussão foi resolvida com a edição da lei nº 10.792/03, pois além de revogar expressamente o artigo 194 que determinava a presença do curador nas hipóteses de interrogatório do acusado menor (maior de 18 e menor de 21), exige a presença de advogado no ato tornando a presença do curador desnecessária.
7- Solicitação de novo interrogatório pelas partes
O novo artigo 196 admite a possibilidade das partes solicitarem fundamentadamente um novo interrogatório, cabendo ao juiz o deferimento do pedido. Antes da alteração o CPP previa o novo interrogatório de ofício pelo juiz e não a pedido das partes.
Pelo exposto, podemos concluir que as alterações proporcionadas pela lei nº 10.792/03 são extremamente benéficas tendo em vista que ao mesmo tempo em que pacificam questões até então controvertidas, oferecem também mais garantias à defesa, pois representam um fortalecimento dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Notas:
1 MARCÃO, Renato Flávio. Interrogatório: primeiras impressões sobre as novas regras ditadas pela Lei nº 10.792/2003 . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 163, 16 dez. 2003. Disponível em:
2 JESUS, Damásio de. Mesa de Ciências Criminais – A nova maioridade civil: reflexos penais e processuais penais. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev. 2003. Disponível em: www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm.
* Higor Vinicius Nogueira Jorge
Delegado de Polícia