Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas jurídicas

Reinaldo de Souza Couto Filho
advogado da União, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia, professor de Direito Constitucional

Sumário: 1- Introdução; 2- Conceitos; 3- As consequências da tripartição dos poderes; 4- A validade, a vigência e a eficácia da norma jurídica sob o manto do positivismo; Notas; Referências bibliográficas.

1-INTRODUÇÃO

A qualidade de qualquer estudo realizado no âmbito das ciências humanas depende basicamente da exata formulação dos conceitos que serão utilizados como premissas zetéticas. Apesar da dogmática conceitual representar um valioso ponto de partida, o estudioso não pode aceitar a verdade imposta como imutável, mas também não pode negar a absoluta necessidade de um corte inicial no sistema. Assim, até os dogmas possuem o seu valor, ainda que, após o estudo, o pesquisador conclua que as suas premissas são totalmente diferentes dos conceitos iniciais.

Não há, nas ciências sociais, qualquer possibilidade de um estudo hermeticamente cerrado, ou seja, até para que se estabeleça uma discussão baseada em afirmação e justificação, deverão estar presentes as influências do meio.

Assim, a adoção de uma ou outra teoria depende apenas da capacidade de compreensão e justificação do agente. No presente estudo, o autor adotará a teoria do positivismo analítico, mas isso não significa que tal teoria seja melhor ou pior do que as suas opositoras, inclusive a teoria do realismo; significa apenas que o autor do presente estudo, com base na clara adoção do sistema positivo pelo Direito nacional, compreende e justifica, de certa forma, a facção adotada. Ressalte-se, porém, que diversos aspectos da teoria oriunda dos países de língua inglesa serão expostos durante a abordagem do presente tema.

As críticas a uma determinada teoria, forma de expressão ou busca da “verdade” não podem prescindir do conhecimento profundo e sistemático do alvo da discórdia. O agente de uma desconstrução deve conhecer todos os “tijolos” e a estrutura do que será atacado. Assim, de qualquer forma, sempre haverá, como já foi dito, um corte vestibular, que terá para o contestador feições de dogma, a fim de que o discurso contrário seja bem sucedido.

No presente estudo, serão retirados alguns “tijolos” da teoria realista, observando-se que o ponto de comparação será o ordenamento jurídico nacional, vez que em outros ordenamentos a citada teoria pode mostrar-se irrefutável.

2-CONCEITOS

A afirmação do jurista Diego Martin Farrell, no seu livro “Hacia un criterio empírico de validez”, ilustra a elasticidade dos conceitos, pois o citado autor toma como ponto básico do conceito de validade de uma proposição jurídica “o critério adotado pelo jurista”, o que não se aplica ao ordenamento nacional, pois, no Brasil, a doutrina não é considerada fonte do Direito, mas apenas uma forma de interpretação. Eis os seus dizeres:

“Las normas jurídicas se consideran válidas cuando concuerdan con el criterio adoptado por el jurista. Puede decirse, entonces, que la validez no es una propiedad de las normas, sino una relación entre la norma y el criterio elegido: cuando la norma se ajusta al criterio se la considera válida”.

No ordenamento jurídico nacional, a validade de uma norma jurídica depende do critério adotado pelo titular do Poder Constituinte, seja originário ou derivado, não pelo jurista que representa apenas um agente interpretador dos critérios de validade adotados pela norma jurídica, sem qualquer poder real de criação do Direito. Os que têm uma visão do Direito como linguagem afirmam que o jurista tem um papel fundamental no preenchimento do conteúdo semântico de uma norma, mas, ainda assim, o mesmo não tem o poder de criar, pois ninguém nega que o Direito, hodiernamente, se origina basicamente do Estado.

A validade da norma jurídica pode ser vista como o vínculo estabelecido entre a proposição jurídica, considerada na sua totalidade lógico-sintática e o sistema de Direito posto, de modo que ela é válida se pertencer ao sistema, mas para pertencer a tal sistema dois aspectos devem ser observados: a adequação aos processos anteriormente estabelecidos para a criação da proposição jurídica (exceto no caso da recepção pela Constituição) e a competência constitucional do órgão criador. Por isso, o jurista não tem o condão de criar uma norma jurídica válida.

Outro aspecto do modelo Kelseniano de aferição de validade de uma proposição jurídica é a dedutibilidade. Assim, oportuna se faz a invocação de alguns aspectos da dinâmica jurídica, vez que a dedução acontece quando o sistema atesta a validade de uma proposição jurídica quando aquela é conseqüência lógica das normas hierarquicamente superiores. Tal método tem sempre como parâmetro final de validade a norma fundamental hipotética ou, nas palavras do jurista Hebert L. A. Hart, a regra de reconhecimento.

Assim, para o professor Paulo de Barros Carvalho, a validade é uma relação de pertinência da proposição jurídica com o sistema, sendo que de tal afirmação podem ser deduzidos dois aspectos já tratados, a dedutibilidade extraída da dinâmica jurídica e a conformidade com os processos e órgãos estabelecidos pela Norma Maior.

A corrente magistral do positivismo analítico, muito bem defendida pelo italiano Norberto Bobbio, ilustra que a validade de uma norma prescinde do fato da mesma ser ou não efetivamente aplicada na sociedade, vez que na definição de um Direito posto pelo Estado, atualmente tido como legítimo, não se induz o elemento eficácia.

Observe-se que o presente trabalho deve abstrair as outras ciências da análise do seu objeto e observar apenas a Teoria Geral do Direito, prescindindo, assim, da Sociologia jurídica. Apesar da teoria realista mesclar o estudo do Direito com o estudo da citada matéria.

A validade não se confunde com a vigência, posto que pode haver uma norma jurídica válida sem que esteja vigente, isso ocorre claramente quando se vislumbra a vacatio legis(1) ou quando o dispositivo legal é revogado, embora continue vinculante para os casos pretéritos.

A vigência representa a característica de obrigatoriedade da observância de uma determinada norma, ou seja, é uma qualidade da norma que permite a sua incidência no meio social.

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro trata da vigência da lei, estabelecendo de forma pragmática os critérios que determinam o início da vigência. Afirma que, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o território nacional quarenta e cinco dias após a sua publicação. Observe-se que, nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.

A maioria das leis, porém, traz em seu texto a data em que passará a viger. Em geral, o início da sua vigência coincide com a data da sua publicação.

Por vezes, faz-se necessária a concessão de um período de adaptação, para que os destinatários da nova disposição legal possam conhecer e compreender o que fora disciplinado.

A norma jurídica perde a vigência quando outra a modifica ou a revoga, salvo nos casos em que a norma se destina à vigência temporária, estipulada no próprio texto legal ou em uma norma de hierarquia superior.

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro não traçava qualquer distinção entre vigência e eficácia quando afirmava que:

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingindo, entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas definitivas e a execução do ato jurídico perfeito”.

Ressalte-se que essa redação original foi alterada, em 1957, para:

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalteráveis, a arbítrio de outrem.

§3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Assim, pode-se concluir sintaticamente que a vigência está dividida em positivação e obrigatoriedade.

O ilustre professor da Universidade de Copenhague, Alf Ross, afirma, com base em sua influência realista, que um sistema de normas é vigente se for capaz de servir como um esquema interpretativo de um conjunto correspondente de ações sociais, de maneira que se torne compreensível para a sociedade esse conjunto de ações como um todo coerente de significado e motivação. Por fim, Ross afirma que tal capacidade do sistema se baseia no fato das normas jurídicas serem acatadas porque são sentidas como socialmente(2) obrigatórias.

Voltando à distinção entre validade e vigência, o professor da Universidade de Munique, Karl Larenz, afirma, mostrando que não vê inicialmente distinção entre vigência e eficácia, que:

“Se o jurista pergunta se uma lei é válida, não tem em vista se a lei é sempre observada ou o é na maioria dos casos, mas se a pretensão de validade enquanto norma lhe é conatural se encontra justificada, de acordo com os preceitos constitucionais relativos à produção legislativa das normas”.

A conceituação da eficácia da norma jurídica é o aspecto mais importante e difícil do presente trabalho, posto que, enquanto alguns afirmam que vigência e eficácia se confundem (positivistas), há outros que alegam inexistir diferença entre validade e eficácia (realistas). A maioria distingue os três institutos e alguns, como o professor Paulo de Barros Carvalho, subdividem a eficácia em: a) técnica; b) jurídica; e c) social.

As variáveis apresentadas não serão analisadas nesse item reservado apenas à conceituação, visto que cada uma das colocações acima enseja discussões doutrinárias baseadas nas teorias que serão expostas no corpo do presente ensaio. Ainda assim, será exposto um conceito sintético de eficácia jurídica que se mostra adequado à fase inicial, mesmo que tal conceito seja desconstruído ou reafirmado durante a presente exposição. Observe-se que a colocação dos conceitos nas primeiras linhas do estudo tem um caráter meramente didático, pois os mesmos somente podem ser construídos com a devida precisão após a análise da natureza jurídica do instituto jurídico pesquisado.

A eficácia de uma norma jurídica é a sua idoneidade para provocar, através da sotoposição de um fato aos fatos jurídicos descritos pela citada norma, as reações prescritas no seu conseqüente ou no ordenamento jurídico. A eficácia deriva diretamente dos efeitos da imputação normativa, partindo-se logicamente de uma relação de “dever-ser”.

3- AS COSEQUÊNCIAS DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES SOBRE O PODER LEGISLATIVO

O jurista Charles Secondat Montesquieu, na sua célebre obra O espírito das leis, que trata também da História e da Ciência Política da sua época, deixa, em apenas oito páginas, explícito que o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo devem ser exercidos por órgãos diversos.

A divisão de poderes, que foi defendida também por Aristóteles, fundamenta-se basicamente em dois elementos: a) a especialização funcional; e b) a independência orgânica.

A Constituição Federal de 1988 deixa claras as funções dos três Poderes, inclusive limitando o campo de atuação de cada Poder. A função fim atribuída ao Poder Judiciário é julgar, a função precípua do Poder Legislativo é criar normas gerais e abstratas e a função primordial do Poder Executivo é executar as leis. Logo, o órgão incumbido da criação do ordenamento jurídico nacional infraconstitucional e constitucional derivado é o Poder Legislativo, salvo quando parte dessa função é atribuída a outro Poder Constituído.

A questão da distinção entre vigência e eficácia passa pela análise das funções precípuas dos Poderes Legislativo e Judiciário, portanto é claramente uma questão Constitucional e qualquer decisão que se afaste do que fora determinado pela CF/88 é inconstitucional. Assim, o Poder Judiciário quando passa a legislar fora dos casos determinados na Lei Maior está praticando um ato inconstitucional.

Os atos fundamentais emanados do Poder Legislativo são as fontes do Direito pátrio, pois representam mandamentos gerais, vinculantes e de observância obrigatória tanto para os encarregados da aplicação do Direito, quanto para os cidadãos. Já os atos praticados pelo Poder Judiciário podem ser vistos apenas como formas de aplicação e interpretação do Direito, ressaltando-se que aos atos produzidos pelo citado Poder não vinculam as decisões posteriores tomadas pelos seus membros.

A decisão do juiz deve ser uma reprodução ajustada ao caso concreto do que fora produzido pelo legislador como Direito válido e vigente, posto que ao magistrado não deve ser deixada qualquer liberdade para o exercício da sua fantasia legislativa. Se os juízes pudessem modificar o Direito posto pelo órgão legitimado com base em critérios eqüitativos – observe-se que o subjetivismo exagerado gera contradições – os juízes de diferentes competências territoriais, mas subordinados à mesma jurisdição (a jurisdição é una e a competência é a sua medida), poderiam exarar decisões completamente diferentes em casos idênticos. Além disso, o princípio da separação dos poderes, dogma adotado pela Constituição Federal de 1988, seria negado pela presença de dois legisladores. A obrigatória observância da lei tende a garantir dois valores absolutamente importantes para o sistema jurídico nacional: 1) a segurança jurídica; e 2) a democracia.

O cidadão precisa saber de modo claro e absoluto se a sua conduta está ou não de acordo com a lei, não podendo, portanto, ficar ao livre arbítrio do juiz o que pode ou não ser aplicado como lei, visto que, além do subjetivismo já tratado e da disformidade da fonte, haveria o risco da concentração de poderes, que representa um dos meios de condução ao regime absolutista. A questão da legitimação também deve ser observada. O Poder Legislativo é o único órgão legitimado pela sociedade para, em regra, produzir as suas normas oficiais de convivência. Tal legitimação é o principal fundamento da democracia representativa adotada como pilar do Estado, onde todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. A CF/88 estabeleceu, como cláusulas pétreas, a separação dos poderes e o sufrágio universal e determinou que o Poder Legislativo deve ser exercido pelo Congresso Nacional, vide art.44, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ressalvando-se que a primeira Casa abriga os representantes eleitos do povo e a segunda Casa os representantes eleitos dos Estados e Distrito Federal.

A Constituição Federal de 1988 deixa claro que os juízes estão vinculados à lei produzida segundo os processos estabelecidos e vigentes, caso contrário estariam violando a legitimação popular outorgada aos mandatários do povo, representantes no Congresso Nacional, e o princípio constitucional da separação dos poderes.

4- A VALIDADE, A VIGÊNCIA E A EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA SOB O MANTO DO POSITIVISMO.

A teoria do positivismo jurídico é baseada em 6 aspectos, quais sejam:

a) forma coativa do Direito;

b) forma legislativa do Direito;

c) forma imperativa do Direito;

d) forma coerente do ordenamento jurídico;

e) forma completa do ordenamento jurídico;

f) interpretação mecanicista do Direito.

As críticas às três primeiras formas do Direito são inconsistentes, portanto as mesmas não foram atacadas de forma coerente e permanecem válidas na sua essência, podendo, inclusive, ser notadas até nos ordenamentos jurídicos anglo-saxônicos.

As normas de competência não denotam, por vezes, no seu próprio enunciado sintático a conseqüência gerada pela sua violação, mas tal resultado pode ser extraído do ordenamento jurídico como sistema, qual seja, a invalidade dos atos irregularmente produzidos. Se o interlocutor utilizar um conceito mais amplo do vocábulo “competência”, estendendo-o ao estágio dos Poderes Constituídos, o ato produzido com esse vício seria considerado inexistente. Assim, mesmo quando é utilizada a classificação triangular kelseniana, o legislador ao permitir, ao ordenar ou ao conferir competência, não pode esquecer o elemento coativo do Direito, que se materializa, em última análise através da força física.

Observe-se que o inverso nem sempre é verdadeiro, a coação é gênero e a força utilizada pelo Direito é uma espécie. Assim, quando os juristas afirmam que Direito é coação, há uma impertinência terminológica, visto que a coação pode ser considerada um meio ou um instrumento da realização do Direito. O próprio Hans Kelsen dá um exemplo brilhante de um caso onde há coação ilegal:

“Então, atribuímos ao comando do órgão jurídico, e já não ao salteador de estradas, o sentido objetivo de uma norma vinculadora do destinatário. Quer dizer: interpretamos o comando de um, mas não o comando do outro, como uma norma objetivamente válida. E, então, num dos casos, vemos na conexão existente entre o não acatamento do comando e um ato de coerção uma simples ´ameaça´, isto é, a afirmação de que será executado um mal, ao passo que, no outro, interpretamos essa conexão no sentido de que deve ser executado um mal. Assim, neste último caso, interpretamos a execução efetiva do mal como a aplicação ou a execução de uma norma objetivamente válida que estatui um ato de coerção; no primeiro caso, porém, interpretamo-lo – na medida em que façamos uma interpretação normativa – como um delito, referindo ao ato de coerção normas que consideramos como o sentido objetivo de certos atos que, por isso mesmo, caracterizamos como atos jurídicos”.

A forma legislativa do Direito já foi abordada em um dos capítulos anteriores, quando foram estudados a fonte máxima do Direito e o seu produtor legitimado.

As normas jurídicas representam imperativos hipotéticos e, como tais, expressam comandos com maior ou menor grau de determinação, têm um conteúdo sintático heterônomo de observância obrigatória.

As três últimas formas listadas foram duramente atacadas; entretanto, os ataques se mostraram coerentes. Um ordenamento não é necessariamente coerente, pois podem coexistir no mesmo ordenamento duas normas incompatíveis e ambas podem ser válidas, porém somente uma será aplicada. Um ordenamento não é completo, posto que a completude deriva da norma geral exclusiva, que, em regra, não existe; a interpretação mecanicista do Direito não pode ser adotada como o principal instrumento do aplicador do Direito, pois a dinâmica social não permite que o fato social com repercussões jurídicas seja reduzido a um axioma matemático.

O ilustre jurista Paulo de Barros Carvalho traça um esquema conceitual para os institutos tratados que se encaixa perfeitamente à teoria do positivismo analítico. Eis os conceitos:

“Firmemos estes conceitos: ‘validade’ é a relação de pertinencialidade de uma norma ‘n’ com o sistema jurídico ‘s’. ‘Vigência’ é atributo de norma válida (norma jurídica), consistente na prontidão de produzir os efeitos para os quais está preordenada, tão logo aconteçam os fatos nela descritos, podendo ser plena ou parcial (só para fatos passados ou só para fatos futuros, no caso de regra nova). ‘Eficácia técnica’ é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas (na terminologia da Tércio). ‘Eficácia jurídica’ é o predicado dos fatos jurídicos de desencadearem as conseqüências que o ordenamento prevê. E, por fim, a ‘eficácia social’, como a produção concreta de resultados na ordem dos fatos sociais. Os quatro primeiros são conceitos jurídicos que muito interessam à Dogmática, ao passo que o último é do campo da Sociologia, mais precisamente da Sociologia Jurídica”.

A análise da causalidade, considerando o seu procedimento interno apenas, leva a três etapas: a) a conduta; b) o nexo causal; c) o resultado, o evento, a conseqüência ou o efeito. Paulo de Barros Carvalho utilizou, nos conceitos de vigência e eficácia jurídica, os vocábulos “efeitos” e “conseqüências” e os verbos “produzir” e “desencadear”. A desconstrução analítica dos conceitos apresentados, levando-se em conta o procedimento causal, leva à conclusão de que os conceitos de vigência e eficácia jurídica expostos pelo jurista citado são muito semelhantes, diferem apenas quando é traçada a diferença entre os efeitos ou conseqüências produzidas pelo “preceito secundário” da norma jurídica (de forma contextual) e pelo ordenamento jurídico (de forma exógena).

Tal semelhança conceitual se justifica pelos seguintes aspectos: 1) o juiz está adstrito à norma jurídica, visto que a norma está posta como uma prescrição; 2) o juiz é o órgão certificador da eficácia da norma jurídica.

Nesse estágio do trabalho, se faz imperioso o retorno à questão da fonte máxima do Direito e à questão do órgão legitimado.

Em regra, o Poder Legislativo é o órgão apto para determinar o início e o término da vigência de uma norma jurídica, sendo que tais determinações encontram-se sempre normativadas, seja na mesma lei (início da vigência e fim da vigência, no caso e vigência temporária), seja em outra lei (revogação). Assim, o juiz está fadado a observar também essas determinações, que, como já foi dito, fazem parte da norma, isto é, o magistrado não pode afastar a vigência de uma norma jurídica que fora criada obedecendo aos procedimentos formais de elaboração e emanada de um órgão constituído.

Portanto, se o julgador está obrigado a aplicar as normas válidas e vigentes, os conceitos de vigência e eficácia se confundem, posto que ele jamais poderá afastar a aplicabilidade da norma jurídica.

A reiterada violação de uma norma jurídica não caracteriza a sua ineficácia, vez que tanto a sociedade, quanto o titular do direito em questão, não podem atestar a eficácia da norma. A violação gera a conseqüência descrita pela norma ou pelo ordenamento jurídico, pois a sua produção tem como escopo obrigar, permitir ou atribuir competência, estabelecendo um dever ser baseado nos valores positivados pelos legitimados. Logo, por ser uma prescrição, um imperativo hipotético, não é facultado ao cidadão o cumprimento ou não de determinada ordem. Já o titular do direito tem a faculdade de exercer ou não o seu direito, mas a sua inércia jamais poderia atestar a ineficácia de uma norma positivada.

O ilustre professor Alf Ross, apesar da sua posição realista, esclarece de forma brilhante, expondo da seguinte forma o seu ponto de vista:

“A efetividade que condiciona a vigência das normas só pode, portanto ser buscada na aplicação judicial do direito, não o podendo no direito em ação entre os indivíduos particulares. Se, por exemplo, proíbe-se o aborto criminoso, o verdadeiro teor do direito consistirá numa diretiva ao juiz segundo a qual ele deverá, sob certas condições, impor uma pena ao aborto criminoso. O fator decisivo que determina que a proibição é direito vigente é tão somente o fato de ser efetivamente aplicada pelos tribunais nos casos em que transgressões à lei são descobertas e julgadas. Não faz diferença se as pessoas acatam a proibição ou com freqüência a ignoram. Esta indiferença se traduz no aparente paradoxo segundo o qual quanto mais uma regra jurídica é acatada na vida jurídica extrajudicial, mais difícil é verificar se essa regra detém vigência, já que os tribunais têm uma oportunidade muito menor de manifestar a sua reação”.

A discussão sobre a aplicação pragmática do Direito pode, através de exemplos, ilustrar a semelhança entre vigência e eficácia jurídica. As pessoas físicas e jurídicas, além de alguns entes despersonalizados, podem ser titilares de direitos, que fundamentalmente se dividem em duas espécies, são elas: 1) Direito subjetivo, que surge de uma lesão a um direito material, ocasionando uma pretensão; e, 2) Direito potestativo, que representa um poder de sujeição, onde a vontade do titular se sobrepõe à vontade de outrem, independente da intervenção e vontade desse último e pode ser exercido judicialmente ou extrajudicialmente. Nos dois casos, o titular tem a faculdade de exigir ou fazer com que outro se sujeite, ou seja, uma titular de um Direito subjetivo pode ou não utilizar os instrumentos que lhe foram ofertados pela lei, o que vale também para o titular de um Direito potestativo. Embora, quando o titular de um direito está disposto a exercê-lo e a sujeição ou a prestação não se apresentam espontaneamente, o mesmo tem que buscar a tutela judicial, para que o magistrado constitucionalmente competente possa aplicar o Direito ao caso concreto, através das normas jurídicas postas pelo órgão idôneo. Assim, a faculdade outorgada ao titular de um direito não pode servir de parâmetro para a aferição da eficácia de uma determinada norma. Caso contrário, o controle da eficácia das normas seria executado de forma intersubjetiva, pois uns poderiam, ao exercer a sua faculdade, considerar determinada norma eficaz e outros ineficaz, o que causaria uma tensão entre a autonomia e a heteronomia (unidade) exigida pela forma de estatuto externo do ordenamento jurídico(3). O sistema que se utiliza da aferição social da eficácia tende ao anarquismo, vez que retira do Estado o poder de impor de forma absoluta o Direito, que nos regimes democráticos é posto pela própria sociedade. Isto não quer dizer que, na aplicação da lei, os valores eleitos pela sociedade sejam afastados, pois a sociedade está em constante evolução e, na maioria dos casos, não conserva de forma irrestrita os mesmos valores da época da produção da norma jurídica. Logo, a aplicação da norma deve considerar os fins sociais e o bem comum. Ressalte-se a utilização do vocábulo “aplicação”, que atesta a lei como fonte máxima do Direito.

A exigibilidade de um direito que não foi observado de forma espontânea pelo sujeito que deve prestar ou sujeitar-se gera duas conseqüências, são elas: a) a inércia do titular; ou, b) a sua ação. A inércia é um fato irrelevante para o presente trabalho, visto que, como já foi dito, não pode servir como fundamento de aferição da eficácia. A ação representa um dos melhores argumentos para a hipótese e o objetivo do presente estudo, pois o titular, ao buscar a tutela judicial, estará exercendo um direito subjetivo publico contra o Estado-juiz, que, segundo a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e a Constituição Federal de 1988, está adstrito à norma jurídica posta pelo legitimado. Assim, ao decidir, nos casos de violação e sujeição, o juiz deve inevitavelmente, sob pena de produzir um ato ilegal ou, em última instância, inconstitucional, observar a lei produzida através dos procedimentos formais constitucionais e posta por um órgão legitimado. Logo, o magistrado deve, segundo o ordenamento jurídico, aplicar indistintamente as normas vigentes, conseqüentemente, o jurista pode chegar a conclusão de que a norma jurídica eficaz é aquela aplicada pelo aferidor da eficácia e aplicador definitivo do Direito, o magistrado. Após esta argumentação, a conclusão indubitável que pode ser retirada do presente estudo e do ordenamento jurídico nacional é que vigência e eficácia são institutos conceitualmente homogêneos, sem qualquer diferença significante, seja sob o aspecto pragmático, seja sob o aspecto teórico.

NOTAS

1. Vacatio legis é o intervalo entre a data da publicação da lei e o início da sua vigência.

2. Observe-se que o vocábulo “socialmente” denota a influência da teoria realista.

3. Terminologia Kantiana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PRELIMINARES

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BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.

DWORKIN, Ronald. O império do direito; tradução Jefferson Luiz Camargo, São Paulo: Martins Fontes, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito; tradução João Baptista Machado, 6ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito; tradução José Lamego. 3ª ed., Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

MONTESQUIEU, Charles Secondat. O espírito das leis; tradução Cristina Murachco. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: parte geral. 24ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 1998.

ROSS, Alf. Direito e Justiça; tradução Leandro Mascaro, Bauru: EDIPRO, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. rev. atual., São Paulo: Malheiros, 1999.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

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