Por: Luiz Felipe Brasil Santos (*)
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O Superior Tribunal de Justiça, por sua 2ª Seção, recentemente aprovou o enunciado sumular nº 309, do seguinte teor: “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo.
A limitação da abrangência da execução coercitiva (art. 733 do CPC) às parcelas mais recentemente vencidas é construção jurisprudencial de longa data, e, embora não consagrada em lei, corresponde à necessidade de equilibrar o preponderante direito à vida por parte do credor dos alimentos com o direito à liberdade que é assegurado ao devedor. Por esse motivo somente se justifica a restrição da liberdade em função de assegurar o pronto atendimento da necessidade vital, que a sobreleva. É que, para que a opção constitucional consagrada no inc. LXVII do art. 5º da CF encontre adequada ponderação, é necessário que as parcelas alimentares, cujo inadimplemento deflagra o decreto de prisão, preservem a finalidade própria dos alimentos, que é prover as necessidades prementes de seu beneficiário, o que só ocorre com as recentemente vencidas, pois as demais adquirem um caráter de ressarcimento de despesas já efetuadas. Há, entretanto, um aspecto em que não foi feliz o enunciado 309. É quando define como executáveis sob pena de prisão as três últimas parcelas alimentares vencidas antes da data da citação (além, é claro, das que se vencerem no curso do feito). Ora, é sabido que, em execução de alimentos, é bastante comum o devedor utilizar-se de todos os meios ao seu dispor, não raro escusos, para fugir à citação. Este indeclinável ato processual, em alguns casos, chega a demorar um ano ou mais a partir do ajuizamento do feito, e não por culpa do exeqüente.
Por isso, a jurisprudência do TJRS firmou-se no sentido de que nessa modalidade de execução é cabível cobrar as três últimas parcelas vencidas à data do ajuizamento do feito, e não da citação. Nesses termos é o enunciado 23 do Centro de Estudos do TJRS : A execução de alimentos, na modalidade coercitiva (art. 733, CPC) abrange as três últimas parcelas vencidas à data do ajuizamento da ação, além de todas as que se vencerem no curso da lide (art. 290, CPC). Diga-se, por sinal, que esse mesmo parâmetro (três parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento) consta em sete dos dez precedentes indicados pelo STJ como fonte da súmula 309, a saber: Resp 57.579-SP (3ª T 12/06/95 – DJ 18/09/95), REsp 278.734-RJ (3ª T 17/10/00 – DJ 27/11/00), RHC 13.505-SP (3ª T 18/03/03 – DJ 31/03/03), RHC 9.784-SP (4ª T 04/05/00 – DJ 14/08/00), RHC 10.788-SP (4ª T 06/03/01 – DJ 02/04/01), HC 16.073-SP (4ª T 13/03/01 – DJ 07/05/01) e RHC 14.451-RS (4ª T 16/12/03 – DJ 05/04/04). A data da citação, ou do respectivo mandado, consta apenas nos demais três precedentes invocados, a saber: RHC 13.443-SP 3ª T 17/12/02 – DJ 10/03/03), HC 24.282-RS (3ª T 04/02/03 – DJ 10/03/03) e HC 23.168-SP (4ª T 11/03/03 – DJ 07/04/03). Assim, surpreende que a súmula 309 entre em rota de colisão com a maioria dos precedentes que a amparam, pois, como já foi ressaltado, a conseqüência de se adotar um ou outro entendimento repercute decisivamente sobre o montante do débito apto a ensejar o decreto prisional !
É grave a lesão ao direito do credor alimentar, na medida em que lhe é subtraída, sem que nenhuma responsabilidade a ele possa ser imputada, a possibilidade de executar de forma eficaz um expressivo número de parcelas alimentares a que tem direito, no mais das vezes exatamente aquelas que eram objeto inicial da execução. Isso porque, o entendimento sumulado opera algo processualmente inviável, qual seja : reduzir o objeto da pretensão deduzida na inicial.
Veja-se, por exemplo, que, se o credor ingressa com a execução em abril de 2005, cobrando os meses de janeiro, fevereiro e março do mesmo ano, e a citação vem a ocorrer, por manobras procrastinatórias do devedor, somente em dezembro seguinte, o pagamento das parcelas setembro, outubro e novembro elidirá a prisão, ficando afastada a possibilidade de cobrar todas as anteriores (janeiro, fevereiro e março), que eram objeto do pedido e as que se venceram entre abril e agosto, período em que a execução já estava em curso, embora sem citação do devedor! Também por isso é até contraditória a súmula 309, pois, embora afirme que as parcelas vencidas no curso da execução estão abrangidas por esta, em verdade afasta todas as parcelas que se vencerem até os últimos três meses anteriores à citação! Por tudo essas razões, tem-se a esperança de que aquele colendo tribunal possa melhor adequar o enunciado, tornando-o coerente com sua própria jurisprudência.
Descrição do Autor
desembargador do TJRS