Pós-graduação lato sensu: especialização

Eduardo Kroeff Machado Carrion
professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFRGS, diretor da Faculdade de Direito da UFRGS, mestre em Direito Constitucional e Ciência Política pela Université Paris I

Após uma relativa consolidação dos cursos de Mestrado em Direito no Brasil, uma das principais questões passa ser a expansão dos cursos de Doutorado. Como sabemos, a área jurídica, comparativamente a outras áreas acadêmicas, revela-se retardatária com respeito a ensino de pós-graduação “stricto sensu”.

O ensino de pós-graduação “lato sensu” favoreceu muitas vezes a implantação de cursos de pós-graduação “stricto sensu”. Nesse novo quadro de afirmação da pós-graduação “stricto sensu” em Direito, objetivando sua cada vez maior qualificação, qual papel pode ainda ser reservado à pós-graduação “lato sensu”, em especial aos cursos de Especialização?

Hoje, num momento de relativa consolidação dos cursos de Mestrado e de expansão dos cursos de Doutorado, têm surgido iniciativas e propostas que podem eventualmente comprometer a qualificação do sistema de pós-graduação em Direito com um todo. Razão a mais para justificar também uma reflexão sobre o ensino de pós-graduação “lato sensu”, que aliás tem merecido cada vez mais a atenção do CONPEDI.

1. Introdução

1.1 realidade complexa da pós-graduação:

a) sem mesmo referirem-se os cursos de extensão e os cursos seqüenciais, que muitas vezes complementam a formação de graduação, deparamo-nos com a existência de cursos de Aperfeiçoamento, de cursos de Especialização, de cursos de Mestrado, de cursos de Mestrado Profissionalizante, de cursos de Doutorado, podendo daí originarem-se sobreposições; deparamo-nos ainda com a existência de cursos na modalidade semi-presencial ou à distância (ver Portaria nº 228/96 do MEC) e eventualmente, no futuro, de cursos “on line”;

b) mesmo no âmbito da pós-graduação “stricto sensu”, a existência ainda de cursos interinstitucionais: curso fora de sede, em que o programa de uma instituição consolidada (instituição promotora) realiza o curso em instituição distinta (instituição receptora); curso por convênio, em que o programa de uma instituição consolidada apóia o programa de uma instituição emergente; curso por consórcio ou em parceria, em que os programas de duas ou mais instituições juntam-se para implantar o curso (ver a propósito ALMEIDA GAZOLA, Ana Lúcia: Evolução das Formas de Organização da Pós-Graduação Brasileira, s/d, p. 4).

1.2 dificuldades em discorrer sobre a pós-graduação “lato sensu”:

a) a literatura sobre a matéria sendo escassa;

b) a maior descentralização e diversidade da pós-graduação “lato sensu” tornando difícil sua sistematização;

c) “… não existindo um banco de dados completo nem um estudo da evolução histórica desse modelo (ALMEIDA GAZOLA, Ana Lúcia, op. cit., p. 7)”.

2. Breves Observações com Relação à Especialização:

2.1. Observações Preliminares:

a) rápida expansão da Especialização: segundo o Catálogo de Cursos de Especialização em Instituições de Nível Superior de 1994 da CAPES, a identificação de 2071 cursos oferecidos por 324 instituições, o levantamento seguramente não abrangendo a totalidade dos cursos;

b) inexistência ainda, ao contrário da pós-graduação “stricto sensu”, de uma política nacional quanto à Especialização.

2.2. Mudança de Perspectiva:

a) a Resolução nº 12/83 de 6 de outubro de 1983 do então Conselho Federal de Educação (CFE), que fixou as condições de validade dos certificados de cursos de aperfeiçoamento e especialização para o Magistério Superior no sistema federal, constatando a ainda “insuficiência de cursos de pós-graduação ‘stricto sensu’ no país” (art. 3º, § 2º), entendia que os cursos de especialização e aperfeiçoamente “se destinam à qualificação dos docentes para o Magistério Superior do Sistema Federal de Ensino” (art. 1º, “caput”);

b) embora a obtenção do certificado de especialista sirva ainda de incentivo funcional na carreira docente, por exemplo nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), com a expansão desde então da pós-graduação “stricto sensu”, a Especialização deixou de ser instrumento importante na qualificação docente. Essa mudança de perspectiva refletiu-se por exemplo na Resolução nº 39/97 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRGS, que regulamenta a pós-graduação “lato sensu” no seu âmbito:

“Art. 1º – A pós-graduação lato sensu na UFRGS é um sistema organizado de cursos destinados a graduados de nível superior cujo objetivo é formar profissionais altamente qualificados para atender a uma demanda específica das necessidades sociais, aprofundando os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao domínio de funções bem definidas no seu perfil profissional”.

c) mais recentemente, refletindo também essa mudança de perspectiva, a Resolução nº 3 de 5 de outubro de 1999 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), que fixou condições de validade dos certificados de cursos presenciais de especialização, revogando a Resolução nº 12/83 do CFE, ao invés de referir-se à “insuficiência de cursos de pós-graduação ‘stricto sensu’ no país”, menciona tão somente “áreas profissionais em que o número de mestres seja insuficiente para atender à exigência de qualificação prevista no caput deste artigo” (art. 3º, § 1º). Da mesma forma, ao invés de afirmar que “se destinam à qualificação dos docentes para o Magistério Superior do Sistema Federal de Ensino”, alude genericamente à possibilidade de “se tratar de curso destinado à qualificação de docentes para o magistério superior do Sistema Federal de Ensino” (art. 5º, § 1º) (*).

2.3. Observações Complementares:

a) os cursos de Especialização apresentam maior flexibilidade de estruturação, pressupondo e implicando maior autonomia por parte das Instituições de Ensino Superior (IES);

b) exatamente em conseqüência de sua maior flexibilidade de estruturação, os cursos de Especialização podem diferenciar-se entre cursos permanentes e cursos temporários (ver Resolução nº 39/97 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRGS);

c) além disso, podemos distinguir entre cursos de Especialização com vocação própria de especialização e cursos de Especialização com vocação de transformarem-se em cursos de pós-graduação “stricto sensu” ( função de nucleação da pós-graduação “stricto sensu”);

d) os cursos de Especialização em grande parte atendem as demandas mais imediatas do mercado de trabalho, expressando uma forte interação com setor produtivo ou de serviços;

e) entretanto, em decorrência da maior flexibilidade de estruturação podem representar também um espaço propício à exploração de novas temáticas na área do direito e à interdisciplinaridade.

f) muitas vezes, a Especialização tem sido implementada com vistas a um retorno financeiro imediato. O que já é em grande parte uma constante nas instituições privadas de ensino superior, hoje, num contexto de grave falta de recursos orçamentários, alcança as instituições públicas de ensino superior.

3. Conclusão

À guisa de conclusão, caberia, a partir do que foi examinado, levantar algumas questões a respeito da Especialização, deixando em aberto as respostas:

a) a Especialização tem ainda um papel a desempenhar, mesmo que residual, na qualificação docente, sobretudo nas instituições emergentes?

b) subsiste ainda uma função de nucleação da pós-graduação “stricto sensu” por parte da Especialização, sobretudo nas instituições emergentes?

c) por sua maior flexibilidade de estruturação, a Especialização representa efetivamente um espaço propício à exploração de novas temáticas na área do direito e à interdisciplinaridade?

d) convém que o CONPEDI, na falta de uma política nacional, incorpore entre suas prioridades uma atenção acentuada com relação à Especialização, eventualmente procurando definir orientações e estabelecer padrões de qualidade para a área do direito?

e) haveria distintos papéis para os cursos permanentes e para os cursos temporários de Especialização?

f) na área do direito, a Especialização não supre em grande parte os objetivos almejados pelo Mestrado Profissionalizante?

g) não há o grave risco de uma degradação da qualidade da Especialização em face da busca muitas vezes de um retorno financeiro imediato?

NOTA

(*) Item acrescentado após a edição da Resolução nº 3 de 5 de outubro de 1999 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE).

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