*O Estado de S.Paulo
Um dos pontos mais polêmicos nas operações da Polícia Federal (PF) contra suspeitos de corrupção e sonegação tem sido o uso indiscriminado de algemas e a ostensiva exposição dos detidos à mídia. A discussão é antiga e foi recolocada na ordem do dia pela Operação Cevada, quando os acionistas da Schincariol, entre eles um sexagenário, foram algemados e puxados com força, na frente das câmaras de televisão, por agentes com roupa e boina pretas, óculos escuros e armas pesadas.
Se esses empresários eram apenas suspeitos de terem cometido um delito fiscal, tinham bons antecedentes e moravam em locais certos e sabidos, por que foram presos de modo humilhante? O que justifica o uso de algemas em detenções de acusados de crime fiscal? “O uso da algema é uma tradição. As algemas podem e devem ser usadas em toda e qualquer prisão, é uma medida de segurança”, afirmou o delegado José Ivan Guimarães Lobato, superintendente da PF em São Paulo, ao site Consultor Jurídico. “É mala de dinheiro voando para todo lugar e querem vir criticar o uso de algemas? O País está podre”, endossou o agente Francisco Garisto, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais. “A polícia vai continuar do jeito que está (…). O que ela pode fazer ao seu bel-prazer é algemar alguém quando bem entender e achar necessário”.
Nos meios forenses e políticos, como era inevitável, essas afirmações causaram perplexidade. “É uma temeridade. Atitudes como essas só se adotam em situações extravagantes”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao mesmo site. “Em alguns casos fazem-se verdadeiros espetáculos. As autoridades devem agir com bom senso, guiadas pelas circunstâncias”, completaram o criminalista Ronaldo Marzagão e o ex-secretário da Justiça de São Paulo Eduardo Muylaert, após criticar o que chamaram de “banalização das algemas”.
Seu emprego desnecessário “é um desrespeito aos direitos fundamentais”, declarou Antonio Ruiz, da Associação dos Advogados de São Paulo.
Essa opinião é endossada até mesmo dentro do próprio PT. Por diversas vezes o deputado Paulo Delgado (PT-MG) já criticou os abusos cometidos pela Polícia Federal em ações espalhafatosas, especialmente o uso de algemas em pessoas inofensivas. Recentemente, o deputado Wagner Rubinelli (PT-SP) apresentou à Câmara um projeto que regulamenta a matéria, lembrando, em sua exposição de motivos, que a Constituição proíbe ‘tratamento degradante’ e que a legislação processual penal impede que presos sejam expostos ‘a inconveniente notoriedade’. Sua proposta, que vem sofrendo forte resistência da parte da PF, dispensa o uso de algemas nos casos de réus primários, de cidadãos com bons antecedentes, dos detidos que não tentam fugir e quando não se tratar de prisão em flagrante. “Mais razoável seria não misturar a honra do governo com um assunto meramente policial”, diz ele.
Evidentemente, esses críticos do uso abusivo de algemas não estão defendendo um tratamento mais leniente ou concessivo para corruptos e sonegadores. O que eles estão afirmando é que o combate a esses tipos de delito, por meio da execração pública e da humilhação, atenta contra o Estado de Direito. Em vez de ter efeitos pedagógicos ou preventivos, transmitindo para a sociedade a idéia de que o crime não compensa, como afirmam algumas autoridades fiscais e policiais, essas prisões humilhantes podem trazer resultados diametralmente opostos. Ou seja, podem causar danos irreparáveis a cidadãos inocentes e podem prejudicar a imagem corporativa de empresas mesmo que absolvidas.
E quem perde com isso não são apenas seus executivos e seus acionistas, mas a economia brasileira como um todo. Isto porque, quando não há regras claras e objetivas disciplinando o uso de algemas em diligências realizadas por agentes e delegados federais no âmbito da iniciativa privada, a insegurança jurídica tende a inibir as decisões de investir, o que dificulta o aumento da produção e a geração de novos empregos. É por esse motivo que o Congresso não pode ceder às pressões da PF quando votar o oportuno projeto do deputado Wagner Rubinelli.
*Editorial do jornal O Estado de S.Paulo publicado nesta segunda-feira (25/7).
Revista Consultor Jurídico