É fato notório que no Brasil a carga tributária é extremamente alta, sem que exista, paradoxalmente, um atendimento adequado nem minimamente digno, das necessidades do cidadão contribuinte, sendo certo que a atividade financeira do Estado, cuja principal fonte viabilizadora é a receita de tributos, deveria ser voltada para a satisfação das necessidades públicas.
Impõe-se, pois, que se proceda, através de um método hermenêutico, a uma maior efetividade da Constituição, especialmente através da adequada interpretação e, simultaneus, concretização do princípio da imunidade tributária para que se evite uma injusta tributação.
De fato, a flagrante ausência de uma adequada concretização do acima citado princípio é a causa de desprestígio e, ipso facto, do massacre dos direitos humanos do cidadão contribuinte.
Nota-se, portanto, que o Estado Fiscal procura justificar a sua atuação de forma estritamente objetiva, formal, enfim, fundamentando-se em um positivismo flagrantemente autoritário, olvidando os valores que devem nortear a sua atuação.
Ora, o Estado é, em verdade, a síntese da consciência de todos os cidadãos e tem por objetivo ser um meio e não um fim em si mesmo, de maneira que deve Ele ter por escopo servir de meio para atender o cidadão contribuinte e não o contrário, isto é, não pode o cidadão ser um meio de manutenção do Estado, pois já propugnava Kant que: o homem é um fim em si mesmo, ao utilizar a expressão “Reino dos Fins”.
Nessa linha, lobriga-se que na interpretação da norma constitucional tem de haver uma justificação axiologicamente aceitável .
Assim, os valores consubstanciam-se em perspectivas mínimas, semelhantes a pontos de iluminação tendentes à concretização do direito.
É importante asseverar que a norma não é nada isoladamente, eis que a sua importância exsurge tão somente por ocasião de sua concretização.
Aduz-se que o método hermenêutico traduz-se em uma forma especial de interpretação, segundo o qual existe uma pré-compreensão ao se proceder à interpretação da norma. Tem como peculiaridade uma compreensão alargada, sendo ele de fundamental importância para promover a aproximação entre a Constituição Política e a Realidade Constitucional, notadamente através do paradigma/valor liberdade.
Aduz-se, por oportuno, que a cobrança de tributos, segundo lição de Ricardo Lobo Torres , é possibilitada através do espaço aberto pelo cidadão no tocante à sua liberdade e propriedade, sendo certo que tal autorização já é concedida ao Estado de forma limitada.
Nessa linha, não é a Constituição ou o Estado que limita o poder de tributar, mas este, ao contrário, já nasce limitado pela auto-limitação da liberdade do indivíduo ao permitir a tributação.
Portanto, a Constituição Federal apenas declara as limitações impostas ao Estado Fiscal, mas não as constitui.
É importante asseverar, por oportuno, que a imunidade consiste na intributabilidade absoluta ditada por liberdades pré-existentes e, dentre as espécies de imunidade, existe a do mínimo existencial, a qual é considerada implícita.
Há, pois, um direito às condições mínimas de existência humana digna, o qual não pode ser objeto de incidência fiscal e que, ao contrário, impõe prestações estatais positivas.
Assim, sem o mínimo necessário para a existência desaparece a possibilidade de sobrevivência e seriam suprimidas as condições iniciais de liberdade.
Portanto, o fundamento do direito ao mínimo existencial se situa nas condições para o exercício da liberdade.
Está ele compreendido em diversos princípios constitucionais, e. g., no princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, segundo ensina Ricardo Lobo Torres:
O mínimo existencial, como condição de liberdade, postula as prestações positivas estatais de natureza assistencial e ainda exibe o status negativus, das imunidades fiscais: o poder de imposição do Estado não pode invadir a esfera da liberdade mínima do cidadão representada pelo direito à subsistência. (RICARDO LOBO TORRES, 2004, p. 68).
Em relação à imunidade dos pobres e idosos, é oportuno destacar, mais uma vez, a lição de Ricardo Lobo Torres, por ocasião da elaboração do trabalho intitulado Direitos Humanos e Tributação nos países latinos, no tocante à imunidade, que não poderia ter sido revogada pelo Poder Constituído, sendo importante asseverar que faz ele menção à Emenda 20, sendo aplicável o mesmo raciocínio, porém, à Emenda 41/2003 :
Na Argentina existe a Declaración de los Derechos de la Ancianidad (Decreto 32.138/48), que reconhece explicitamente aos anciãos os seguintes direitos: assistência ou proteção, moradia, alimentação, vestuário, saúde física, saúde moral.
No Equador a Ley del Anciano, publicada em 1991, também reconhece vários direitos aos idosos.
No Brasil a imunidade dos velhos, que era assegurada pelo art. 153, § 2o, II, da Constituição, foi revogada pela Emenda Constitucional no 20, de 15.12.98, medida manifestamente inconstitucional, pois a imunidade dos idosos, ancorada nos direitos humanos, é clausula pétrea, insuscetível de modificação por emenda constitucional (art. 60, § 4o, da CF). (RICARDO LOBO TORRES, 2005, p.10)
Continua Ele:
As imunidades ou isenções, como limitações do poder de tributar, encontram nos direitos humanos o seu fundamento e devem garantir o mínimo existencial, que compreende os direitos dos pobres e idosos, as deduções familiares do imposto de renda, a cesta básica, as prestações gratuitas de saúde e educação e os demais direitos que possam garantir as condições da liberdade ou a igualdade de chances (idem, pág. 19)
Portanto, o valor liberdade assinala o norte para que a hermenêutica constitucional viabilize a concretização do direito ao apresentar um inexpugnável limite à atuação do Estado Fiscal, de forma que a tributação não deve recair, por exemplo, sobre os idosos, como sucedeu com a manifestamente inconstitucional Emenda nº 41/2003, notadamente em razão de inexistir, in casu, consoante lição do Professor Moncada, uma “justificação axiologicamente aceitável” para que o STF, por 7 votos contra 4, a declarasse constitucional.
*Professor e Advogado do Escritório Siqueira Castro Advogados
Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ
Pós – graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ
Mestrando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá – UNESA
Autor: Sérgio Baalbaki