Autor: JOSÉ OTÁVIO DE ALMEIDA BARROS JUNIOR
Acadêmico de direito – 4º Ano da Faculdade de Direito de Bauru/SP – ITE
Estagiário do Escritório Almeida Barros Advogados – Botucatu/SP
SUMÁRIO
1. Responsabilidade Civil
1.1. Conceito.
2. Posicionamento da responsabilidade na teoria geral do direito.
2.1. Fato Jurídico, Ato Jurídico e Ato Ilícito.
3. Espécies de responsabilidade
4. Responsabilidade pelo Fato das Coisas
4.1 Caracterização do Problema e a Noção de Guarda (A Escola Francesa).
5. Responsabilidade por Fatos de Animais.
5.1 Legislação Aplicável
5.2 Responsabilidade objetiva ou culpa presumida? Posições Doutrinárias
5.3 Causas Excludentes de Ilicitude
5.4 Jurisprudências sobre o tema
5.5 Conclusão.
6. Bibliografia
Resumo: O guarda de animais, ou seja, o dono ou detentor, deverá guardá-lo com cuidado precioso, pois, se assim não o fizer, responderá objetivamente pêlos dano por ele causado a outrem, segundo o Artigo 936 do Código Civil. Há diversos posicionamentos doutrinários a respeito da responsabilidade do guardião.
Ocorrendo o evento danoso, deverá o guarda responder pêlos prejuízos causados por seu animal, apenas esquivando-se da responsabilidade se provar culpa exclusiva da vítima ou força maior.
Trata-se referido tema de responsabilidade civil extracontratual (aquiliana) e objetiva, como veremos adiante.
1. Responsabilidade Civil
1.1. Conceito.
A responsabilidade civil trata-se de um dever de reparar um dano causado por um dever jurídico violado. Dever jurídico, segundo Silvio Cavalieri Filho, é “a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito positivo por exigência da convivência social”.
Podemos dividir o dever jurídico em originário e sucessivo. Toda vez que uma norma jurídica é violada configura -se um ilícito. Desta violação surge um dever de se reparar o dano, um dever jurídico sucessivo decorrente da violação originária da norma. Deste prisma é que nasce a noção de responsabilidade civil.
Somente ocorre a necessidade de reparação civil quando houver violação de um dever jurídico e em conseqüência um dano. É responsável a pessoa que deve ressarcir o dano decorrente da violação do dever jurídico. Assim nasce, portanto a obrigação de reparar o dano.
É possível afirmar que a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, e violado.
Distingue-se a responsabilidade da obrigação uma vez que a responsabilidade é a decorrência de uma obrigação descumprida. A obrigação é um dever originário causador de um dever sucessivo, o de reparar, qual seja, a responsabilidade civil.
2. Posicionamento da responsabilidade na teoria geral do direito.
2.1. Fato Jurídico, Ato Jurídico e Ato Ilícito.
Para chegarmos ao real enquadramento da responsabilidade civil em nosso ordenamento devemos partir da noção de fato jurídico.
Numa sociedade decorrem-se diariamente inúmeros fatos, porém que não geram qualquer efeito na esfera jurídica. Somente quando tais fatos abstratos enquadram-se no ordenamento jurídico o definimos como sendo fatos jurídicos, que, como são sabidos, é o acontecimento capaz de produzir conseqüências jurídicas, como o nascimento, a extinção e a alteração de um direito subjetivo.
Os fatos jurídicos podem ser divididos em: Naturais, quando decorrem da natureza. Ex: nascimento, morte, tempestade, etc; Voluntários: quando têm origem em condutas humanas capazes de produzir efeitos jurídicos.
Estes fatos jurídicos voluntários podem ainda ser divididos em: Lícitos: aqueles praticados em consonância com o ordenamento, e Ilícitos, ou seja, a contrario sensu, aqueles que violam ou afrontam o direito.
Os atos ilícitos podem ser divididos em de mera conduta e negócio jurídico. O primeiro caracteriza-se pelo fato de produzir conseqüências jurídicas sem qualquer atenção à vontade. Já o segundo ocorre quando há a vontade de criar direitos e obrigações.
O ato ilícito é um conceito de grande relevância em nosso tema, por ser o fato gerador da responsabilidade civil. Indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana antijurídica, contrária ao Direito. Tal como o ato lícito é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana, só que contrária à ordem jurídica. Em conclusão, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade.
3. Espécies de responsabilidade
A responsabilidade civil tem por fim recolocar o prejudicado, aquele que sofreu o dano, em seu statu quo ante, ou seja, tem por objetivo reparar o dano sofrido para que volte a haver um equilíbrio jurídico-econômico que foi violado com o ato ilícito praticado.
Existem diversas espécies de responsabilidade, entre elas a responsabilidade civil e a penal; a responsabilidade contratual e extracontratual; a responsabilidade subjetiva e objetiva e a responsabilidade nas relações de consumo, esta ultima que não abordaremos por não pertencer ao tema aqui abordado.
Segundo Beling, a única diferença entre a ilicitude penal e a civil é somente de quantidade ou de grau. O ilícito civil é um minus ou residum em relação ao ilícito penal.
Em relação a contratual e extracontratual, observamos que, se existe um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é conseqüência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual. Entretanto, se não há qualquer vínculo entre as partes e o evento danoso ocorre em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que exista qualquer relação jurídica que o possibilite, estamos diante da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana.
A responsabilidade subjetiva e a objetiva diferem-se, em síntese, por ter a primeira à necessidade de uma culpa do agente, e a segunda, independer de culpa, baseada na teoria do risco.
4. Responsabilidade pelo Fato das Coisas
4.1 Caracterização do problema e A noção de guarda (A Escola Francesa).
Somente é possível se falar em responsabilidade pelo fato das coisas quando ela da causa ao evento sem culpa direta do dono ou detentor da coisa, como por exemplo, um painel publicitário que se desloca e cai sobre uma vítima, a porta do elevador que se abre incorretamente e causa a queda da vítima, entre outras.
Não é possível responsabilizar arbitrária e indiscriminadamente qualquer um por ser responsável pelo fato da coisa, mais sim somente aquele que tem relação com a coisa, ou seja, aquele que exerce o poder de guarda sobre a mesma. Não necessita ser necessariamente o dono da coisa, mas tão somente seu detentor, aquele que possuía, no momento do evento danoso, a guarda e o controle sobre a coisa. Segundo Caio Mário da Silva, “Guarda é aquele que tem a direção intelectual da coisa, que se define como poder de dar ordens, poder de comando, esteja ou não em contato material com ela”.
Normalmente cabe ao proprietário da coisa a responsabilidade por sua guarda, entretanto, tal presunção é relativa, uma vez que é possível mediante prova que a guarda e o poder de direção sobre a coisa foi transferida a outrem, ou ainda, pode o proprietário tê-la perdido, por motivo justificável (furto, roubo, etc.).
5. Responsabilidade por fatos de animais.
A responsabilidade por fatos de animais é ocorrência freqüente em nossa sociedade. Diariamente observamos na mídia ocorrência de cães ferozes que atacam crianças e transeuntes pelas vias públicas; gados e cavalos que invadem vias públicas e estradas de rodagem causando sérios acidentes as vítimas, entre outras.
Quem deve responder pelos danos causados por estes animais é o guarda, aquele que afirma ter o poder de controle, de direção sobre o animal. Como já vimos anteriormente não há a necessidade de ser o dono do animal o responsável, podendo ser o detentor ou seu preposto, sendo aquele que, no momento da ocorrência lesiva possuía a guarda sobre o animal. Cabe aqui uma ressalva. Entendo que, deve o magistrado, ao analisar o caso concreto, verificar a extensão da responsabilidade do proprietário do animal. Estando o animal, por exemplo, aos cuidados de um preposto, de uma empregada doméstica, por exemplo, ainda assim o dono responde pelos danos, em co-autoria, pois há entendimento de que o empregado e o preposto agem e atuam sob as instruções e ordens do preponente.
Já na hipótese do dono do animal entregar o mesmo a terceiro e perder, portanto totalmente o poder de guarda e controle, não pode responder por fatos danosos causados por seu animal, como, por exemplo, o dono de um cão que o leva a uma escola de adestramento e o deixa sobre a responsabilidade de um adestrador.
Portanto, eximi-se da responsabilidade o dono do animal que transfere sua posse a terceiro, seja por arrendamento, doação, parceria, depósito, a um treinador, entre outras hipóteses, pois perde o dono a detenção e a supervisão física sobre o animal.
5.1 Legislação Aplicável
O Código Civil vigente de 2.002 trata da Responsabilidade Civil em capítulo próprio e especificamente sobre a responsabilidade por dano causado por animais em seu Artigo 936 que assim estabelece:
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.
No mesmo diploma legal, já no capítulo relacionado ao Direito de Vizinhança, na seção dos Limites entre Prédios e do Direito de Tapagem, estabelece em seu Artigo 1.297 § 3º:
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo?se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.
§ 3o A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas.
Referido tema ainda comporta sanções nas vias penais, uma vez que há tipificação do mesmo no Decreto-Lei nº 3.688 /41 (Lei das Contravenções Penais) que assim aduz em seu Artigo 31:
Omissão de cautela na guarda ou condução de animais
Art. 31 ? Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso:
Pena ? prisão simples, de 10 (dez) dias a 2 (dois) meses, ou multa.
Parágrafo único ? Incorre na mesma pena quem:
a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia a pessoa inexperiente;
b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia;
c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia.
5.2 Responsabilidade objetiva ou culpa presumida? Posições Doutrinárias
O ab-rogado Código Civil de 1916 estabelecia para este tema que havia culpa presumida do dono ou detentor do animal. Já o Código Civil atual de 2002 o enquadrou como sendo de Responsabilidade Objetiva do agente, respondendo independentemente de culpa pelos fatos danosos que porventura seus animais venham a praticar a terceiros.
Maria Helena Diniz entende que tal responsabilidade baseia-se na presunção de culpa, porque o proprietário ou detentor do animal tem o dever de guarda e de fiscalização. Cita a autora, como exemplo, que teria responsabilidade o agente: pelo contágio de uma enfermidade transmitida a outrem pelo animal; pelos danos causados por animal a terceiros, pelo fato de não ter cercado sua propriedade, fazendo tapume especial ou comum; pelos estragos causados por gado a veículos em estradas; pelos danos ocasionados a outrem por picadas de abelhas ou mordidas de animais.
Já o saudoso doutrinador Silvio de Salvo Venosa entende ter o código adotado a teoria objetiva, presumindo da mesma forma a culpa do guarda. Aduz o autor que caberá ao magistrado analisar, no caso concreto, o vínculo psicológico que desaba no nexo causal. Esclarece que o ônus probatório para evidenciar culpa da vítima ou caso fortuito é do ofensor, que não se desincumbir a contento nesse encargo, indenizará a vítima. Continua ainda afirmando que se o dono do animal o entrega a pessoa que não toma os devidos cuidados, estará consubstanciado o nexo causal a determinar que ambos respondam pelo fato pelo nexo da co-autoria. Por fim, cita o autor anotações de Caio Mário: “Quando, porém, o animal se encontra na detenção de outrem que não o seu dono, mas fora de uma relação de preposição, cabe então determinar se e até onde vai a responsabilidade do dono, ou quando se exime este, e ela se desloca para aquele que o detém”.
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5.3 Causas Excludentes de Ilicitude
Ao estabelecer o Artigo 936 do Código Civil que o dono ou detentor do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior atribuiu uma responsabilidade objetiva pelo dano, não se eximindo pela simples prova de que o guardava e o vigiava com cuidado preciso. Trata-se de uma presunção júris tantum de responsabilidade que decai sobre o guarda do animal, que será ilidível somente pela prova da culpa do ofendido e da ocorrência de força maior ou caso fortuito. Somente ao proprietário ou detentor do animal é que incumbirá a demonstração da causa exonerativa.
Caberá ao magistrado, ao analisar o caso sub judice, verificar se houve culpa exclusiva da vítima ou força maior. Se tais ocorrências não ficarem provadas nos autos, deverá o responsável reparar a vítima pelos prejuízos a ela causados. Poderá ainda o dono ou detentor do animal isentar-se da obrigação de reparar os danos, segundo Maria Helena Diniz, se demonstrar que houve provocação imprevisível e inevitável de outro bicho, não lhe sendo possível evitar o evento lesivo (força maior). Neste caso a responsabilidade passará a ser do proprietário ou detentor do animal provocador; o quantum dos prejuízos causados deverá ser distribuídos entre ambos os proprietários. (Artigo 945 c.c. 936).
Enquadraríamos como culpa exclusiva da vítima a hipótese do ofendido agir imprudentemente, aproximando se de um animal sem as necessárias cautelas, mesmo sabendo que ele era perigoso; ou ainda nos casos em que o indivíduo provoca um cachorro feroz, sendo por este atacado ou ferido. O simples fato de a vítima desferir pontapés no animal que a mordeu, como o de procurar desviar ou espantar o mesmo não caracteriza culpa da vítima, mas sim legítima defesa, e não é causa que implicaria na escusa da responsabilidade do proprietário.
5.4 Jurisprudências sobre o tema
Assim tem entendido nossos tribunais sobre este tema:
“Indenização – Responsabilidade Civil – Ato do preposto – Empregada doméstica que convida colega de profissão para adentrar na residência dos patrões, à noite. Ataque de cão feroz – Lesões graves no couro cabeludo da vítima – Ausência de cuidados na guarda e vigilância dos cães – Precauções da empregada, insuficientes para impedir o ataque – Verba devida – Recurso parcialmente provido” (1º TACiv, SP, 8ª C.C.; Ap. Civ. Nº 204.963-1 SP, j. 22.6.1995, v.u., Re. Juiz Osvaldo Caron).”
“Responsabilidade pela guarda de animais – Danos às plantações de vizinho – Arts. 1.527 e 588 do Código Civil – Honorários de Advogado na assistência judiciária. Em zona de minifúndio agrícola, é ao proprietário de gado que incumbe a iniciativa na construção de tapumes, de molde a impedir a invasão da propriedade lindeira e prejuízos às plantações alheias. As normas do Art. 588 do Código Civil hão de ser consideradas de acordo como disposto no Art. 1.527, do mesmo diploma legal, e os costumes locais” (STJ, 4ª T. Resp. nº 6.619 – RS, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 19.03.1991, v.u., DJU-I, de 22.4.1991, pág 4.793, in Boletim da AASP nº 1.695, de 19 a 25.6.1991, pág. 162).”
5.5 Conclusão.
Esta modalidade de responsabilidade civil muito interessante e de muita ocorrência em nossa sociedade nos leva a concluir que, segundo nosso ordenamento jurídico, o dono ou detentor de animais responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, ou seja, independentemente de culpa, podendo eximir-se da obrigação se provar culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito e força maior.
Autor: José Otávio de Almeida Barros Junior