Atentado à Justiça

Ao ler matéria “TRF coloca juiz federal na geladeira” publicada no Correio do Estado, na última sexta, indignou-me saber que o juiz federal Odilon de Oliveira, que vem atuando de forma impecável na fronteira, sofreu mais um atentado, desde que iniciou a sua atuação na vara federal de Ponta Porã. O que mais choca é que este “novo atentado” não partiu dos traficantes que o perseguem e ameaçam na fronteira, mas da própria instituição que o juiz representa.

O atentado ao qual me refiro é a transferência do magistrado para Campo Grande, imposta pelo Conselho de Justiça Federal da 3ª Região, sem ao menos, segundo noticiou a reportagem, ter consultado o ilustre juiz. Decisões como essas soam como arbitrárias e só contribuem para reforçar no cidadão, já chocado com os desmandos na política brasileira, a sensação de impotência e a descrença nas instituições, particularmente no Poder Judiciário.

O juiz Odilon de Oliveira provou pelo seu profissionalismo e idealismo que o Poder Judiciário talvez precise mais de juízes dispostos a fazer justiça, do que de reforma, ao mudar a realidade do crime na fronteira. Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, edição de 9 de maio de 2005, ele deixa clara essa idéia ao afirmar que pretende “fazer algo de concreto pela sociedade, ajudando a remodelar o Judiciário, no qual os juízes não devem se limitar a atuar com a capa do processo. É preciso abrir a janela e compartilhar com a sociedade.”

Em menos de um ano de atuação, o magistrado condenou 114 traficantes a 919 anos de prisão, confiscou mais de R$ 12 milhões aos cofres públicos, decretou a perda, em favor da União, de 12 fazendas, 3 mansões, de 2 apartamentos de luxo, casas, dezenas de imóveis urbanos, veículos e aviões do crime organizado, além de conseguir extraditar do Paraguai 10 grandes traficantes. Só me lembro de ter visto algo parecido em duas situações: A Operação Mãos Limpas, em que o juiz Giovanni Falcone, morto em atentado, condenou inúmeros mafiosos “intocáveis” na Itália; e o trabalho realizado pela juíza Denise Frossard, em 1993, quando colocou os “intocáveis” bicheiros cariocas na cadeia.

Comparo a atuação do juiz Odilon a esses dois fatos históricos da magistratura, justamente porque o seu trabalho na fronteira não se ateve à prisão de “mulas” (termo dado aos pequenos traficantes), mas sim à condenação dos “barões” do tráfico, que são as grandes artérias do crime organizado. Como exemplo, cito a condenação do empresário Fahd Jamil, o mais famoso e intocável entre os acusados de tráfico na fronteira. Com isso, o juiz institui um novo perfil de atuação na região, desestabilizando os cartéis e incomodando mantenedores e beneficiados.

Segundo noticiou a imprensa local, Odilon deverá assumir a função burocrática de diretor do Foro da Justiça Federal, em Campo Grande. Em entrevista concedida para um site de notícias da Capital, o magistrado teria feito a seguinte afirmação: “Não considero isso uma promoção. Gosto de processos. Fiz o pedido de reconsideração que deverá ser julgado na próxima semana pelo Conselho da Justiça Federal.” Isso deixa claro que a transferência imposta ao juiz soa como uma punição ao trabalho exemplar, pois se dá contra a sua vontade.

Como pode o cidadão sul-mato-grossense conformar-se com tamanha insensatez praticada contra o trabalho deste magistrado? É por isso que classifico tal ato do Conselho de Justiça Federal da 3ª Região como um atentado. É um atentado ao sentimento de justiça, à dedicação, ao trabalho, ao combate ao crime, ao bom senso, à transparência, à esperança e a inúmeros outros valores tão almejados pela população brasileira e, particularmente, a sul-mato-grossense.

A população de Mato Grosso do Sul e todos aqueles munidos da capacidade de indignação não podem se calar diante de mais um atentado contra o exemplar trabalho desenvolvido pelo juiz Odilon de Oliveira. Calar-se é se render ao narcisismo que impera nas altas cúpulas do Poder deste País, que não suporta ver o sucesso daqueles que trabalham com dedicação pelo bem e pelo progresso desta famigerada nação. Calar-se é se render ao crime organizado que vicia, mata e delinque os nossos filhos.

Maritônio Barreto
Jornalista – maritonio@uol.com.br

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