O ensino jurídico no limiar dos paradigmas ético-jurídicos para (pré-)soluções de conflitos

O ensino jurídico no limiar dos paradigmas ético-jurídicos (atuais e antigos) para (pré-)soluções de conflitos

Lúcio Flávio Sunakozawa
professor de Direito da graduação e pós-graduação da UEMS, UFMS, Instututo Nacional de Pós-Graduação/UCDB/ESA, Escola Superior da Magistratura, mestrando em Direito pela UGF

“O professor disserta sobre

ponto difícil do programa.

Um aluno dorme,

Cansado das canseiras desta vida.

O professor vai sacudi-lo?

Vai repreendê-lo?

NÃO.

O professor baixa a voz

Com medo de acordá-lo.”

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A prevalência de uma “razão sistêmica”, detectada por Habermas, que consiste no homem sobrepondo-se ao seu semelhante, em verdade, levaram ao bloqueio de muitos ideais evolucionistas da humanidade, em especial dentro da cultura atual repleta de avanços tecnológicos e virtuais.

Adicione-se a isso, também, o fator TEMPO que, ao invés de ser um adjetivo do saber, tem sido encarado pela sua “distância temporal” (Gadamer) diante da necessária verticalização das duas maiores características do homem hodierno: a criatividade e a reflexão.

Embora, sabidamente, o elemento volitivo para a formação e acúmulo de conhecimentos, como defende Ortega Y Gasset, não deva ser desprezado, logo, podemos reafirmar que tais marcas humanas e seu desenvolvimento, em sua maior parte, consistem em puro arbítrio individual…

Mas, por outro gume, sofremos influências do mundo (Welt) e do meio (Umwelt), pois, segundo alerta da concepção luhmanniana, o sistema é autopoiético, ou seja, possuem autonomias e clausuras próprias, vez que ditadas as regras pela própria organização sistêmica em que participamos.

Nessas tonalidades, ligados com as questões sociais (“ubi ius, ibi societas), os juristas têm discutido muito sobre esse distanciamento temporal e quantitativo em que as condutas “antijurídicas”, produzidas pelo próprio homem, aumentam a cada instante e, por conseqüência, geram uma espécie de “crise de justiça” em nosso meio e sociedade.

Entretanto, ao mesmo tempo, que essas transgressões se avolumam em quantidades, espécies e sofisticações sem que se alcance soluções céleres e/ou eficientes, respostas diversas são apontadas e sustentadas, mas, muitas vezes, sem o rigor dos acertos que se exige.

As propostas atuais para as resoluções de conflitos, mesmo as antigas tais como as inspirações sobre um modelo de Estado (Locke e Montesquieu), nem sempre também atendem esses anseios, fazendo com que haja uma derrota no sentimento ético-jurídico que ecoa atualmente em toda as disciplinas das ciências jurídicas.

Nem a teoria hegeliana dos opostos (tese, antítese e síntese), como premissa do contraditório e ampla defesa de um “due process of law”, mesmo aliando-se às respeitosas teorias de direito de ação judicial ou acesso à justiça (Mauro Capelletti) ou de direito à “ordem jurisdicional justa” (Kazuo Watanabe), ou ainda de uma instrumentalidade (Dinamarco) ou efetividade processual (Barbosa Moreira), concessa venia, estão sendo suficientes para atender a inflação de conflitos na atual sociedade… embora, inegavelmente, o mercado profissional proporcionalmente aumenta (v.g., v. o numero de faculdades de direito).

Soluções para essas angústias e aflições da humanidade…? Sim, necessitamos com urgência! Por óbvio, não podemos ser ingênuos a tal ponto de recitarmos apenas malabarismos jurídicos ou, crermos em “mágicas”, ao lidarmos com problemas tão complexos… ou ainda, com subterfúgios de preservarmos apenas o campo profissional.

Uma coisa, porém, é provável! Longe de fórmulas ou rótulos, sob pena de banirmos a inteligência humana… a fluência deve ser natural, mas sob um pensamento critico.

Precisamos rever e repensar, portanto, os paradigmas que norteiam o atual ensino jurídico… sob pena de pregarmos apenas por profissionais “tapa-buracos” e sermos vencidos pelo descaso, superados pelo tempo e, principalmente, pela omissão sobre o papel ético-jurídico que é clamado de um jurista. Não se busca apenas nota “A” no Provão ou nos concursos da OAB.

O ensino-aprendizagem no campo jurídico é muito amplo e, prima facie, supera o mero apego e “Ensino de Leis”. Afasta o mero legulismo, pois “nada nasce do nada”.

De outra forma, entre tantas criações humanas, a argumentação e a hermenêutica, por exemplo, de longa data discursada por Aristóteles (cfe. Perelmann, Viehweg, Alexy, Dworkin etc…) que nos legou uma forma de pensar e refletir os problemas que, em suma, representa não uma mera teoria, mas uma reflexão sobre a práxis e a “capacidade de um contato compreensivo com os homens” (Gadamer), são tônicas em que se coadunam com as ferramentas naturais do ser humano e que deveriam retomar um lugar seguro nas grades curriculares… e que, infelizmente, ousamos apenas reproduzir o que se encontra em outros programas aplicáveis a outros ambientes e a outras propostas.

A ciência humana na sua essência, ao propiciar a oportunidade participativa e democrática, sem desprezar os limites ou podar as contribuições de cada elemento no processo ensino-aprendizagem, torna possível compreender, refletir, pensar e respirar como um ser humano, biológica e afetivamente, com um ser factível que é, sem desprezar o seu meio, o seu mundo. Daí dizer que o ensino-apreendizagem se torna mais interativo. O arbítrio ficará mais arejado, partindo-se de um ponto real e não de meras imposições teóricas… “sorrisos irônicos e até mordazes”, como adverte Miguel Reale, quando se refere à arte como requisito para a formação de um jurista, tornar-se-ão frutos apenas de preconceitos e inseguranças da ignorância.

E isso, com efeito, adicionados aos ideais pautados no princípio de EVITABILIDADE DE CONFLITOS, voltando-se para uma concepção de PREVENÇÃO DE CONFLITOS, ou seja, para desenvolvimento cientifico de “PRÉ-SOLUÇÕES PARA INEXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIAS” em eventuais questões sócio-juridicas, embora possa parecer algo de inovador, mas não o é. A composição e auto-composição, assim como a mediação (técnica processual com auxilio de terceiro), aplicadas antes do nascimento da lide, por exemplo, já demonstraram sobre a possibilidade de uma pré-solução de pré-conflitos, com finalidade maior de não se alcançar a “zona de conflitos”.

Guerra existe, se existente o guerreiro com animus de guerrear. Paz, de outra banda, reinará se inexistente aquele sujeito com aquela vontade ou por pura convivência entre pacíficos. E dá para imaginar as conseqüências trágicas, em caso de guerra, quando o guerreiro utiliza-se de suas características enquanto ser pensante e tendo elegido os seus ideais, pelo qual se acredita para justificar a batalha, com intuito único de atingir o seu fim (Machiavel).

Logo, contrariamente ao que se “estimula” na atual vertente, ou seja, parte-se hoje da premissa que se criam normas porque se sabe, com certeza, que alguém irá burlá-las ou que, num segundo momento, haverá uma norma violada, e que de qualquer forma surgirá um conflito, e o operador do direito (preparado academicamente tão somente para este momento) surge para resolvê-lo.

Ademais, para incentivar ações e idéias antecipatórias, não devemos nos esquecer sobre a estampa educacional, de surradas lições de Paulo Freire, na relação docente-discente, in verbis: “não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita”.

Pois assim, diretamente, “humanizar o ensino jurídico” é preciso!!! Os reflexos são inevitáveis. Banindo-se a frieza das leis e a começar de nós mesmos, operadores do direito, o que não significa desprezar o sistema juspositivista (vigente em nosso meio), com finalidade de atender os verdadeiros preceitos éticos-juridicos que se espera, doravante e principalmente, dos novos juristas que devem primar pela paz social, fraternidade entre os homens e justiça, sobretudo.

Por derradeiro, nesse sentido, sempre é salutar rememorarmos o altissonante Francesco Carnelutti que costuma asseveravar: “se o pintor não ama seu modelo o retrato nada vale, e se o juiz não ama o indiciado em vão pensa poder alcançar justiça”.

Conclusivamente, urge nos cursos jurídicos em geral, interna corporis, um novo rumo… mais criativo, refletido e humano! Portanto, em suma, mais justo e mais fraterno! Ético!

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