Fábio Ramazzini Bechara
Julho/2005
O crime se diz tentado quando o agente não o consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. A vontade do agente era consumar a infração, atingir o bem jurídico protegido na extensão pretendida, todavia, é interrompido, mas não por vontade própria. Essa vontade qualifica-se como dolosa, porque a intenção do agente era consumar a infração penal ou produzir o resultado criminoso, situação verificada somente nos crimes dolosos. A vontade nos crimes dolosos está direcionada ao resultado criminoso. A punição dos crimes dolosos justifica-se pelo desvalor da conduta, tanto que a tentativa é punível.
Nos crimes culposos, não se admite a tentativa, porque a vontade inicial é dirigida ao descumprimento único e exclusivo do dever objetivo de cuidado, mas não se vincula, em momento algum, a vontade com a realização do resultado, sob pena de se verificar a modalidade dolosa. Por mais que o resultado no crime culposo seja derivado da inobservância do dever de cuidado, não se pode afirmar, em hipótese alguma, que o mesmo resultado é derivado da vontade do agente. Nos crimes culposos, diferentemente dos crimes dolosos, a punição justifica-se pelo desvalor do resultado, pois a conduta considerada, sem a produção do resultado, não possui qualquer relevância penal.
Seja qual for a espécie de culpa, a tentativa não será admissível, entretanto, apontam alguns doutrinadores nacionais[1] que a única exceção seria a denominada culpa imprópria. Em primeiro lugar, a culpa imprópria é aquela em que o agente, pretendendo produzir determinado resultado, incorre em erro de tipo essencial vencível, dando causa ou não ao evento, todavia, respondendo por esse a título de culpa. A razão da responsabilidade diferenciada constitui uma forma de punir o agente, o qual culposamente incorreu em erro de tipo essencial, porque, se tivesse sido diligente, a situação de risco criada poderia ser evitada.
De acordo com a orientação citada, o agente, na hipótese de culpa imprópria, possui vontade de realizar o resultado, de modo que, caso não o produza, por ter incorrido em erro de tipo essencial vencível, responderá por tentativa de crime culposo.
Com o respeito que esse posicionamento merece, não me parece ser a orientação mais adequada, pois, mesmo na culpa imprópria, não se admite tentativa. Por quê?
Seja quando o agente pretende cometer uma determinada infração penal, seja quando pretende agir acobertado por uma causa excludente da ilicitude, ao incorrer em erro de tipo essencial, sua vontade inicial mostra-se viciada, portanto não mais adequável ao tipo penal. Tanto está viciada a sua vontade que a primeira conseqüência dessa constatação é a exclusão do tipo penal doloso, como dispõe o art. 20, caput, do Código Penal. Não existe uma vontade inicial dolosa, mas uma vontade de realizar um evento. Isso significa dizer que, na culpa imprópria, a vontade inicial, embora dirigida a um determinado resultado, pelo fato de se apresentar de forma viciada, não pode ser qualificada como dolosa.
Ora, se a vontade inicial não se qualifica como dolosa, que é o pressuposto do crime tentado, como se pode falar de tentativa em crime culposo? É evidente que há uma vontade inicial, dirigida a um resultado, porém, não ao resultado típico. Não há vontade dirigida ao fato material típico. A crença errônea do agente faz com que falte um elemento positivo ou negativo do tipo penal[2].
Devido às razões expostas, conclui-se pela inadmissibilidade da tentativa em qualquer espécie de crime culposo.
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1; JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2001; CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
[2] MANTOVANI, Ferrando. Diritto Penale. 4. ed. Padova: Cedam, 2001. p. 347.