Sérgio Baalbaki
advogado do Escritório Siqueira Castro Advogados, professor, pós–graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), mestrando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA)
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo analisar o povo em suas diversas acepções.
É importante estabelecer, outrossim, as definições de Estado, Nação, População, Povo e Soberania.
Almeja-se fazer sucinta menção, bem como harmonizar os aspectos subjetivo e objetivo, através dos quais se busca definir o que seja povo.
Será empreendida uma abordagem acerca do que é chamado por Canotilho de “Justiça da Constituição”, idéia que está relacionada ao procedimento utilizado para a sua elaboração, o qual deverá ser justo para que a Constituição também assim o seja.
Por derradeiro, será objeto do presente trabalho a perquirição sobre quem detém a titularidade e quem exerce a Soberania.
Far-se-á, outrossim, sucinta abordagem acerca da questão referente à proximidade ou não entre a Constituição Normativa e a realidade constitucional brasileira.
CAPÍTULO 1 – O ESTADO
1.1 – A ORIGEM DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO ESTADO
Como se sabe, a natureza jurídica do Estado é, obviamente, de pessoa jurídica de direito público.
Lobriga-se que a aludida concepção de Estado teve origem nos contratualistas, os quais estabeleceram a idéia de coletividade ou povo como uma unidade.
A explicação acerca da atribuição de personalidade jurídica ao Estado se subdivide entre as Teorias Ficcionistas e as Realistas, sendo certo que as primeiras buscam conceber o Estado como uma ficção, por razões utilitárias, objetivando-se, pois, tão só conferir-lhe capacidade.
Entende Savigny [01] que a atribuição de personalidade ao Estado seria uma ficção em razão de os sujeitos de direitos serem apenas aqueles dotados de consciência e vontade.
Já os Realistas têm uma concepção científica de Estado.
Entende Georg Jellinek [02], adepto da concepção Realista, que sujeito, sob a ótica jurídica, é uma verdadeira capacidade, cuja gênese se encontra na ordem jurídica, sendo o homem um pressuposto da capacidade jurídica, porquanto o direito se consubstancia em uma relação existente entre seres humanos.
Portanto, não há, para ele, qualquer óbice em ser atribuída a qualidade de sujeito de direito à unidade coletiva em que se consubstancia o Estado.
É curial destacar, ainda, que, segundo o citado doutrinador:
Se o Estado é uma unidade coletiva, uma associação, e esta unidade não é uma ficção, mas uma forma necessária de síntese de nossa consciência que, como todos os fatos desta, forma a base de nossas instituições, então tais unidades coletivas não são menos capazes de adquirir subjetividade jurídica que os indivíduos humanos. (GEORG JELLINEK,2002, p.379).
1.2 – CONCEITO DE NAÇÃO E DISTINÇÃO DE ESTADO
O termo nação possui um forte conteúdo emocional e teve origem no momento em que os povos europeus almejavam a formação de unidades políticas dotadas de solidez e estabilidade, possibilitando a cessação do constante estado de guerra que vigia.
De fato, o artifício de se empregar o termo Nação, que deflagra reações emocionais no povo, objetivava afastar do poder os monarcas, responsáveis diretos pelas guerras intermináveis e, por outro lado, possibilitar que a burguesia conquistasse o poder político.
Contudo, não há qualquer significação jurídica possível para a expressão em análise, porquanto não noticia a existência de um qualquer vínculo jurídico entre os seus membros.
Ferdinad Tönies [03] diferencia Estado e Nação no sentido de que aquele estaria associado à idéia de sociedade, tendo, pois, as seguintes peculiaridades: surgimento por atos de vontade; a busca de um objetivo; o fato de os seus membros se ligarem através de um vínculo jurídico e o poder social ser reconhecido pela ordem jurídica.
A Nação estaria, ao contrário, relacionada à idéia de comunidade, cujas características assim se delineam: existência independente da vontade; inexistência de objetivo (há somente um sentimento de preservação); ausência de vínculos jurídicos (existência só de sentimentos comuns) e inexistência de poder.
Aduz-se, por derradeiro, que no século XVIII usou-se, de forma imprecisa, o termo Nação para designar o povo, isto na tentativa de expressá-lo como uma unidade homogênea.
Enfim, estabelecidas as distinções necessárias entre Estado e Nação não há, pois, como confundi-los.
1.3 – A SOBERANIA
A soberania, segundo Jellinek [04], traz em sua origem uma concepção política, tendo sido atribuída somente mais tarde uma conotação jurídica.
Aduz-se que a soberania é, sem dúvida, a base da idéia de Estado Moderno.
Aristóteles caracterizava a cidade – Estado em razão de a mesma ser dotada de autarquia, ou seja, ter aptidão para atender as suas próprias necessidades, o que não se aproximava, contudo, do conceito de soberania.
Não havia na Antiguidade o ambiente propício para o desenvolvimento do conceito de soberania pelo fato de não existir ainda o antagonismo do poder do Estado a outros poderes.
No fim da Idade Média o monarca detinha supremacia, não sofrendo o seu poder qualquer limitação, sendo tal momento propício, então, para o desenvolvimento teórico do conceito de soberania.
Jean Bodin é considerado por muitos como o primeiro teórico a desenvolver o conceito de soberania, em 1576, através de sua obra intitulada Les Six Livres de la République.
Ele a define, pois, como um poder absoluto e perpétuo de uma República.
É relevante destacar, porém, que a primeira utilização da palavra soberania remonta à “Carta de Libertação dos Burgos Europeus”, os quais se libertaram do jugo dos senhores da terra. [05], sendo certo que à Bodin se deve a popularização de tal termo.
Rosseau é considerado o teórico responsável pela transferência da titularidade da soberania do monarca para o povo.
Divergem os teóricos quanto ao fato de ser a soberania um poder do Estado ou uma sua qualidade, sendo certo asseverar, contudo, que a noção de soberania está associada à idéia de poder.
Distingue-se a soberania como um poder político, que, sob este aspecto, tem a característica de um poder de fato, incontrastável, absoluto, de uma concepção jurídica, consubstanciada esta em um poder de decidir sobre a regra jurídica aplicável por determinado Estado.
É relevante destacar, ainda, quanto à titularidade da soberania, que existem duas teorias básicas, quais sejam, as Teorias Teocráticas, segundo as quais todo poder vem de Deus e que, em última análise, o titular da soberania é a pessoa do monarca, uma vez que Deus teria concedido o seu poder a este e as Teorias Democráticas, segundo as quais, a soberania teria origem no povo, passando a referida teoria por três fases distintas: na 1ª surge como titular da soberania o povo, não sendo, todavia, integrante do Estado; na 2ª a titularidade é atribuída à Nação e na última fase afirma-se que o titular da soberania é o Estado, levando em consideração que o povo participa da formação da vontade daquele, restando preservado, pois, o fundamento democrático desta afirmação teórica.
Assinala Fábio Konder Comparato [06], que: “A primeira utilização conseqüente do conceito de povo como titular da soberania democrática, nos tempos modernos, aparece com os norte-americanos.”.
Para ele, a inexistência na sociedade norte-americana de uma fragmentação consubstanciada em classes sociais, propiciava mais facilmente a aceitação do povo como titular da soberania.
Hodiernamente a soberania está, indubitavelmente, relativizada, estando mitigada, portanto, aquela concepção segundo a qual seria ela um poder absoluto.
Vale destacar, nessa linha de raciocínio, que, após o advento da Emenda Constitucional nº 45, os atos internacionais relativos a direitos humanos passaram a ser reconhecidos como normas de status constitucional, desde que observado o processo legislativo para a elaboração da espécie normativa Emenda Constitucional.
Por fim, aduz o Professor Rogério Bento que a Soberania ainda se afigura útil atualmente, especialmente com o escopo de servir como um instrumento civilizador [07].
CAPÍTULO 2 – O POVO
2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O uso indiscriminado da expressão povo, bem como a carga emocional que a impregna costuma provocar uma distorção de seu sentido.
É unânime a necessidade do povo como elemento para a constituição e existência do Estado, sendo certo afirmar, por isso mesmo, que não é possível a existência do Estado sem ele, notadamente porque, em última análise, é para ele que o Estado se forma.
Na Grécia antiga o povo era entendido como o membro ativo da sociedade política, ou seja, os cidadãos dotados de direitos políticos.
Em Roma deu-se à expressão povo, inicialmente, a conotação idêntica àquela da Grécia, mas, posteriormente, conferiu-se a mesma um elastério de seu significado com o escopo de designar o Estado Romano.
Estava, portanto, sendo delineada, nessa época, a significação jurídica próxima a que é dada hoje, uma vez que aos cidadãos eram atribuídos direitos públicos.
Com o advento da revolução do século XVIII, momento em que a burguesia estava em plena ascensão, os textos constitucionais passaram a designar povo livre de qualquer noção de classe, almejando-se implementar a igualdade e, por outro lado, eliminar a discriminação então vigente, notadamente através da implementação do princípio do sufrágio universal.
Iniciou-se, doravante, em âmbito doutrinário, o anseio de promover a plena extensão da cidadania.
Para tanto, foi de curial importância a contribuição da doutrina alemã do século XIX, especialmente a dogmática dos direitos públicos subjetivos, tendo Georg Jellinek [08], em meados do ano 1900, lançado uma obra que delineou a noção jurídica de povo, bem como disciplinou a sua participação jurídica no Estado.
Ressalta-se que a Teoria delineada por Rousseau é de fundamental importância para que seja estabelecida a distinção entre povo sob a ótica de sujeito em contraposição à idéia de povo como objeto.
2.2 – DISTINÇÃO DE POPULAÇÃO
Não há como ser confundido o conceito de povo com o de população, uma vez que este designa uma mera expressão numérica, demográfica ou econômica, a qual compreende o conjunto de pessoas que vivem no território de um Estado ou que estejam temporariamente nele.
Portanto, não basta que uma pessoa esteja no território de um determinado Estado para se subsumir na condição de povo, eis que é imprescindível, para tanto, que haja um vínculo jurídico especial entre esta pessoa e o Estado.
2.3 – ROSSEAU: A LIBERDADE, O POVO E O CONTRATO SOCIAL
Jean-Jacques Rousseau tem como base do seu raciocínio a noção de liberdade, compreendida ela como um direito e um dever simultaneamente.
Para ele a liberdade é tida como um verdadeiro princípio, sendo, por isso mesmo, inalienável e a considera, ainda, como essência da natureza espiritual do homem.
A efetivação da vontade geral se viabiliza, segundo ele, através de um contrato social, isto é, mediante uma livre associação de seres humanos inteligentes, os quais resolvem formar um tipo de sociedade, a qual passam a prestar obediência. Dessa forma, o contrato social seria a base legítima para uma comunidade que deseja viver de acordo com os pressupostos da liberdade humana.
O raciocínio de Rousseau é simples: propõe ele uma forma de associação na qual cada um unindo-se a todos obedece, porém, a si mesmo e permanece livre.
Então, a idéia acima exposta se resume na seguinte passagem do Livro I, do capítulo VI, denominado “do pacto social” do livro “Do Contrato Social” (2004, pág 26) “Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unido – se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes”.
Immanuel Kant assinala, na mesma linha de raciocínio, que:
O ato pela qual um povo se constitui num Estado é o contrato original. A se expressar rigorosamente, o contrato original é somente a idéia desse ato, com referência ao qual exclusivamente podemos pensar na legitimidade de um Estado. De acordo com o contrato original, todos (omnes et singuli) no seio de um povo renunciam à sua liberdade externa para reassumi-la imediatamente como membros de uma coisa pública, ou seja, de um povo considerado como um Estado (universi). E não se pode dizer: o ser humano num Estado sacrificou uma parte de sua liberdade externa inata a favor de um fim, mas, ao contrário, que ele renunciou inteiramente à sua liberdade selvagem e sem lei para se ver com sua liberdade toda não reduzida numa dependência às leis, ou seja, numa condição jurídica, uma vez que esta dependência surge de sua própria vontade legisladora. (IMMANUEL KANT, pág.158).
Assim, aceitando-se a autoridade da vontade geral, o cidadão não só passa a pertencer a um corpo moral coletivo, bem como adquire liberdade obedecendo a uma lei que prescreve para si mesmo.
Nessa linha, pelo contrato social o homem deixa de ter a liberdade natural, que se consubstancia em um direito sem limites, de cunho instintivo, que o subsume em um verdadeiro estado natural, para ganhar a liberdade civil, a qual tem como limitação a vontade geral, tornando-se, pois, um ser racional, moral etc.
Rousseau [09] propugna, ainda, que o homem não detém poder natural sobre seus iguais, partindo da premissa que a força não produz direito.
Portanto, segundo o referido pensador, somente as convenções seriam o fundamento de toda autoridade legítima entre os homens.
Ainda de acordo com as idéias do mencionado teórico, a liberdade seria irrenunciável, pois tal ato, caso fosse possível, implicaria na renúncia da própria condição de homem e uma convenção que previsse tal possibilidade seria nula, eis que inviável seria estipular de uma parte a autoridade absoluta e de outra uma não-limitada obediência.
Portanto, não há possibilidade de uma convenção legítima a ponto de fundamentar a subserviência do povo.
2.4 – ASPECTOS SUBJETIVO E OBJETIVO DE POVO – DISTINÇÃO E HARMONIZAÇÃO NECESSÁRIAS
A Teoria da Soberania do Povo, delineada por Rousseau, atribui uma dupla qualidade a todo indivíduo, quais sejam: a de citoyen isto é, cidadão ativo que participa da formação da vontade comum e a de sujet, vale dizer, alguém submetido à vontade do Estado.
A referida Teoria possibilitou a distinção entre as qualidades subjetiva e objetiva de povo, tendo definido Jellinek [10] povo, em sentido subjetivo, como um elemento de associação estatal a formar parte desta, enquanto o Estado é o sujeito do poder público e em sentido objetivo enquanto objeto da atividade do Estado.
Nessa linha de raciocínio, os indivíduos, enquanto objeto do poder do Estado, são sujeitos de deveres e enquanto membros do Estado são sujeitos de direitos.
Assinala o referido doutrinador que povo, enquanto conjunto dos membros do Estado, possui significado jurídico e que, enquanto designação da totalidade dos súditos em oposição ao soberano, oferece um sentido político.
Assim, conclui-se que povo em sentido subjetivo possui significado jurídico e em sentido objetivo possui significado político.
É de extrema relevância destacar que uma pluralidade de homens submetidos a uma autoridade comum, que não possuísse a qualidade subjetiva de um povo, não seria um Estado, pois a todos lhes faltaria esse momento que faz da pluralidade uma unidade.
Reside neste aspecto, portanto, a imprescindível harmonização das concepções subjetiva e objetiva de povo, porquanto o isolamento dessas definições é um verdadeiro equívoco que não pode ser admitido, sob pena de desvirtuamento da verdadeira concepção do que vem a ser o povo em sua essência e, por via de conseqüência, o próprio Estado, sendo certo asseverar, pois, que o povo é, simultaneamente, membro da formação da vontade estatal e destinatário dessa mesma vontade estatal.
De fato, tal distinção é possível apenas no plano hipotético.
Ressalta-se que a subjetividade se afirma em oposição ao Estado e se exterioriza através do reconhecimento que faz o Estado ao indivíduo como membro de uma comunidade popular, o que implica no seu reconhecimento como pessoa, isto é, como um indivíduo detentor de uma esfera de direito público, sendo este, pois, o fundamento do caráter corporativo do Estado.
Destaca-se que todo direito público se referia aos poderes do Estado, cujas funções foram concebidas como direito de soberania e, pois, os poderes do Estado se opunham aos súditos e aos Estados estrangeiros como uma soma de direitos.
Aristóteles (1998 apud DALLARI p.103) afirmava que somente entre homens livres seria possível um direito em sentido político e que sem este direito não haveria Estado.
Locke (1998 apud DALLARI p.15) postulou, partindo da idéia do caráter inseparável que tem a liberdade com relação à essência do homem, as limitações que deveriam ser exigidas do poder do Estado, cujos fins consistiriam na proteção da vida, da liberdade e da propriedade.
Posteriormente, Blackstone (1998 apud DALLARI p.109 – 114) transforma os princípios limitativos do poder do Estado em fórmulas jurídicas objetivas e os considera como direitos absolutos de todos os ingleses, os quais eram derivados do direito natural.
Ressalta-se que toda exigência de direito público nasce de uma determinada posição da pessoa com relação ao Estado, a qual se denomina status. Assim, o reconhecimento do indivíduo como pessoa é o fundamento de todas as relações jurídicas, pois mediante esse reconhecimento o indivíduo se torna membro do povo, considerado em seu aspecto subjetivo.
Segundo Jellinek [11], o corolário do reconhecimento do vínculo jurídico existente entre o Estado e o povo faz surgir exigências de três diferentes categorias, quais sejam: exigências negativas, a qual significa que o indivíduo enquanto pessoa está submetido a um poder limitado do Estado através do direito; exigências positivas, que são aquelas que impõem ações positivas do Estado em respeito aos direitos individuais e atitudes de reconhecimento, as quais noticiam que em determinadas circunstâncias há indivíduos que atuam no interesse do Estado, sendo que este deve reconhecê-lo como órgãos seus. Tal fato se traduz no reconhecimento de alguém como cidadão ativo.
É relevante destacar, contudo, que devem ser separadas a exigência individual e a atividade de um órgão, porque esta última pertence exclusivamente ao Estado, de forma que a exigência do indivíduo só pode consistir em propor que se admita a agir como órgão. Ex: a elaboração de uma lei não é um ato individual e sim um ato superior do Estado.
Destaca-se, por oportuno, que pairam controvérsias acerca da noção do termo cidadania, sendo encarado por alguns – como Ricardo Lobo Torres – como um vínculo existente entre os indivíduos e o Estado ou, também, entre indivíduos; como direito ou, também, deveres.
Aduz-se que a idéia de contrato já foi mais usual para expressá-la, sendo a noção de status a mais adequada hodiernamente.
Ressalta-se que Friedrich Müller [12], assinala o povo em três aspectos distintos: como “povo ativo”, como “instância global de atribuição de legitimidade” e como “destinatário de prestações civilizatórias do Estado”.
O citado autor entende ser o povo ativo a totalidade dos eleitores e os elegíveis; povo como instância global de atribuição de legitimidade são os cidadãos do país, os titulares da nacionalidade, os destinatários dos textos normativos oriundos da atuação do povo ativo ao eleger os seus representantes e povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado são os habitantes de um território do Estado, mesmo que sejam estrangeiros ou apátridas, não havendo exclusão de ninguém.
Assinala Friederich Müller [13] que: “Na tradição histórica e política do emprego do conceito, o termo povo não se reveste de traços inocentes, neutros, objetivos, mas decisivamente seletivos.”.
É importante destacar que Canotilho [14] caracteriza o povo como uma “grandeza pluralística”, entendendo estar o seu conceito deveras distanciado do sentido de cidadão ativo.
Para ele o povo deve ser concebido em sentido político, ou seja, como grupos de pessoas que agem segundo idéias, interesses e representações de natureza política.
CONCLUSÃO
As exigências mencionadas acima põem em segurança aqueles membros do Estado que gozam delas e, desse modo, formam um direito de cidadania relevante. Daí resulta, pois, uma situação de cidadão ativo.
Não há Estado possível onde não haja pessoas que possam ter essa gama de exigências mencionada acima.
Deste modo se mostra a maneira mais clara de conexão entre o povo, subjetivamente considerado e o direito público. O poder do Estado precisa nascer, de algum modo, do povo, isto é, o sujeito titular deste poder deve ser membro da comunidade popular.
Em suma: não existe Estado onde haja dominação, mas tão somente onde exista coordenação de vontades, isto é, apenas a vontade do povo confere legitimidade a um Soberano para agir em nome de um verdadeiro Estado.
Não há, pois, separação possível entre a condição de povo como sujeito e como objeto, mas mediante a comunidade de direitos e deveres unem-se entre si os membros de um povo. Essa comunidade recebe sua expressão jurídica objetiva pela organização do Estado. Por obra deste poder unitivo, a pluralidade dos membros constitui a unidade do povo.
Assim, o povo em sentido jurídico não pode ser pensado fora do Estado.
Portanto, a dissociação da noção de povo em seus sentidos subjetivo e objetivo somente é possível no plano hipotético e o isolamento destas situações conduz à equivocada conclusão de conceber o povo fora do Estado.
De todo o exposto, chega-se à ilação de que o povo, elemento essencial do Estado, continua a ser componente ativo mesmo depois que o Estado foi constituído, sendo o povo, destarte, o elemento que oferece condições ao Estado para formar e externar a sua vontade e, por isso mesmo, de viabilizar o exercício da Soberania.
Quanto à “Justiça” da Constituição Brasileira de 1988, aduz-se que foi empreendido um louvável esforço no sentido de tentar recuperar a legitimidade democrática, através de uma maior participação do povo em sua elaboração, o que conduz à inexorável conclusão de que a Constituição de 1988 atingiu um grau maior de Justiça, comparativamente às Constituições anteriores.
De fato, é importante destacar que nenhuma Constituição pode ser inteiramente Justa ou Injusta, mas observa-se que há, em verdade, graus distintos de Justiça.
É relevante destacar, outrossim, que as Constituições se utilizam reiteradamente da palavra povo com o escopo de legitimar o poder, evidenciando, pois, a flagrante retórica, que serve reiteradamente de justificativa para qualquer ação estatal, em detrimento ou em contraposição a uma democracia efetiva.
Para Muller faz-se necessário passar do campo textual, formal, retórico, através do qual se utilizam as Constituições da expressão povo, como meio de legitimação apenas, para o plano da realidade, de forma a conferir ao povo a efetiva inserção no âmbito do poder, cuja titularidade, enfim, lhe pertence.
Criticam os doutrinadores a distância flagrante entre a Constituição brasileira de 1988 e a realidade constitucional.
Entretanto, é importante destacar que a norma só existe quando não há a desejável coincidência entre o ser e o dever ser.
Sucede, assim, que a Constituição Normativa, que se caracteriza pelo modo de compreensão e de aplicação do texto constitucional tem a função de harmonizar uma história de estabilidade / previsibilidade com a adaptabilidade (realidade constitucional).
E sobre este tema, anota-se que o Poder Judiciário, segundo o Professor Rogério Bento [15], em razão de sua “capilaridade” e de sua função de concretizar o direito é fundamental para a satisfação da demanda de adaptabilidade, através, exempli gratia, do fortalecimento do controle de constitucionalidade (jurisdição constitucional forte, ativa e dispersa) e do controle das políticas públicas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o regime de Previdência Complementar e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 30 de maio de 2001. Página 3, Col. 1.
BRASIL.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988.
KANT. Immanuel. A Fundamentação da Metafísica dos Costumes. A Doutrina Universal do Direito
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 22. ed.São Paulo: Malheiros, 2003.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
NOTAS
01 SAVIGNY apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 122.
02 JELLINEK, Georg. Teoria Geral do Estado. Fundo de Cultura Econômica. México: 2002, p. 379.
03 TÖNIES, FERDINAD apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado,Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 133.
04 JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 401.
05 Informação extraída da aula do curso de Mestrado da UNESA, ministrada em 11/03/2005, pelo Professor Doutor Rogério José Bento Soares do Nascimento.
06 COMPARATO, Fábio Konder apud MÜLLER, Friederich. Quem é o Povo. A questão Fundamental da Democracia. Max Limonad. 3 ed. 2003, pág. 15.
07 Informação obtida na aula do curso de Mestrado da UNESA ministrada pelo Professor Doutor Rogério José Bento Soares do Nascimento.
08 JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 378
09 ROUSSEAU, Jean-Jacques Rousseau. Do Contrato Social. Martin Claret, pág 26.
10 JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 380.
11 JELLINEK, Georg. Teoria General Del Estado. Cidade do México. Fundo de Cultura Econômica. 2002. p. 380.
12 Müller, Friederich. Quem é o povo?. São Paulo: Max Limonad. 2001.
13 Ibidem, pág. 83.
14 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1998.
15 Informação obtida na aula do curso de mestrado ministrada pelo Professor Rogério Bento, em 03.06.2005, na UNESA.