por Attilio Gorini
A troca de arquivos pela internet é algo, hoje, amplamente difundido e para todos os objetivos, desde complexos estudos sobre astronomia até a mais trivial troca de fotografias da família com parente distante. O uso legítimo da internet, no entanto, é confundido — e com nefastas implicações — com seu uso ilegítimo e criminoso. O mundo tem lidado com sérios problemas envolvendo redes internacionais de pedofilia e com quantidades massivas de violações de direitos autorais.
Talvez colocar a pedofilia, crime desumano, no mesmo patamar da violação de direitos autorais seja um exagero, mas certamente o reflexo econômico da desenfreada troca dos mais diversos arquivos protegidos pelo direito por meio da rede mundial de computadores não pode ser vista como algo trivial ou pouco importante.
Há alguns anos, a troca ilimitada e, diga-se, muito bem organizada, de arquivos de música pela internet, por meio do site Napster, funcionou como um alarme para a indústria do entretenimento que logo se armou e iniciou medidas, nos Estados Unidos, para evitar o pior. Na prática, a medida pode ter sido tardia mas, sob o ponto de vista legal, ficou muito claro que a disponibilização de serviço centralizado para a troca de arquivos digitais, sem o devido controle de quem disponibiliza tal serviço, é sim violação de direitos autorais.
No Estados Unidos, foram usadas as teorias do “contributory infringement” e do “vicarious liability” que, de forma resumida, responsabiliza determinada pessoa, que seria o “infrator indireto”, pela infração direta causada por terceiros. No caso do “contributory infringement”, ou infração por contribuição, A pode ser responsável pela infração direta de B caso A tenha ativamente induzido a infração ou com o conhecimento da infração, A tenha contribuído com os meios para tornar possível a infração. No caso de “vicarious liability”, que poderia ser traduzido como “responsabilidade vicária ou substituta”, A será responsável pela infração de terceiro se supervisiona ou tem poder para supervisionar os atos de B e se beneficia financeiramente da atividade de B.
Por incrível que pareça, a teoria acima surgiu com a insustentável situação dos “mercados de pulga” americanos em que o proprietário do imóvel permitia sua utilização mediante pagamento e não fiscalizava as infrações ocorridas em sua propriedade. Transplantando-se essa situação para a internet, tinha-se, por exemplo, no caso Napster, a disponibilização de um banco de dados central que redirecionava o usuário até o computador de alguém que efetivamente contivesse o arquivo desejado, sendo ele “pirata” ou não. O Napster fornecia o “imóvel” mas fechava os olhos para a qualidade das trocas de arquivo que estavam ocorrendo em sua “propriedade”.
Diante dessa situação, a indústria fonográfica norte-americana ingressou na Justiça e obteve retumbante vitória contra o serviço Napster (A&M Records v Napster), que hoje volta ao mercado sob nova direção, como um serviço de distribuição de arquivos digitais musicais devidamente licenciados. No entanto, essa vitória não significou muita coisa em termos práticos já que a tecnologia já havia se desenvolvido e alçado vôos muito mais altos.
Com a distribuição de software que permite a distribuição descentralizada de arquivos digitais, ou seja, sem que houvesse um claro culpado pelas infrações perpetradas, a indústria se deparou com um impasse. Quem culpar? As redes P2P ou “peer-to-peer” proliferaram. Sem uma central de indexação que redirecionava o usuário para o computador desejado, o futuro da indústria do entretenimento estava em perigo.
Diante do substancial aumento de assinantes de internet de banda larga no mundo, o que passava a permitir a troca de arquivos muito mais pesados, inclusive filmes inteiros, os estúdios de Hollywood se uniram à indústria fonográfica contra o Grokster e duas outras empresas que forneciam programas de computador P2P. A batalha, que chegou ao seu fim na segunda-feira, dia 27 de junho de 2005, iniciou-se em outubro de 2001 com a indústria alegando que o Grokster permitia que usuários infringissem em massa os direitos autorais (caso MGM v Grokster).
Em sua defesa, o Grokster alegou que o software que fornecia tinha como objetivo principal permitir a troca lícita de arquivos. O antecedente judicial utilizado pelo Grokster foi o famoso caso dos estúdios de Hollywood contra a Sony em 1984 (quando essa última não era, ela própria, um estúdio). Naquele caso, a Suprema Corte americana decidiu em votação de maioria (5 a 4) que os fabricantes de aparelhos de videocassete não poderiam ser considerados responsáveis pelas infrações de consumidores pois o aparelho tinha muitos outros usos lícitos.
No caso Grokster, em primeira instância, o juiz se recusou a aplicar as teorias do “contributory infringement” e “vicarious liability” pois, diferentemente do caso Napster, o Grokster não poderia ter qualquer controle sobre o uso de seu programa por terceiros. Em segunda instância, em agosto de 2004, o Tribunal, apesar de reconhecer que a maioria do que era trocado utilizando-se o software era “pirata”, não havia nada que o Grokster pudesse fazer para parar o processo, ou seja, não havia qualquer interferência do “proprietário” uma vez vendido ou baixado o programa de computador.
Sem dúvida alguma, foi a festa dos que achavam que a internet é uma terra sem lei. Mas a comemoração durou pouco pois a Suprema Corte norte-americana reverteu a tendência e decidiu que o Grokster é responsável pela violação causada pelos usuários dos programas.
Interpretando o caso Sony restritivamente, a Corte afirmou que se for comprovado que o fornecedor da tecnologia tem como objetivo induzir as pessoas a infringir os direitos autorais, então há sim responsabilidade. Pelo que se pôde constatar no caso, muita da publicidade do Grokster era direcionada a ex-usuários do sistema Napster, além de outros atos que levaram à conclusão que o principal objetivo do “download” do programa era realmente praticar atos de pirataria virtual.
Essa decisão encerra uma era mas não elimina o problema. Os usuários que já baixaram o programa certamente vão continuar fazendo uso — lícito ou ilícito — dele mas desde já fica claro que o desenvolvimento de tecnologia tendo com princípio facilitar a infração de direitos autorais é também infração e deve ser punido com todo vigor.
Muitos alegam — e com alguma razão, há que se admitir — que essa decisão terá o efeito de paralisar o desenvolvimento de nova tecnologia, o chamado “chilling effect”, pelo medo de novas medidas judiciais.
No entanto, há também que se pesar o efeito paralisante que programas como esse causam à indústria como um todo — sejam estúdios grandes ou pequenos. A tendência é que a balança pese para o lado dos criadores e titulares de direitos autorais já que o fruto dessas obras gera uma das mais importantes fontes de receita mundiais: a indústria do entretenimento.
Revista Consultor Jurídico