Carmen de Carvalho e Souza Moura
Advogada, Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO
Os pilares do Estado Social de Direito datam do período entre os anos vinte e trinta, caracterizados por uma turbulência totalitária da Europa, quando há uma avalanche de transformações com o deslocamento da primazia do setor primário de produção, ou seja, a agricultura para o setor industriário; da família patriarcal, tradicional e eminentemente conservadora para a família nuclear, onde impera o individualismo e a escassez de padrões previamente estabelecidos, etc.
Consequentemente, tais fenômenos iriam repercutir não só em nível econômico e social, mas também em nível individual, ocasionando uma série de desequilíbrios ao homem. Sabe-se que nos períodos concernentes à Renascença, ao Iluminismo e Romantismo, o homem vivia um estado letárgico, quando acreditava-se em uma possibilidade de uma melhoria objetiva, na verdade, tratava-se de uma utopia da certeza de um mundo melhor.
Porém, neste período de transformações a que nos referimos, quando vigora a crise da Democracia e a impopularidade do Estado de Direito, cuja característica precípua era ser um estado estático, com normas obsoletas, não adequadas às transformações econômicas e sociais, o homem percebe a dura realidade em que vive e a necessidade de uma urgente adequação deste Estado de Direito às novas transformações, ou seja das normas às cada vez mais latentes, alterações econômicas e necessidades sociais. Não há que se falar em renúncia do Estado de Direito, sendo indiscutível o valor do mesmo, urge dar-lhe um conteúdo econômico e social, realizando dentro de seus quadros, uma nova ordem de trabalho e de distribuição de bens.
Institucionalizou-se a idéia de Estado Social na Constituição da República Federal da Alemanha de 1949 como resposta e proposta histórica ao processo de desenvolvimento tecnológico (período pós guerra) que poderia ser estendido a todos os componentes do país.
Genericamente, o Estado Social significa a adaptação do Estado tradicional (Liberal Burguês) às condições econômicas e sociais da civilização industrial e pós industrial, período este caracterizado pelas grandes possibilidades técnicas, econômicas e sociais, mas também pelos seus novos e complexos problemas.
Em termos econômicos, a partir de 1936, Keynes promove a conexão entre Estado e sociedade civil: o Estado não adquire a propriedade dos meios de produção, porém toma para si a tarefa de orientar e controlar o sistema econômico sendo que tal política deixa clara a preocupação de se racionalizar os impactos de uma modificação contínua dos meios de produção e dos critérios de redistribuição de rendas. Ressalte-se o grande passo em se tratando da relação Estado X Economia; na era Fisiocrata a economia deveria ser analisada como a terra, tudo nascia, crescia e se produzia por si só, o Estado não interferia em absolutamente nada, no Estado Contemporâneo, a economia deve ser direcionada, enfim conduzida pelo Estado visando o bem estar social.
Tal tentativa de adaptação do Estado de Direito às constantes transformações decorrentes das novas condições sociais da civilização industrial e pós industrial visa também a sobrevivência do Estado nos tempos modernos. Sabe-se que o Estado está submetido a constantes pressões, a crises políticas permanentes, gerando crises sociais gigantescas, sendo que a história nos mostra que tais situações geralmente foram abafadas mediante a imposição de formas estatais totalitárias acarretando a supressão da liberdade, a violência constante, o império do terror, a política externa agressiva. Desta forma, se o Estado como instituição desejasse subsistir-se deveria primeiramente empenhar-se em controlar de modo permanente, os aspectos econômicos, sociais e culturais da sociedade. Em relação ao Estado Democrático de Direito, a sobrevivência do mesmo depende, além das adequações acima citadas, do acréscimo aos seus objetivos, da regulamentação permanente do sistema social, ou seja, da constante adaptação das normas às mudanças sociais visando a primazia do coletivo (promoção pelo estado do bem estar social).
Estado e sociedade podem ser entendidos como dois sistemas fortemente inter-relacionados entre si através de relações complexas, fazendo parte de um macro-sistema que embora não limite a respectiva autonomia, os submete a fins específicos, sendo que ambos operam para a coexistência pacífica e sobrevivência de ambas as instituições.
Os valores intrínsecos do Estado Liberal Democrático como a liberdade, a propriedade individual, as garantias jurídicas e a igualdade formal ou potencial são submetidos ao patrimônio coletivo. A justiça comutativa é substituída pela justiça distributiva, o Estado legislador é substituído pelo Estado gestor, o Estado estático contrapõe-se o Estado das prestações sociais.
A nível social há uma transferência do espaço vital dominado, ou seja, aquele em que o indivíduo pode controlar, exercer o seu domínio, onde predomina o individualismo para o espaço vital efetivo, que é aquele em que o indivíduo utiliza, mas não exerce o seu domínio, onde predomina o coletivo. Há então, uma gradual transferência do espaço vital dominado (podemos visualizá-lo como sendo a residência do indivíduo) para o espaço vital coletivo (representado pelos serviços públicos). Sabe-se que causa primária de instabilidade social é a limitação da possibilidade do homem de exercer a sua necessidade de dominar o seu território.
Importante ressaltar um traço distintivo do Estado Contemporâneo: a empresarialidade. No estado contemporâneo, o estado participa com um capital privado em empresas mistas e promove a estatização das empresas. É também característica precípua do estado contemporâneo a primazia da função social da propriedade. A propriedade perde gradualmente o seu significado de direito adquirido e passa a se destinar ao bem estar social. A propriedade do bem é limitada pela função social do mesmo. O direito de proprietário é limitado pela função social da propriedade. Verificar novamente a presença no estado contemporâneo da primazia do coletivo sobre o individual . Os direitos individuais são limitados em prol da sociedade.
O estado contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das Prestações. O estado tem como função precípua zelar pelo bem estar social, para tanto destina parte do produto nacional bruto para tal. Na função social do estado, inclui-se também a prestação de serviços que o cidadão como indivíduo pode não considerar como sendo prioritários, como a defesa nacional, porém, ao zelar pelo bem estar social, cabe ao estado zelar pela segurança nacional do território.
Acredita-se que tal função social do estado contemporâneo contribui para a redistribuição de renda decorrente da implantação e o funcionamento de serviços públicos mediante organizações complexas que confiam a eficiência de tais serviços à responsabilidade coletiva, visando a confiança no bem público, na propriedade de todos e de ninguém.
O direito social decorrente da adaptação do Estado Democrático de Direito em um Estado Social implica a limitação jurídica de determinados direitos individuais. O estado social desencadeia um processo de integração de vários grupos nacionais.